O forte aumento da oferta de laranja e a recomposição dos estoques de suco, em tempos de consumo global da bebida ainda retraído sobretudo nos mercados dos países desenvolvidos, tendem a pressionar a citricultura em 2020 após pelo menos três anos de preços em geral remuneradores no cinturão formado por São Paulo, Triângulo Mineiro e sudoeste de Minas, o maior do mundo.
Segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), mantido com contribuições de produtores de laranja e indústrias exportadoras de suco, nesta safra 2019/20, que começou em julho e é de bienalidade positiva para a variedade pera, a colheita na região deverá alcançar 385.3 milhões de caixas de 40,8 quilos, 35% a mais que em 2018/19.
Diante desse volume robusto, as principais indústrias exportadoras de suco (Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Company) aceleraram o ritmo de processamento e o aumento da produção da bebida, concentrada e congelada (FCOJ) ou pronta para beber, está enchendo os estoques, que, segundo fontes do segmento, deverão atingir de 400.000 a 500.000 toneladas no fim do ciclo.
Se não houve quebra de safra por causa da seca do fim do ano passado, ainda existe um risco de a produção de laranja ser entre 10% e 15% menor que a prevista em razão de déficit hídrico, o aumento dos estoques de suco em relação ao fim do 1º semestre de 2018 poderá ser de aproximadamente 200.000 toneladas.
Essa recomposição dos estoques de suco brasileiro na rede de distribuição das indústrias espalhadas pelo mundo ajuda a explicar o expressivo aumento das exportações de suco nos cinco primeiros meses desta temporada mesmo com o consumo mundial ainda muito distante do que era há dez anos.
Segundo a CitrusBR, entidade que representa as três grandes empresas exportadoras, os embarques somaram 535.700 toneladas equivalentes ao FCOJ de julho a novembro, 54% mais que no mesmo período da safra anterior, e renderam US$ 921 milhões, aumento de 39%. Mas o fluxo já arrefeceu, e deverá continuar mais fraco ao longo dos próximos meses.
Apesar da queda das vendas, a tendência de redução de preços perdeu força em dezembro ao menos no mercado de NFC, embora especialistas afirmem que a pressão continua. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), foram embarcadas no mês 32.100 toneladas de FCOJ, 47,30% menos que em dezembro de 2018, e a receita recuou 56,70%, para US$ 51.1 milhões. O preço médio da tonelada caiu 18%, para US$ 1.588,80, em linha com a curva das cotações na bolsa de Nova York, que também sofrem com os reflexos da recuperação da produção de laranja da Flórida, que abriga o segundo maior parque citrícola global.
No caso do FCOJ, o volume das exportações recuou 43,90% em dezembro, para 203.000 toneladas, e a receita foi 30,10% menor (US$ 136.7 milhões). O preço médio, portanto, subiu de US$ 540,70 para US$ 673,70.
“A indústria brasileira deverá aumentar ainda mais o foco em NFC, que tem margens maiores, para compensar a queda na receita com o FCOJ. O volume elevado da safra e a qualidade [até agora] favorável devem ser determinantes para manter a produção de NFC próxima da capacidade máxima em 2019/20”, afirma relatório divulgado no fim do ano passado pelo banco Rabobank.
Nesse cenário, e apesar da expectativa de aumento da produção de NFC, os preços pagos aos produtores de laranja de São Paulo e Minas tendem a perder sua atual sustentação. Segundo o CEPEA/ESALQ, no mercado spot paulista a caixa de 40,8 quilos está sendo negociada por cerca de R$ 20, 00, quando no ano passado a cotação chegou a R$ 26,00.
Os preços praticados, no entanto, se referem a volumes pequenos, uma vez que mais de 70% da demanda das indústrias por laranja é coberta por produção própria ou contratos de longo prazo com médios e grandes citricultores. “A Citrosuco, por exemplo, que é a maior indústria do segmento, está praticamente fora do mercado spot”, disse uma fonte.
Nos contratos de longo prazo, normalmente fechados por dois a cinco anos, os reflexos da superoferta são visíveis. “Já houve revisões para baixo nos últimos meses. Contratos firmados por US$ 6,00 a caixa, foram revistos para menos de US$ 5,00. Ainda é uma remuneração que cobre os custos, que no caso dos produtores de laranja mais eficientes é de R$ 12,00 ou R$ 13,00 por caixa [mesmo com gastos para o controle de “greening”, doença que afeta os pomares], mas as margens estão ficando mais apertadas”, disse outra fonte.
“As indústrias de suco estão com o pé no freio”, disse ao Valor Roberto Hugo Jank Júnior, sócio da Agrindus, uma das maiores produtoras de laranja de São Paulo. “Os contratos mais longos estão na faixa dos três anos, e os valores estão variando de US$ 4,80 a US$ 5,50”.
Nesse contexto, diz, ganhos de eficiência conquistados nos últimos anos estão sendo fundamentais para garantir resultados positivos. “Em 2015, tínhamos um parque citrícola de 800.000 hectares e hoje, mesmo com 395.000 hectares temos a melhor produtividade da história, de 1.050 caixas por hectare”, disse.
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