Gustavo Spadotti, Chefe-Geral da Embrapa Territorial

Foto: Divulgação
A SNA conversou com o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti. Nessa entrevista, ele fala sobre a metodologia de trabalho que gerou um banco de dados muito valioso para produtores, autoridades e estudiosos do campo. 
São informações de alta precisão que ajudam gestores a formular políticas públicas, compreender melhor questões fundiárias, detectar mudanças nas práticas agrícolas e outros critérios determinantes. 
Spadotti fala ainda sobre o desafio de fazer a tecnologia de ponta chegar ao maior número possível de pessoas, além de como a Embrapa Territorial pode contribuir no enfrentamento às mudanças climáticas, gargalos logísticos da produção e alocação de recursos.  Confira abaixo! 

 

 

SNA – A pesquisa e metodologia desenvolvidas pela Embrapa Territorial revelaram informações fundamentais da dinâmica agropecuária brasileira, contribuindo para a formulação de políticas públicas e melhor aplicação de tecnologias nas diversas regiões e biomas do país. Como o senhor avalia essa participação no grande salto de produção das últimas décadas?

Gustavo – A pesquisa e metodologia desenvolvidas pela Embrapa Territorial têm desempenhado um papel fundamental na compreensão da dinâmica da agropecuária e do mundo rural brasileiro. A transformação dos números em dados para a geração de informações assertivas sobre os territórios da agropecuária têm sido essenciais para embasar a formulação de políticas públicas, ações estratégicas privadas e a aplicação de tecnologias em diferentes cadeias produtivas, regiões e biomas do país. Nosso método, alicerçado nos conceitos de Inteligência Territorial Estratégica (ITE), tem sido um dos pilares científicos do grande salto de produção, produtividade e competitividade que o setor agropecuário brasileiro vivenciou nas últimas décadas. O acesso a dados precisos sobre os quadros Natural, Agrário, Agrícola, Socioeconômico e de Infraestrutura em bases territoriais e as potencialidades de cada região tem permitido uma gestão mais eficiente dos recursos naturais, além de orientar estratégias de desenvolvimento que prezem pelo equilíbrio entre a produção agropecuária e a preservação ambiental.

SNA – De que forma a compreensão territorial de um país de dimensões continentais pode ajudar a superar um grande gargalo do agronegócio, que é armazenagem e transporte da produção até os principais centros de consumo, além de portos e aeroportos?

Gustavo – A compreensão territorial de um país de dimensões continentais como o Brasil é fundamental para superar os desafios logísticos enfrentados pelo agronegócio, especialmente no que diz respeito à armazenagem e transporte da produção. Para tal, a Embrapa Territorial desenvolveu o Sistema de Inteligência Territorial Estratégica da Macrologística Agropecuária Brasileira, para atacar o “custo Brasil” presente nas operações pós-porteira. Este sistema, prestes a ter sua segunda versão disponibilizada para a sociedade, não apenas identifica os gargalos, como roda modelos evolutivos para avaliar a viabilidade das principais soluções logísticas postas à mesa. Ao analisar as características geográficas, climáticas e de infraestrutura de cada região, é possível identificar oportunidades para otimizar os fluxos de produção e reduzir custos logísticos. No caso mencionado, o déficit de armazenamento no Brasil não é generalizado. As regiões Sul e Sudeste possuem números próximos dos adequados, enquanto o Centro-Oeste e as últimas fronteiras agrícolas vivenciam situação oposta, demandando olhar diferenciado visando investimentos e oportunidades na expansão da capacidade estática. Além disso, o
conhecimento detalhado do território contribui para o planejamento de investimentos em infraestrutura, como estradas, ferrovias e portos, promovendo uma integração intermodal mais eficiente entre as áreas produtoras e os centros de consumo, sejam eles para o mercado interno ou destinados à exportação.

SNA – Muitos se espantam que o Brasil, com seu tamanho e clima favorável, destine tão pouco de sua extensão à atividade agrícola, e mesmo assim seja um expoente do setor, sobretudo quando comparado a seus principais concorrentes. Ao que o senhor atribui essa disparidade, evidenciada pelo monitoramento?

Gustavo – A alocação eficiente dos recursos agrícolas é um dos principais fatores que contribuem para o sucesso do agronegócio brasileiro, apesar da proporção relativamente pequena de terras dedicadas à atividade agrícola. Essa disparidade pode ser atribuída, em parte, à utilização de tecnologias avançadas, à adoção de práticas sustentáveis de manejo do solo e dos recursos hídricos, bem como à diversificação da produção em diferentes biomas e regiões do país. O monitoramento contínuo realizado pela Embrapa Territorial permite identificar oportunidades de otimização e promover um uso mais eficiente dos recursos disponíveis, contribuindo para a manutenção da competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional. Com cerca de 10% do seu território dedicado à produção agrícola e silvicultura e outros cerca de 20% para a produção pecuária, o Brasil ainda tem uma grande oportunidade de expansão de áreas cultivadas (sobre pastagens subutilizadas, por exemplo), além de um enorme potencial de aumento da produtividade das culturas, redução da diferença de produtividade entre os produtores mais e menos tecnificados, e também a intensificação do uso da terra por meio da promoção da rotação de culturas, adubação verde, safrinha e uso de sistemas integrados como a ILPF. Continuaremos a produzir alimentos, fibras e bioenergias para o Brasil e para o mundo poupando mais de 60% do nosso território para a proteção, preservação e conservação da vegetação nativa.

