Pelo menos um terço dos arrozeiros gaúchos não terão condições de plantar parcial ou totalmente a área da última safra na próxima temporada se não houver mudanças drásticas no cenário de preços, crédito e uma renegociação urgente de dívidas agrícolas que inclua uma ressecuritização para 20 a 30 anos. O alerta foi feito por um grupo de lideranças arrozeiras que está se mobilizando no sentido de sensibilizar a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação da Agricultura do RS (Farsul), Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), Secretaria da Agricultura e deputados federais e senadores na busca de uma solução.
Isso não quer dizer que haverá uma queda proporcional na área cultivada, uma vez que naturalmente os produtores mais capitalizados e sojicultores/pecuaristas assumirão parcial ou totalmente as áreas valorizadas pela demanda dos produtores de soja na região arrozeira.
A estimativa é de que o setor, só no RS, tenha um débito aproximado em R$ 3 bilhões, parte securitizado, negociado no Pesa ou via Manual de Crédito Agrícola, reparcelado diretamente com os bancos ou, em aberto. Esse montante pode aumentar com a inadimplência do custeio da temporada 2016/17 que vence a partir de julho, por causa dos baixos preços praticados no corrente ano comercial, e também, com os primeiros vencimentos do parcelamento feito pelo Manual de Crédito Rural na temporada 2015/16 para os agricultores que tiveram perdas provocadas pelo fenômeno El Niño, enxurradas e enchentes.
Depois que a Federarroz divulgou que os juros cobrados em Cédulas do Produtor Rural (CPRs) podem ser revertidos em ações judiciais e com as dificuldades de pagamento destes contratos registradas nas duas últimas temporadas, as indústrias estão revendo os critérios de liberação de crédito para a próxima temporada. Este mecanismo vem sendo a válvula de escape para muitos rizicultores, principalmente arrendatários.
A partir da nova temporada as regras para liberação de crédito de custeio via indústria passarão a exigir garantias reais, dois avalistas, avaliação de cadastro, e a obrigatoriedade de cultivar as variedades indicadas (excluindo a cultivar IRGA 424 CL ou convencional). Algumas empresas também indicam prazos para as operações de semeadura e manejo e assessoria a ser contratada sob pena de multa ou não liberar o crédito. Apesar da previsão de queda na inflação do País nesta temporada, a instabilidade política e o “aumento do risco” deve elevar as taxas de juros deste modelo de financiamento.
Mesmo os fornecedores que “trocam” insumos por produto, se mostram mais criteriosos para a safra 2017/18. A inadimplência das duas últimas temporadas levou algumas empresas a uma situação pré-falimentar e dificuldades em manter a representação de multinacionais.
“Com a saca de arroz sendo vendida entre R$ 37,00 e R$ 39,00 e o custo superior a R$ 48,00 segundo o IRGA, mais o custeio vencendo no mês que vem sem que seja notada uma reação representativa nos preços e com o parcelamento da safra anterior entrando a partir de outubro, a situação de muitos produtores é de inviabilidade”, alerta o presidente da Associação de Arrozeiros de Itaqui e Massambará, Raul Borges. Segundo ele, a situação é ainda pior porque não há uma reação das entidades representativas em defesa destes produtores.
Para Borges, a cadeia produtiva do arroz está bem, exceto o rizicultor. “Se você pegar a realidade das indústrias, dos fornecedores de insumos, dos prestadores de serviços, todos estão bem, investindo, ampliando, comprando matéria-prima barata e vendendo insumo caro. Agora, o produtor que é vital ao processo, está mal. Isso quer dizer que o sentido de cadeia não existe ou está em desequilíbrio”, disse.
Descompasso
“O descompasso entre custo de produção e preço vem fazendo com que, mesmo produtores com alta produtividade e rendimento na lavoura não consigam traduzir o desempenho agronômico em rentabilidade. Quem já carrega renegociações, dívidas e teve perdas com o El Niño tem uma situação ainda pior”, disse Julio Silveira, expresidente da Associação de Arrozeiros de Uruguaiana, em recente reunião com as entidades em Santa Maria.
Para Cláudio Possebon, secretário da Agricultura e dirigente da Associação de Arrozeiros de Restinga Sêca, a cada safra a situação se agrava. “Há muitas safras temos produtores na região que acumulam perdas, seja pelo clima, seja pelos custos altos e baixos preços de comercialização, e essa situação vem sendo empurrada com a barriga pelo governo federal. É preciso uma solução duradoura e eficiente”, disse.
