A indústria de café torrado e moído do Brasil, segundo maior consumidor global da bebida atrás dos EUA, mudou radicalmente a composição dos seus blends diante da crise de oferta do grão verde da variedade robusta (conilon) no País e avalia que os cafeicultores contrários à importação do produto estão dando um tiro no pé.
Isso porque, diante da incerteza sobre oferta futura e com o governo voltando atrás na liberação da importação de café in natura, uma escassez de robusta sem precedentes no Brasil poderá levar a indústria a manter por um tempo maior mais grãos da variedade arábica em blends, disse um dirigente do setor à Reuters, nesta quarta-feira (22 de fevereiro).
Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, antes da crise de oferta a indústria nacional usava entre 40% a 50% de café robusta em seus produtos, um percentual que caiu para 10% a 15% desde o final do ano passado, quando os preços dessa variedade atingiram recordes de cerca de R$ 550,00 a saca.
Com isso, aumentou fortemente o uso de arábicas nos blends, que ficaram, no caso do grão de menor qualidade, atipicamente mais baratos que o robusta.
“Mudou o blend? Mudou. Vai mudar de novo? Não, até que a gente tenha certeza de que a oferta é suficiente para abastecer a indústria local e a exportação. E a gente não tem expectativa de que isso ocorra, até pelos volumes menores que estão previstos”, disse Herszkowicz, que considerou “lamentável” a decisão da noite de terça-feira, que suspendeu as autorizações para importações.
Após pressão de parlamentares ligados aos cafeicultores, contrários à liberação da importação, o presidente Michel Temer ordenou a suspensão provisória das autorizações publicadas esta semana para a importação de café robusta do Vietnã pelo Brasil, determinando ainda que se encontre uma solução para o abastecimento.
Um menor uso de robusta pelo setor de torrado e moído poderia, por outro lado, beneficiar a indústria de café solúvel, que utiliza essa variedade em sua maioria e tem menos margem para trabalhar com arábica, pelas características do produto.
Além de ser o maior produtor e exportador de café verde, o Brasil é também o maior exportador do produto solúvel, setor que também demandou as inéditas importações.
DESAFIO
“A safra (de robusta) do ano passado foi menor, e vai ter menos porque a do arábica vai ser menor (este ano). Há um impasse pela frente, a indústria que se viu forçada a mudar o blend não vai mudar de novo, mesmo que os preços caiam, porque o sentimento é que teríamos de fazer a mudança novamente no segundo semestre”, disse o diretor da Abic.
Ele observou que, ainda que a safra de robusta deva se recuperar em 2017, após anos de quebras em função da seca, ela não será tão grande a ponto de atender as demandas. E a produção de arábica, que responde por mais de 75% da colheita nacional de café, deverá cair, considerando que este é o ano negativo da produtividade dos cafezais brasileiros, que alternam melhores e piores rendimentos.
Ele disse ainda que a indústria chegou a usar 10 milhões de sacas de robusta ao ano na fabricação de café torrado e moído, um volume que está abaixo da projeção da Conab para a safra 2017, de 9.6 milhões de sacas dessa variedade de café.
Aliás, disse Herszkowicz, uma das explicações para o preço doméstico do café robusta ter caído mais de R$ 100,00 a saca desde as máximas do ano passado é a redução da demanda da indústria brasileira.
“Há risco de os produtores perderem os clientes. A ABIC fez comentários sobre isso, alertou por escrito (os cafeicultores), a mudança de blend é algo delicado, não dá para mudar do dia para noite, o consumidor estranha”, disse ele, destacando que as torrefadoras também correm risco de perder consumidores, se o sabor do café a que estão acostumados mudar muito de uma hora para outra.
Um blend com mais robusta torna a bebida mais “encorpada”, entre outras características citadas pelo dirigente.
“Quando vai voltar (o maior uso do robusta)? Não sei quando vai voltar, o que a gente pode esperar é que, como a mudança do blend é gradual, não se deve esperar que ela acontecerá rapidamente”, disse Herszkowicz.
Ele ponderou que, se houvesse a importação, ainda que dentro da cota de 1 milhão de sacas com tarifa menor de 2%, o problema da escassez poderia ser amenizado. Agora, disse ele, a expectativa é de novos problemas de oferta no segundo semestre, após o encerramento da colheita nacional, que tem início em abril.
Fonte: Reuters