Às margens do rio Pará, o porto de Barcarena surge como que brotado das águas. As estruturas de concreto se mesclam com as paisagens naturais. Entre açaizeiros e buritizeiros, os terminais aparecem em harmonia com a vastidão do rio. Nada semelhante às estruturas gigantescas do mais tradicional porto do Brasil, o de Santos (SP).
Mas chegar aos terminais de Barcarena não é tarefa fácil e escoar a produção agrícola por ali tampouco. No Terminal de Grãos Ponta da Montanha (TGPM), joint venture entre a americana Archer Daniels Midland (ADM) e a trading anglo-suíça Glencore, 20% da carga recebida é por rodovias e 80% por rios.
Em 2018, 3.2 milhões de toneladas de grãos, 2.3 milhões de toneladas de soja e 902.800 toneladas de milho, foram escoadas pelo TGPM, 39,10% mais que o volume embarcado em 2017. Em todos os portos do Arco Norte, que vão da Bahia até o Amazonas, o escoamento de grãos chegou a 29.1 milhões de toneladas, 10,80% a mais que em 2017 e 27,50% do total exportado de grãos no ano passado, segundo dados da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (ANEC).
Dez anos atrás, em 2009, a participação desses portos estava em 16,50% do total exportado pelo Brasil. No caso da soja, carro-chefe das exportações agrícolas, a participação dos portos do Norte saiu de 19,10% ao fim de 2009 para 27,60% no ano passado (22.9 milhões de toneladas). Em milho, a participação teve um aumento ainda maior, saindo de 7% para 27,20% (6.2 milhões de toneladas) nesse mesmo período.
Ainda assim, os números poderiam ser melhores. “Melhoramos muita na participação, mas ainda estamos muito longe de escoar a produção em si”, disse Paul Steffen, que é diretor de operações do TGPM e também preside a Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica (Amport).
Em 2018, a produção de grãos dos Estados acima do Paralelo 16, linha a partir da qual as exportações pelo Arco Norte se tornam viáveis, correspondeu a 52% do total produzido no Brasil. “No ano passado, deixamos de operar com 900.000 toneladas, que foram originadas aqui e que desceram para Santos”, disse Steffen.
O caminho para o grão chegar até o Norte não é dos mais simples. Numa das principais rotas, a soja produzida em Mato Grosso vai pela rodovia BR-163, que ainda precisa asfaltar 50 quilômetros e reformar trechos deteriorados, até Miritituba (PA), às margens do rio Tapajós. De lá, vão por Estações de Transbordo de Carga (ETC) em barcaças até os portos de Santarém (PA) ou Barcarena, em Vila do Conde (PA). O trajeto via hidrovia leva cerca de cinco dias.
Outra rota importante é a do rio Madeira, com cargas saindo do noroeste de Mato Grosso pela rodovia BR-364, que precisa de intervenções de adequação de capacidade – até Porto Velho (RO). Da capital de Rondônia, os grãos vão de barcaças, que chegam até os portos de Itacoatiara (AM), Santarém ou Barcarena. O trajeto hidroviário demora 15 dias. As duas rotas, depois que passam pelos rios Madeira ou Tapajós, encontram o rio Amazonas e chegam aos portos marítimos.
O tempo é uma questão nessas rotas e é considerado nos cálculos das tradings ao definirem que porto utilizar para escoar a produção. De Sinop (MT) até Santos, as cargas demoram quatro dias por rodovia e cinco dias por rodovia e ferrovia.
Afora o tempo, pesa na balança o maior valor gasto com praticagem, atividade de manobra dos navios dentro do terminal, o que aumenta o custo de operação nos portos do Norte. Os custos de praticagem em Barcarena são cerca de 2,3 vezes mais altos do que os realizados em Santos, disse Steffen.
Outro ponto importante é que, ao contrário do que se imagina, o Arco Norte não é mais próximo do principal mercado brasileiro, a China, que Santos. O tempo médio para chegar ao gigante asiático é o mesmo: 25 dias. “As premissas de redução de custos que foram estimadas para o Arco Norte não se concretizaram. O sistema não é tão barato”, disse Steffen.
Atualmente, o porto de Barcarena enfrenta mais uma desvantagem em relação aos demais. O Pará, juntamente com o Mato Grosso do Sul, cobra imposto sobre as exportações de commodities agrícolas no país. No Pará, a alíquota é de 17%. “Temos trabalhado para mudar esse quadro. No fim, acaba gerando até uma perda de arrecadação”, disse o presidente da Amport.
Para ser competitivo nesse cenário, é preciso reduzir custos operacionais. No TGPM, está em curso um projeto para reduzir o tempo de descarregamento do grão que chega por barcaças de 1.500 toneladas por hora para cerca de 1.700, disse o coordenador de operações do terminal, Alexandre Brito.
Apesar desses desafios, ainda faz sentido para as grandes tradings investirem em terminais nos portos do Arco Norte. Não à toa, aportes seguem em curso. A Cargill fará um investimento de R$ 700 milhões num porto que deverá ser construído na ilha de Urubuéua, no Pará. A francesa Louis Dreyfus escolheu a ilha de Marajó, também no Pará, para construir seu porto. Ambos os projetos estão em fase de licenciamento ambiental, que pode sair ainda neste ano. Com os novos terminais, a capacidade de escoamento de grãos pelo Arco Norte será elevada em cerca de 2 milhões de toneladas.
Fonte: Valor