Até o momento, segundo os arrozeiros, apenas o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP/RS) anunciou que vai se engajar na causa, em busca de uma securitização. Segundo Heinze, não é possível que o governo federal se mantenha omisso à situação vivida por milhares de produtores que asseguram o arroz barato na mesa do consumidor. “É preciso ver que o arroz barato no supermercado está cobrando um custo altíssimo do arrozeiro gaúcho. É preciso haver sensibilidade para esta situação e vamos lutar ainda mais por isso”, disse o parlamentar.
“As entidades ainda não se manifestaram e falam apenas em gestão, aumento da produtividade, e divulgaram uma lista de premissas que são muito interessantes para quem está numa situação positiva, mas não alcançam quem já está endividado, inscrito no Cadin, SPC, Serasa e sem condições de pegar financiamento oficial e com dificuldade, por causa dos preços, de pagar até mesmo os fornecedores privados”, disse Raul Borges. Para ele, a cartilha de medidas divulgadas pela Federarroz está longe da realidade destes arrozeiros que estão em dificuldades.
“Estamos com dificuldade de mostrar para nossos representantes a realidade deste arrozeiro que está inviabilizado. Sabemos que há produtores capitalizados que conseguem boa rentabilidade nas lavouras, mas as entidades não existem só para contemplar estes, mas para representar quem está em dificuldade”, disse o dirigente de Itaqui. Ele acredita que houve uma cisão na representatividade da produção arrozeira. “Hoje as entidades estão representando os produtores capitalizados e procuram não se envolver com esta situação daqueles que estão endividados”.
Assembleia
Além da reunião em Santa Maria e Dom Pedrito, o assunto deve ser retomado pelos dirigentes das associações do interior em uma assembleia geral da Federarroz, sextafeira que vem, a partir das 13h30min na Casa Rural, em Porto Alegre. A convocação inicial da Federarroz, no entanto, restringe-se às entidades em dia com as anuidades, o que representa perto de um terço das 30 associações existentes.
Em Santa Maria, os agricultores se queixaram das entidades, da falta de suporte para as demandas de quem está endividado e também do foco do IRGA em induzir os rizicultores a utilizarem tecnologias de alto custo, com largo uso de insumos e sementes que são desvalorizadas pela indústria. Se referiam à variedade Irga 424 (e CL) que têm as cotações “rebaixadas” pelos engenhos com a argumentação de apresentarem alto índice de defeitos como gesso, barriga branca e barriguinha.
“Hoje temos o Projeto 10+ que entre outras coisas, prega o uso da variedade IRGA 424, material que a indústria paga de R$ 3,00 a R$ 5,00 a menos por saca de 50 quilos, em casca, e o aumento do uso de agroquímicos”, disse um produtor da Depressão Central que preferiu não se identificar por integrar o projeto. “Colhi mais de 9.500 quilos por hectare, vendi 75% para pagar o financiamento da indústria, mas nem se colhesse 11.000 quilos por hectare com estes preços eu conseguiria pagar integralmente os custos e ter alguma renda”, admite. Entende que a variedade é importante agronomicamente por responder bem à adubação mais pesada, resistir à brusone, ser mais produtiva.
Mas, tu jogas mais adubo, economiza um pouco no fungicida e depois recebe 15% a 20% menos na venda, na ponta do lápis acaba perdendo”.
Ele espera vender os 25% restantes de sua colheita até outubro, quando precisa pagar o parcelamento de 2015/16, e obter preços próximos a R$ 50,00. “Ainda assim, não vou nem empatar. O que defendendo esta temporada é a soja e o gado, que também estão com comercialização em níveis mais baixos, mas ainda compensam”, disse. Espera que o vencimento do custeio seja mais uma vez prorrogado para iniciar somente em setembro. Os agricultores também cobram um posicionamento mais forte do IRGA sobre o assunto, uma vez que entendem que a entidade perdeu sua representatividade política sob a atual gestão.
Arrendatários
Se para os proprietários dos campos há alternativas com a integração arroz x soja e pecuária, para os arrendatários não há. “A Depressão Central reúne o maior número de arrendatários do Rio Grande do Sul, por isso expressa de forma mais evidente essa crise. Além do mais, tem sido atingida por eventos climáticos devido a sua abundância de cursos d’água”, disse o presidente da União Central de Rizicultores, de Cachoeira do Sul, Ademar Kochenborger. Há produtores que além de financiados pelas indústrias ou terceiros, com juros mais altos, ainda precisam pagar de 18% a 25% por terra e água arrendados.
