A proposta de fusão de US$ 30 bilhões entre a Archer Daniels Midland (ADM) e sua rival Bunge chama a atenção para o quanto as condições mais difíceis do mercado em uma geração obrigaram as maiores tradings de grãos do mundo a repensar estratégias em relação a fusões e aquisições.
A ADM e a Bunge são duas das quatro maiores tradings de grãos do mundo, e usam redes de ativos de crescimento tentacular de armazenagem, transporte e processamento para escoar produtos agrícolas a granel das fazendas até os clientes ou para convertê-los em ingredientes. A ADM, sediada em Chicago, contatou a Bunge com uma oferta de tomada de controle no mês passado, dizem pessoas familiarizadas com o tema.
Juntas, criariam uma empresa com quase US$ 110 bilhões em vendas anuais, em nível equiparável ao da Cargill, a líder no setor. Ambas sentem as dificuldades de atuar como tradings em uma época em que os agricultores ficaram mais seletivos sobre quando e a que preço venderão seus produtos.
A democratização dos dados do setor corroeu o valor das informações, no passado controladas pelas grandes tradings e usadas para prospectar oportunidades de arbitragem. Ao mesmo tempo, uma série de supersafras reduziu o poder de barganha das tradings com os clientes da indústria de alimentos.
“A fusão faria sentido estrategicamente para a ADM, pois criaria escala significativa nos mercados sul-americano, europeu e asiático, eliminaria capacidade excedente nas regiões em que as margens diminuíram e reduziria mundialmente o custo de atendimento a clientes e agricultores”, disse Robert Moskow, analista do Credit Suisse.
As ações da Bunge, que tem valor de mercado de mais de US$ 11 bilhões, subiram 3% ontem, enquanto as da ADM, com US$ 23,3 bilhões em valor, subiram 2%.
A ADM tentou, nos últimos anos, mitigar a dependência do negócio de trading por meio do investimento em empresas que vendem ingredientes mais especializados com margens maiores. Em 2014, pagou € 2,3 bilhões pela Wild Flavors, empresa de aromatizantes especiais para alimentos e bebidas. Mas tais negócios não são suficientemente grandes para neutralizar os problemas estruturais de negociar alimentos a granel.
O executivo-chefe da ADM, Juan Luciano, levantou dúvidas nos últimos 12 meses sobre a possibilidade de expandir a empresa por meio de aquisições envolvendo grandes montantes. “Temos o balanço (suficiente) para fazer aquisições. Apenas sentimos que as aquisições hoje não têm os preços no nível (necessário) para que possamos obter o devido retorno”, afirmou o executivo durante conferência em maio.
Isso pode estar prestes a mudar, na medida em que as condições do mercado parecem tender a mais deterioração. As margens de lucro de uma trading podem ficar ainda mais estreitas na medida em que concorrentes reforçam suas redes de beneficiamento de produtos agrícolas, o que eleva a concorrência para obter produtos de agricultores que reforçaram suas próprias instalações de armazenagem.
A G3, uma joint venture entre a Bunge e um investidor saudita, está construindo um enorme terminal de grãos em Vancouver, British Columbia (Canadá), que deverá comprimir as margens de exportação na costa do Pacífico. No Brasil, a Cargill estuda construir um novo porto de grãos em Barcarena, onde a ADM e a suíça Glencore controlam um terminal de exportação.
Tanto a ADM quanto a Bunge têm portfólios insubstituíveis de portos, silos de armazenagem de grãos e unidades de processamento para commodities como soja e girassol. Mas o grosso dos ativos da ADM está nos EUA, enquanto a Bunge tem maior presença no Brasil, outro grande produtor.
“As sinergias potenciais do acordo podem ser significativas, uma vez que a ADM e a Bunge têm sobreposições substanciais na originação de grãos na América do Norte e na América do Sul e no processamento de oleaginosas, e poderá, portanto, otimizar suas redes para maximizar o índice de utilização e minimizar os custos”, disse Vincent Andrews, do Morgan Stanley.
Outros veem motivo diferente. A Bunge rejeitou a sondagem da Glencore no ano passado. Um acordo de “standstill” que impede a Glencore de fazer uma nova oferta expira mês que vem. “O fator medo está impulsionando a ADM”, diz Jean-François Lambert, da consultoria Lambert Commodities. “A ideia de a Glencore comprar a Bunge e despontar como uma concorrente ainda maior é muito perturbadora para a ADM.”
Ivan Glasenberg, executivo-chefe da Glencore, não fez segredo de seu desejo de expandir seu negócio no setor agrícola – uma joint venture com dois fundos de pensão canadenses. “Estamos buscando fazer esse negócio crescer em várias partes do mundo”, afirmou.
Não está claro como a Bunge reagirá à proposta da ADM. Até agora, nenhuma das duas empresas comentou as informações. Soren Schroder, executivo-chefe da Bunge, falou abertamente sobre a necessidade de consolidação no setor, mas enfatizou sua preferência por joint ventures e parcerias, em vez da venda da companhia.
No ano passado, a Bunge manteve discussões com a Gavilon, uma empresa de grãos da japonesa Marubeni, sobre uma parceria em operações de processamento de grãos nos EUA, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.
Uma possível fusão da ADM com a Bunge já semeou nervosismo entre agricultores que dependem de ofertas concorrentes para obter os melhores preços para seus produtos. Os EUA e o Canadá têm operações consolidadas de processamento de oleaginosas – a ADM e a Bunge representam um pouco mais de 50% da capacidade -, de acordo com o Credit Suisse.
Uma aquisição da Bunge pela ADM seria mais uma onda em meio ao movimento de consolidação que varre todos os setores agrícolas, diz Rob Larew, vice-presidente sênior de políticas públicas e comunicações da National Farmers Union, nos EUA. “Chegou a hora de pôr fim à consolidação desenfreada na agricultura”.
Essa retórica sugere que um acordo exigiria desinvestimentos significativos nos EUA. A venda de ativos poderia criar uma oportunidade para a Glencore ou outro comprador estratégico – possivelmente a chinesa Cofco – fazer incursões em mercados como os EUA, sem ter que se oferecer para adquirir a Bunge inteira. Mas mesmo a abordagem da ADM mostrou aos investidores que Luciano tem um veio pragmático e reconhece a necessidade de tomar medidas para preservar a lucratividade.
“Acreditamos que as coisas vão voltar, mas a camada de rentabilidade talvez não retorne”, disse na conferência em maio, referindo-se ao comércio de grãos e oleaginosas. “E eu acho que isso é algo importante que todos percebam”.(Gregory Meyer e Neil Hume | Financial Times, em Nova York e Londres/ Tradução: Rachel Warszawski)
Fonte: Valor Econômico