SNA – As tecnologias hoje se renovam velozmente, e contribuem para otimizar a produção de agricultores de vários portes. Fazer chegar os avanços mais recentes da Embrapa Territorial às mãos de todos ainda é um desafio?

Gustavo -A disseminação das tecnologias desenvolvidas pela Embrapa Territorial para agricultores de todos os portes é um desafio constante. Apesar dos avanços nas comunicações e na conectividade, ainda existem barreiras de acesso e capacitação que precisam ser superadas. Nesse sentido, a Embrapa Territorial tem investido em iniciativas junto à extensão rural e produtores visando sua capacitação e transferência de tecnologia, como cursos, workshops e publicações técnicas, além de parcerias com instituições públicas e privadas para ampliar o alcance das suas pesquisas e promover a adoção das melhores
práticas pelos produtores. Em 2024 lançaremos nossos primeiros cursos online na plataforma E-Campo da Embrapa, além de seguir provendo Sistemas de Inteligência Territorial Estratégica (SITEs) em nossa página de forma pública, oficial e aberta.

SNA – De que forma é possível ajudar nos conflitos agrários e tensões fundiárias, já que o monitoramento via satélite e outras ferramentas oferecem uma perspectiva única da ocupação de terras e distribuição populacional?

Gustavo – O monitoramento via satélite e outras ferramentas de sensoriamento remoto oferecem uma perspectiva única da Atribuição, Ocupação e Uso das terras do Brasil, o que pode contribuir significativamente para a resolução das diferentes demandas fundiárias. O país já lançou mão da atribuição de mais de 1/3 do seu território em unidades de conservação, terras
indígenas, assentamentos rurais, comunidades quilombolas e áreas militares. A análise detalhada das imagens de satélite, além de permitir identificar padrões de uso da terra, possibilita, por meio do cruzamento de banco de dados, realizar análises de contexto territorial, apoiando a regularização fundiária, o monitoramento de possíveis invasões e desmatamentos, buscando pacificar as diversas demandas pela ocupação do nosso território. Além disso, a Embrapa Territorial tem desenvolvido metodologias e ferramentas específicas para auxiliar na gestão territorial e no ordenamento do uso da terra, contribuindo para a promoção da segurança jurídica e da sustentabilidade no campo, garantindo decisões técnicas fundamentadas em dados para decisões assertivas quanto à atribuição, ou não, de novas áreas para finalidades específicas presentes na lei.

 

SNA – As mudanças climáticas representam um desafio crescente na agricultura. Em que medida a Embrapa Territorial pode ajudar, sobretudo na transição para a sustentabilidade que, todos esperam, irá mitigar eventos extremos assim?

Gustavo – Precisamos atacar este problema com duas grandes frentes. A primeira, a mitigação das possíveis causas das mudanças climáticas, tais como emissões de gases, mudanças no uso da terra e cobertura do solo. A segunda, focada nas adaptações a este fenômeno, tornando os sistemas de produção e os cultivos menos sujeitos às perdas decorrentes de eventos extremos. Através da pesquisa e desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, das análises de dados históricos sobre os padrões territoriais e respostas agronômicas dos cultivos aos fenômenos climáticos e da difusão de práticas agrícolas resilientes e sistemas de produção adaptados ao clima, a Embrapa Territorial pode ajudar os agricultores a enfrentar os desafios decorrentes das alterações climáticas. Além disso, a análise detalhada das condições climáticas passadas pode ajudar a prever cenários futuros de modo a individualizar as características territoriais permitindo identificar oportunidades de adaptação e promover uma agricultura mais sustentável e resiliente no longo prazo.

 

*Gustavo Spadotti Amaral Castro é engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Agricultura (Fitotecnia) pela Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp/Botucatu. Desde 2022, é chefe-geral da Embrapa Territorial. 

Foi professor em universidades e pesquisador na área de insumos agropecuários. Ingressou na Embrapa em 2012 e atuou no setor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Amapá. Trabalhou com pesquisas a campo sobre competição de cultivares, sistemas de produção, rotação de culturas e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Em 2015, passou a integrar a então Embrapa Monitoramento por Satélite, hoje Embrapa Territorial (Campinas, SP), onde atuou em projetos sobre Macrologística Agropecuária, Cadastro Ambiental Rural (CAR) e Sistema de Inteligência e Gestão Territorial
da Caatinga e dos Cerrados.

Por Marcelo Sá – jornalista/editor (MTb 13.9290)  
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