Para ele, uma parcela importante dos arrozeiros atuais deixará de plantar nas próximas temporadas ou será forçado a reduzir em muito a área e repensar as tecnologias aplicadas. Isso não quer dizer que a área vai reduzir ou haverá problemas de abastecimento. A soja e os produtores capitalizados assumirão por compra ou arrendamento as áreas que forem disponibilizadas e o Mercosul tem excedentes para suprir até 2 milhões de toneladas da demanda brasileira. ”Tem fila de gente atrás da terra pra soja e pecuária e até arroz. O pequeno e médio produtor, aos poucos, vai ser eliminado”, disse.
Segundo Kochenborger, este é um processo que já está em andamento. O próprio IRGA reconhece um fenômeno de redução no número de produtores e aumento da área média cultivada nas últimas temporadas.
“Enquanto não houver garantia de renda para o arroz e um preço mínimo compatível com o custo real e permanecermos com duas classes de produtores no Rio Grande do Sul e as entidades defendendo só quem está capitalizado, sem capacidade de sensibilizar os governos, não haverá saída e muitos rizicultores serão empurrados para fora do negócio”, disse Kochenborger em recente evento setorial.
Exemplo:
Pegamos o exemplo de um produtor de Cachoeira do Sul, que teve um custo variável de R$ 40,23 nesta temporada por cada uma das 159,16 sacas colhidas, o equivalente a R$ 6.403,01 por hectare (e 7.958 quilos). No total, foram colhidas 60.522,6 sacas de 50kg.
Ele plantou 360 hectares de arroz, totalizando um custo operacional de R$ 2.305.083,60, financiado pela indústria a 2,3% ao mês. Pagamento previsto para 30 de abril de 2017, no valor de R$ 2.600.000,00, aproximadamente (em produto, pela cotação do dia, sem travas, ou em dinheiro/transferência bancária, etc…).
240 hectares foram cultivados com a variedade IRGA 424 CL e obtiveram produtividade média de 8.817 quilos por hectare (176,34 sacas), somando 42.321,6 sacas.
A renda da comercialização desta variedade (entregue em pagamento da dívida) equivale a R$ 1.635.730,00, com média de R$ 38,65 por saca.
60 hectares foram cultivados com a variedade Guri Inta CL, com produtividade média de 150,1 sacas por hectare, ou 7.505 quilos/ha.
A média de preços comercializada no final de abril foi de R$ 41,17 por cada um dos 9.006 sacos de 50 quilos em casca, somando R$ 370.777,02.
45 hectares foram cultivados com a variedade Puitá Inta CL, com média de 151,4 sacos (7.570kg/ha) e um total de 6.813 sacas, negociados em meados de abril pela média de R$ 42,65, somando R$ 290.574,45.
15 hectares foram semeados com a variedade BRS Pampa, com produtividade média de 158,8 sacas (7.940kg/ha), totalizando 2.382 sacas comercializadas ao final de abril por média de R$ 43,00, que totalizou R$ 102.426,00.
A lavoura faturou R$ 2.399.507,47 em 60.522,6 sacas de 50 quilos em casca, limpo e seco, resultando num déficit de R$ 200.492,53 segundo as informações do produtor, que é proprietário da terra. Se fosse arrendatário, ainda teria de 13% a 18% sobre a produção para pagar terra e água.
*O arrozeiro ainda precisa quitar parcela de R$ 138.000,00 em outubro de custeio oficial prorrogada pelo Manual de Crédito Agrícola da temporada 2015/16. Outros R$ 36.000,00 referentes à securitização, R$ 66.000,00 de negociação direta com banco privado e uma parcela de R$ 24.000,00 de máquinas e implementos adquiridos há seis anos. Há ainda um custo de R$ 8.700,00 referentes à manutenção de máquinas e equipamentos em aberto.
Portanto, ao saldo negativo de R$ 200.000,00 da lavoura somam-se R$ 272.700,00 referentes a dívidas prorrogadas e negociadas a vencer. Estes valores serão supridos parcialmente pelo cultivo de 182 hectares de soja (102 em coxilha e 80 em várzea) com produtividade média de 51 sacas no geral, e da pecuária (mais 225 hectares). O cultivo de milho em 42 hectares é direcionado à silagem e ração animal.
(Este exemplo foi baseado em ilustração, planilhas e dados do produtor).
Fonte: Planeta Arroz