Comer é a necessidade mais básica do ser humano, e mudanças duradouras no cardápio costumam ser lentas e graduais, embora modismos despontem e desapareçam.
Entre as tendências de longo prazo identificadas pela FAO, o braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação, está a queda do consumo de produtos de origem animal, e as alternativas vegetais às carnes poderão acelerar esse processo, sobretudo com a multiplicação do número de foodtechs e pequenas empresas dedicadas a esse mercado.
No mundo, esse segmento movimenta atualmente pouco mais de US$ 5 bilhões por ano, mas o valor deverá chegar a pelo menos US$ 85 bilhões em 2030, segundo o “The food revolution”, do banco suíço UBS. O estudo foi divulgado em 2019, mas ainda é uma das principais referências usadas pelas companhias que atuam no ramo.
Interesse
Esse potencial tem despertado o interesse de grandes grupos globais de alimentos e proteínas, inclusive brasileiros, mas, como ainda é um mercado de escala restrita, são foodtechs e pequenas empresas locais que estão melhor aproveitando a onda, agilizando o lançamento de novidades nas prateleiras.
Segundo o GFI – The Good Food Institute, apenas no primeiro trimestre US$ 930 milhões foram investidos por fundos em empresas e startups focadas na alimentação plant based na Europa. Em todo o ano passado, os aportes somaram US$ 824 milhões.
“Todas as empresas de alimentação apostam que esse é o futuro. Mas as maiores demoram meses, até anos, para mudar paradigmas. Por isso, a tendência é que elas se associem às startups”, disse Alberto Gonçalves Neto, da AGN Consultoria. A empresa se dedica já há dez anos a trabalhos na área de alimentos saudáveis, fresh food e plant based.
Startups e parcerias
Na Europa e nos EUA, algumas startups já foram adquiridas por múltis como Nestlé e Unilever; nos EUA, a Just, que produz ovo vegano, recentemente fechou uma parceria com o alemão Emslan Group para ampliar sua capacidade de produção. Sem falar em companhias relativamente jovens, mas já famosas no mercado, como as americanas Beyond Meat e Impossible Foods, que viraram cases internacionais com seus hambúrgueres e outros produtos da linha plant based.
Na América Latina, Gonçalves destaca a chilena NotCo, que produz alimentos substitutos do leite e estabeleceu uma parceria com a Burguer King em seu país para fazer o famoso Rebel Whooper da rede de fast food à base de plantas.
No Brasil, a NoMoo se tornou a primeira startup no mundo a fechar uma parceria com a JBS, maior empresa de proteínas animais do mundo. Com castanha de caju e técnicas moleculares, ela foi a única aprovada para fornecer seus queijos plant based para produtos da marca Seara.
“Foi incrivelmente rápida essa parceria, porque a JBS contratou um time de executivos ávidos por inovação e que vê grande potencial nesse mercado”, disse Marcelo Faria Doin, fundador e CEO da NoMoo.
Advogado por formação e vegano por convicção, Doin cansou da profissão e viveu anos em Nova York, onde estudou gastronomia. Achava todos os queijos veganos disponíveis “ruins e de cheiro forte”, e criou sua linha. Em 2015, voltou ao Brasil e, convencido pela mulher, montou uma fábrica. Em 2018, já vendia para grandes redes varejistas seus queijos, maionese e requeijão. No ano passado, expandiu a atuação para cidades menores.
O acordo com a JBS turbinou o ritmo de crescimento, e já há compradores interessados na NoMoo. “Conversas estão acontecendo o tempo todo. Ainda queremos crescer, mas sabemos o nosso valor”, disse o executivo.
Fundos de investimento
Doin diz ter sido procurado por fundos de investimento, mas que desistiram de um eventual aporte alegando que provavelmente a empresa seria vendida antes do prazo de maturação de sua aposta.
“Há alguns milhões de dólares de fundos interessados nesse segmento”, afirmou um fornecedor da indústria de alimentação. “As startups são rápidas e estão respondendo a essa demanda dos consumidores de forma ágil”. Para ele, a consolidação será inevitável. “Mas as grandes empresas vão esperar o mercado se consolidar e deixar de ser alimentação de nicho”.
