A Instrução Normativa (IN 01/2021) publicada na última semana no Diário Oficial da União pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) irá permitir a parceria entre indígenas e agricultores para a exploração econômica de terras demarcadas.
A norma complementa a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama 237/1997), que dispõe sobre procedimentos, critérios e competências no âmbito dos processos de licenciamento ambiental, visto que até então não se considerava a hipótese de povos indígenas como empreendedores.
A Instrução prevê ainda a dispensa de licenciamento ambiental pelo Ibama para determinadas atividades, levando em consideração as especificidades, os riscos ambientais, entre outras características da atividade.
Porém, segundo a IN, o empreendedor deverá obedecer toda a legislação vigente relacionada à proteção de recursos naturais do bioma, inclusive quanto à proteção da diversidade biológica e ao acesso ao patrimônio genético.
“Ao impulsionar a produção de forma responsável nas aldeias, colaboramos para que os indígenas ampliem o cultivo, conquistem novos mercados e se tornem autossuficientes. Desta forma, contribuímos para a melhoria das condições de vida nas comunidades, levando dignidade às populações indígenas, sempre respeitando os usos, costumes e tradições de cada etnia”, ressaltou, em nota, o presidente da Funai, Marcelo Xavier.
Ressalva
Para a Fundação, as mudanças vão garantir mais agilidade e transparência aos processos de licenciamento ambiental.
No entanto, a IN não se aplica ao aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, à pesquisa e/ou à lavra das riquezas minerais em terras indígenas, conforme disposto no artigo 231 da Constituição Federal.
Frente Parlamentar
O deputado federal Neri Geller, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), se manifestou em grupos do WhatsApp a favor da parceria entre indígenas e agricultores.
“Não há qualquer ilicitude ou ilegalidade, pelo contrário. Observada estritamente a legislação ambiental, pode sim ser dada a possibilidade de os indígenas explorarem atividade econômica e terem, com isso, acesso à renda, à tecnologia e assistência técnica para produção sustentável, sob a proteção e fiscalização dos órgãos responsáveis”, disse.
Desenvolvimento
“É preciso, respeitando as normas constitucionais, observar que os indígenas não precisam ser condenados a viver eternamente estagnados. A evolução de técnicas agropecuárias, dentre outras técnicas, devem ser apresentadas a essas tribos que vivem quase que à margem do desenvolvimento”, afirmou a diretora técnica da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Maria Cecília de Almeida.
Para ela, as populações indígenas merecem o desenvolvimento socioeconômico, mas sem perder sua identidade e formas culturais. “Além disso, as técnicas de produção, dentre o elenco de formas de conhecimento das populações indígenas, também podem ser transferidas aos produtores rurais”, complementou a advogada.
No entanto, ela enfatizou que “as atividades merecem acompanhamento de órgãos competentes para não se perderem em boas intenções que podem se transformar em tragédias”.
Estatuto do Índio
Para o diretor jurídico da SNA, Frederico Price Grechi, a atividade econômica da agropecuária em terras indígenas não é totalmente incompatível com o regime protetivo previsto no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73), “o qual previa a colônia agrícola indígena consistente na área destinada à exploração agropecuária”, segundo o artigo 29.
“Aos índios também é assegurado o usufruto da terra indígenas ocupadas, albergando o direito à posse, ao uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes, inclusive o produto da sua exploração econômica, conforme o artigo 24 da referida lei”, explicou Grechi.
Isonomia
Segundo o advogado, “se por um lado é reconhecido aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições nas terras tradicionalmente ocupadas, de acordo com o artigo 231 da Constituição, também lhes é assegurado, de forma isonômica, o seu pleno desenvolvimento pessoal, o seu preparo para o exercício da cidadania, bem como a sua qualificação para o trabalho, inclusive para estimular a indústria rural, como forma de elevar seu padrão de vida com uma conveniente adaptação às condições técnicas modernas”.
Além disso, complementou Grechi, “é preciso lembrar que ao índio é garantida a investidura na plenitude da capacidade civil, desde que preenchidos determinados requisitos, de tal sorte que neste caso cessará toda restrição à sua capacidade decorrente do regime tutelar do Estatuto do Índio”.
Fazendo referência aos agraristas Gursen de Miranda e Themis Eloana, o diretor da SNA concluiu que a política agrária “deve ser plural para atender os interesses do agronegócio e das comunidades, para além de indígenas e quilombolas”.
Agricultores indígenas
Após a publicação da Instrução Normativa, o Grupo de Agricultores Indígenas enviou um carta à Funai apoiando a medida. Na mensagem, a associação destaca que a IN “não obriga ninguém a fazer o que não quer; simplesmente possibilita aos povos indígenas que desejam empreender que assim o façam”.
Ainda segundo o grupo, “a norma é o mais importante instrumento já publicado sobre a questão indígena, pois permitirá aos povos indígenas buscar um futuro digno, não só protegendo suas terras, mas principalmente desenvolvendo ocupação e renda dentro das comunidades indígena”.
Críticas
Alguns ambientalistas e representantes de povos indígenas criticaram a resolução. Eles consideram a IN inconstitucional e alegam que a norma elimina o direito de uso exclusivo das terras pelos indígenas e abre precedentes para o desmatamento e os conflitos fundiários.
Fontes: Funai/G1
Equipe SNA