Infraestrutura logística, nada será como antes?

Caio de Souza Loureiro

O ano de 2021 foi profícuo no estímulo à infraestrutura logística: novas normas impactaram positivamente diversos modais. A expectativa é que a abertura para novos meios de prestação estimule investimentos em prol da ampliação de capacidade e da diminuição do custo logístico.

A autorização ferroviária e o BR do Mar são os dois principais representantes de um arcabouço regulatório mais racional. No setor rodoviário, a ANTT finalmente deu início à edição de Regulamentos de Concessão Rodoviária (RCR), conferindo mais unidade à regulação, até então, primordialmente realizada de modo disperso, em cada um dos contratos de concessão.

É preciso pensar em concessões onde um só contrato possa prever corredores logísticos em mais de um modal.

A “Lei das Ferrovias” (Lei 14.273/21) aprimorou a regulação desse modal, com destaque à figura da autorização, nova modalidade de delegação de serviços que pretende estimular a realização de investimentos privados. Inspirada no modelo portuário, a autorização teve um início tumultuado, diante do ambiente político-institucional conturbado, mas que já parece saneado.

Os benefícios são evidentes, diante do alto número de pedidos já aprovados, mesmo antes da edição da Lei, ainda na vigência da Medida Provisória 1065/21. Dados do governo (23/12/21) revelam 64 pedidos de novas ferrovias, totalizando R$ 180 bilhões de investimentos e o acréscimo de 15.000 km. Esse montante equivale a 50% da atual malha, demonstrando o impacto positivo desse novo modelo.

Por sua vez, o modal hidroviário foi contemplado pelo BR do Mar, programa de estímulo à navegação de cabotagem, que, após idas-e-vindas, acabou sendo regulado pela Lei 14.301/2022. Seu intuito é flexibilizar a cabotagem no país, até então bastante restrita e sem uma regulamentação mais detalhada.

A grande novidade do BR do Mar é a abertura à prestação de serviços por empresas sem frota própria de navios, podendo ser feita com embarcações de terceiros, inclusive estrangeiras. Até então, a cabotagem estava restrita a empresas brasileiras com frota própria e a utilização de embarcações estrangeiras era bastante limitada. A abertura estimula empresas de logística à adoção de um novo modal para o transporte de cargas, algo especialmente relevante diante da extensão do litoral brasileiro e, mais do que isso, na concentração de população e renda em regiões litorâneas. Não por acaso, o BR do Mar foi duramente criticado por associações de caminhoneiros, obstando temporariamente a sua aprovação.

O setor rodoviário também experimentou evoluções significativas, especialmente pela implementação do free-flow e de um novo modelo de cálculo e cobrança de pedágio, nos editais mais recentes, em São Paulo e da ANTT. Rodovias e trechos importantes foram licitados, com destaque para a Ligação Rio-São Paulo, que prevê investimentos relevantes na Via Dutra.

Mais que isso, a ANTT vem se empenhando em regulamentos específicos, que pretendem atualizar a pauta regulatória do setor, por meio de atos gerais que disciplinem pontos relevantes das concessões, atualmente feita de modo disperso, em cada um dos contratos. A regulação por contrato é causa de problemas de gestão e do aumento do custo regulatório, tendo em vista a existência de diversos modelos e disposições distintas que disciplinam um mesmo tema. ANTT e concessionárias sofrem com essa falta de unidade e o processo de edição dos RCRs deverá trazer maior racionalidade às concessões rodoviárias.

Todas essas mudanças traduzem um cenário positivo à logística brasileira. Por certo, será preciso observar de que maneira as inovações recentes irão se conformar nos novos contratos, especialmente em relação à regulação feita por ANTT e ANTAQ. Mais do que isso, como serão interpretadas pelo Tribunal de Contas da União, cada vez mais presente na definição das pautas regulatórias? Apesar de questionável em relação à competência e limites da atuação do TCU, fato é que as Agências seguem cada vez mais legitimando essa atuação, sujeitando inclusive os contratos à aprovação prévia do Tribunal.

É fundamental, portanto, que o TCU tenha a sensibilidade necessária à compreensão das novas normas, estimulando a aplicação das inovações, sem um apego demasiado ao modelo anterior. A depender das conclusões da Corte, a eficácia e abrangência dos novos modelos prestacionais poderá ser maior ou menor e as discussões que certamente serão travadas no TCU serão determinantes para se apurar o real benefício dos novos modelos.

Por outro lado, o estímulo à ampliação de modais logísticos traz de volta uma constatação que teima em ser enfrentada: a necessidade de se pensar em concessões multimodais, por meio das quais um só contrato preveja corredores logísticos em mais de um modal. Em termos de eficiência, faz todo o sentido conceber corredores que se utilizem de rodovias, ferrovias e portos, sem a necessidade de contar com contratos distintos, o que aumenta a burocracia, os custos de gestão e o risco de disparidades que comprometam a integralidade da prestação.

Essa realidade desafia um novo modelo de cooperação institucional, especialmente entre ANTT e ANTAQ, a primeira responsável por rodovias e ferrovias, a segunda pelos portos e transporte hidroviário. No início do governo, o Ministério da Infraestrutura chegou a cogitar a reunião das duas agências num novo ente único, o que pode ser uma saída. De qualquer maneira, mesmo com a existência conjunta, ANTT e ANTAQ podem iniciar o debate acerca da regulação de projetos que aglutinem modais da competência de cada uma delas.

É possível, por exemplo, cogitar de uma única autorização que permita ao particular a implantação e operação de um trecho ferroviário e de um porto privado, ao invés de demandar que esse investimento seja realizado por meio de uma autorização específica da ANTT e outra da ANTAQ. A comunhão dos processos permite, inclusive, que obrigações e metas sejam conjuntamente estabelecidas, aumentando a eficácia e o retorno sobre o investimento realizado.

Como se vê, a realidade atual da logística nacional é bem diferente daquela do início de 2021 e os avanços normativos permitem vislumbrar um cenário mais racional e mais eficiente. A consecução desses objetivos depende, sobretudo, da atuação das Agências Reguladoras e da segurança jurídica, especialmente necessária nos períodos iniciais de nova legislação ou de novos regulamentos.

Caio de Souza Loureiro é doutorando em Direito do Estado, pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito do Estado, pela PUC/SP, é sócio de Infraestrutura do Cascione Pulino Boulos Advogados. 

Fonte: Valor 
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