Enquanto isso, as parceiras ganham terreno. Além da NoMoo, outros exemplos nessa linha são a Gerônimo, que produz alimentos plant based para a linha Taeq do Grupo Pão de Açúcar, a Beleaf, startup de refeições congeladas com ingredientes plant based que tem contrato com a GRSA, multinacional inglesa que fornece 1% da alimentação consumida fora do lar no mundo.
Inovação
Além das novatas, outras empresas da área de alimentação saudável já despertaram para as alternativas vegetais. A Jasmine, por exemplo, foi praticamente “obrigada” a investir na área. “Fomos procurados pela sociedade vegana, que se preocupa muito com a posição da marca e com a sustentabilidade dos produtos que consome”, disse Rodolfo Tornesi Lourenço, diretor de Inovação e Transformação da Jasmine.
Para a maioria dos veganos, não faz sentido consumir produtos de empresas que também trabalham com proteínas animais, casos da JBS ou da Marfrig, segunda maior empresa de carne bovina do mundo, que mantém parceria com a americana ADM no segmento de alternativas vegetais.
No “convite” da sociedade vegana, a Jasmine teve de comprovar que os 135 produtos de seu portfólio não tinham origem animal e que apenas quatro tinham mel na composição.
Na área de proteínas vegetais, a empresa não lançou um produto pronto, mas uma mistura que deve ser preparada em casa e pode virar um hambúrguer, um quibe ou ser usado em outras receitas.
Segundo Lourenço, a mistura tem 27 gramas de proteína a cada 80 gramas, enquanto boa parte dos concorrentes têm, em média, 18 gramas.
“Fazemos algo diferente, que já chamou a atenção de uma empresa internacional. Mas somos focados em algo que ainda é nicho para as grandes companhias”, disse. Desde 2014, o controle da Jasmine, que faturou R$ 160 milhões em 2019, está nas mãos da francesa Nutrition et Santé, subsidiária da farmacêutica japonesa Otsuda.
Concorrência aumenta
O boom de produtos vegetais que substituem carnes no Brasil vem se refletindo nas gôndolas dos supermercados. Mas pequenas empresas do segmento ainda enfrentam problemas para encontrar capital de giro e disputar espaço de destaque nas prateleiras com grandes marcas.
Nesse contexto, a Gerônimo Foods encontrou uma solução que está rendendo bons frutos. Há um ano a empresa atende à marca Taeq, do Grupo Pão de Açúcar (GPA) com produtos de origem vegetal, entre os quais hambúrguer de grão de bico com alho poró, pão de queijo vegano e o hambúrguer de beringela.
A Gerônimo não divulga seu faturamento, mas diz que a parceria com o GPA é responsável por cerca de 25% da receita anual. A aproximação foi conduzida pela consultoria Nice.
Guilherme Sayegh, sócio proprietário da Gerônimo, lembra que acompanhou a entrada de grandes empresas no mercado de proteínas vegetais nos últimos dois anos. De acordo com o empresário, elas entraram primeiramente em contato com o intuito de entender os mecanismos.
“Tem um lado sensacional dessa história, que é ver a categoria se desenvolvendo com a entrada de grandes marcas. Mas agora o jogo mudou e está mais sofisticado”, disse Roberto Pasqualoni, sócio da empresa ao lado de Sayegh e de Tatiana Torres. “Há pouco tempo não tínhamos nem metade dos players que temos hoje”, acrescentou Pasqualoni, responsável pela área de marketing.
Em outubro de 2019, a Gerônimo concluiu a mudança de sua planta para Atibaia (SP). Na nova unidade, são feitos todos os produtos do portfólio, incluindo os destinados ao GPA. Até hoje, a empresa trabalha apenas com produtos 100% vegetais e sem a adição de soja.
A capacidade produtiva da planta no interior de São Paulo está em torno de 45 toneladas por mês. Os produtos da marca podem ser encontrados também nas redes Mambo, Sonda, Zaffari e Natural da Terra.
“A mudança para uma nova fábrica foi feita basicamente para atender à Taeq, com todas as exigências feitas por um parceiro desse porte”, disse Sayegh. Diferentemente de outras marcas menores do segmento, a Gerônimo ainda não recebeu investimentos de nenhum fundo, mas garante que tem outras parcerias no horizonte.
Segundo relatório do banco britânico Barclays, o segmento de proteínas à base de vegetais tende a representar 10% de todo o mercado global de carnes até 2029 e poderá atingir US$ 140 bilhões nos próximos dez anos.
Fonte: Valor Econômico
Equipe SNA