A presença do presidente Jair Bolsonaro no Fórum Mundial de Economia em Davos, nos Alpes suíços, nos dias 22 e 23, vai coincidir com o aprofundamento de uma estratégia do fórum que busca incentivar a redução do consumo global de carne bovina. O Brasil lidera as exportações do produto, de acordo com estatísticas do USDA.
Em 2018, o Fórum de Davos lançou a iniciativa “Meat: the Future”, em defesa de um maior equilíbrio entre o consumo de carnes e questões ligadas à saúde e ao ambiente. Para o evento que vai acontecer em duas semanas, publica agora uma pesquisa da Universidade de Oxford que defende a substituição de carne bovina por fontes alternativas de proteínas que vão desde insetos até carne sintética, passando por tofu, lentilha, nozes e jaca.
A pesquisa martela que o consumo excessivo de carne é perigoso para a saúde e calcula que sua substituição por outras fontes de proteínas representaria uma diminuição de 2,4% do número de mortes ligadas a uma dieta alimentar considerada inadequada, o percentual chegaria a 5% nos países ricos. O trabalho estima que essa substituição será cada vez mais importante, tendo em vista a demanda crescente por carne em mercados emergentes.
O impacto ambiental também seria importante, considerando que a produção de carne bovina era responsável, em 2010, por 25% das emissões de gases de efeito estufa ligadas ao setor de alimentos. Segundo a pesquisa, a produção de carne bovina tem uma intensidade de emissão de 23,9 quilos de CO2 por 200 quilocalorias (kcal), enquanto feijão, insetos, trigo e nozes, por exemplo, emitem apenas 1 quilo ou menos de CO2. Outros produtos como tofu, carne suína, alga e carne de frango produzem de 3 a 6 quilos de CO2.
O trabalho avalia que é insustentável uma produção global de carnes nos níveis projetados de crescimento e para alimentar 10 bilhões de pessoas por volta de 2050. Nesse cenário, estima que o avanço da Quarta Revolução Tecnológica, um tema central em Davos, traz promessas importantes. Aponta, por exemplo, que “foodtech” como a carne moída sintética estarão entre as principais opções nos próximos anos, e sugere para o cardápio também as micoproteínas, sobretudo as derivadas de cogumelos. Lentilhas, algas ou trigo, diz a pesquisa, se transformados podem resultar em bons hambúrgueres vegetais.
Mesmo os insetos, já sugeridos pela FAO, a Agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação, podem ter seu destaque na dieta alimentar mais equilibrada defendida pelo Fórum de Davos. Podem tanto alimentar pessoas como, na forma de farelo, compor rações para animais. A expectativa é que o produto poderá gerar oportunidades de negócios para agricultores tanto da Europa quanto da América do Norte.
O estudo reconhece que, pelos preços atuais, proteínas alternativas mais recentes, incluindo insetos e algas, ainda não são competitivas com a carne produzida em larga escala. As opções mais recentes são caras, mas o preço cairá com o aumento da oferta. Os custos de carne sintética (“cultured meat”), por exemplo, tiveram forte redução nos últimos anos, de centenas de milhares de dólares por quilo para US$ 25,00 hoje. Dessa maneira, afirma o estudo, é possível colaborar com a saúde humana e com o ambiente sem abandonar totalmente o consumo de carnes. Basta aumentar os esforços por uma dieta mais diversificada e melhorar os processos de produção das carnes bovina, suína e de frango.
Outro estudo publicado pelo Fórum de Davos indica que a demanda mundial por carne bovina continuará em alta nas próximas décadas. Estima, por exemplo, que em 2030 a África estará consumindo 125% mais de carne bovina, 60% mais frango, 46% mais leite e 77% mais ovos que em 2010. E não em razão de um “super consumo”, mas em linha com sua prevista explosão demográfica.
Em boa parte da Ásia, de outro lado, o aumento da população começou a se estabilizar, mas a renda aumentou e tornou viável a ampliação da demanda por produtos da pecuária de melhor qualidade. Enquanto o consumo de carnes e pescados na África Subsahariana deverá diminuir 3% até 2027, tende a aumentar 12% na Índia e 13% na China. A demanda no Brasil, que já é considerada elevada, deverá crescer em ritmo bem menor que na Índia e na China.
Para o Fórum Mundial de Economia, um compromisso de governos, indústrias de alimentos e sociedade civil por um menor consumo de carne bovina deve preservar a sobrevivência de milhões de pequenos pecuaristas em torno do mundo. Pelo menos 750 milhões deles sobrevivem com apenas US$ 2,00 por dia no Pacífico e na África.
A iniciativa “Meat: the Future” defende transformações em quatro setores: na indústria de alimentos, que deve elevar investimentos em proteínas alternativas; na pecuária, que precisa adotar modelos de produção mais sustentáveis; na indústria de insumos, para se adequar às mudanças; e na postura dos governos, para estabelecer regulações que apoiem transformações visando a reduzir riscos para a saúde humana.
Em sua passagem por Davos, portanto, o presidente Bolsonaro terá oportunidade de repetir um argumento do ex-ministro da Agricultura Pratini de Morais, que no governo Fernando Henrique Cardoso dizia que as “vacas brasileiras são vegetarianas”, por serem alimentadas a pasto. E não faltará oportunidade para isso. Em 22 de janeiro, primeiro dia do Fórum de Davos, uma das sessões com um bom número de debates previstos será justamente o “Diálogo sobre a Alimentação”.
Valor