A retomada dos estudos técnicos da Ferrogrão levou à movimentação do Processo Administrativo que tramita no TCU. Parado há 2 anos devido à liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Moraes, o procedimento demanda a reanálise das unidades jurisdicionais vinculadas (ANTT e Ministério dos Transportes).
Análise mais detida do processo aponta a uma mesma direção: é necessária a retomada dos estudos técnicos e uma revisão do diagnóstico das condicionantes econômicas, sociais e ambientais que o permeiam, aumentando consideravelmente os 60 dias ofertados à análise do CESAL.
Ao mesmo tempo, uma coisa é certa: o agronegócio brasileiro precisa de apoio ao escoamento de suas produções recordes. E isso precisa estar alinhado às práticas ambientalmente sustentáveis.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção brasileira de grãos atinja a marca de 312.5 milhões de toneladas na safra 2022/2023.
Apenas a soja do Mato Grosso é responsável por 14,40% desse total, segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA). É incontestável a relevância do estado para o agronegócio brasileiro.
Esses números direcionam a problema enfrentado há anos pelo Brasil, que é a dificuldade de escoamento da produção. Atualmente, mais de 70% da safra mato-grossense é escoada pelos portos de Santos/SP e Paranaguá/PR, que se encontram a mais de 2.000 quilômetros da origem produtiva.
Isso demonstra que o sucesso da cadeia de produção de grãos carrega uma externalidade negativa ligada à logística e à distribuição. Desenvolver mecanismos de distribuição de produção mais baratos, rápidos e ambientalmente favoráveis é importante na geopolítica da produção de alimentos, fibras e bioenergia.
Produtores do Arco Norte do Mato Grosso veem suas safras sendo transportadas pela BR-163, rodovia que tem apenas 28% de sua extensão duplicada.
A má condição das vias, o uso de estradas vicinais e o transporte por caminhões dão o tom à perda do volume colhido, encarecimento do produto devido ao frete e aumento do tempo e de tráfego de caminhões na região.
A ausência de outro modal de transporte leva a um encarecimento de 40% do frete. Em 2020, a BR-163 ficou na sexta posição na lista de rodovias com o maior número de acidentes fatais no País.
Esse é o panorama base do debate à construção da EF-170, também conhecida como Ferrogrão. Com mais de 900 quilômetros de extensão, a Ferrogrão visa conectar os estados do Mato Grosso e do Pará, transportando toneladas de produtos que serão escoados por portos da região Norte do País.
O projeto, porém, foi suspenso em 2020, quando apresentada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.553, pelo PSOL, em face da Lei nº 13.452/2017 (originada na Medida Provisória nº 758/2016). A Lei impugnada foi responsável pela demarcação da área do Parque Nacional do Jamanxim.
Contrárias à construção do empreendimento, as principais alegações permeiam a necessidade de lei em sentido formal para supressão de área territorial indígena. Requisito que não seria atendido por Medida Provisória convertida em Lei, devido ao rito de tramitação especial de urgência, insculpido no artigo 62 da Constituição Federal.
O processo foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que entendeu presentes os requisitos necessários à concessão de liminar.
Em 15 de maio de 2021, restou determinada a suspensão da eficácia da Lei nº 13.452/2017 e todos os processos administrativos relacionados, assim, interrompendo a análise e atuação da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e do Tribunal de Contas da União (TCU), responsáveis por analisar a viabilidade – especialmente, socioeconômica e ambiental – da construção da EF-170.
Desde então, surgiram manifestações técnicas dos dois lados, a favor e contra a construção da ferrovia. Do lado do setor produtivo, o reforço à redução da parcela ínfima do território protegido, apenas 0,054%, foi coro presente a que se liberassem os estudos técnicos e as análises administrativas do projeto.
O traçado meramente referencial e a presença inafastável da FUNAI, enquanto ente responsável pela representação dos povos indígenas em todas as etapas do processo de licenciamento, reforçam a inexistência de prejuízos efetivos à continuidade dos estudos técnicos sobre o projeto.
Lembramos: até 2020, segundo informação da FUNAI (Nota Técnica nº 157/2020) não constavam registros de reivindicação fundiária indígena ou estudos de identificação ou delimitação em curso no Parque, de forma às áreas indígenas mais próximas, Praia do Mangue e Praia do Índio, se encontrarem ao norte do Parque Nacional do Jamanxim, respectivamente, a 4 e 7 quilômetros do traçado referencial.
Ao longo da tramitação do processo, diversas entidades requereram seu ingresso na figura de “amicus curiae”. A representação do agro é, hoje, referendada na ADI pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Reconhecendo a importância do modal ferroviário ao escoamento da produção de diversos produtos agrícolas, como milho, soja e açúcar, o Ministro Alexandre de Moraes liberou, em 31 de maio de 2023, a retomada da análise dos estudos e processos administrativos relacionados à Ferrogrão.
Toda e qualquer ação de condão executório resta condicionada à autorização do STF. O processo, agora, passa à análise do Centro de Soluções Alternativas de Litígios (CESAL) do Tribunal.
A decisão dá sinal positivo ao agro, que vê nos novos modais de transporte uma solução para um problema muito antigo de escoamento. O Brasil, hoje, possui malha ferroviária equivalente a apenas 10% da norte-americana, o que leva o modal ferroviário brasileiro a participar de menos de 50% do transporte de grãos nacionais.
Além do impacto direto no agro, a ferrovia tem potencial desenvolvimentista na região, na medida em que deve criar 30.000 empregos diretos devido à sua construção e operação, mobilizando cerca de 300.000 novos empregos na região.
Indicadores
Estudos ainda indicam que a EF-170 será capaz de reduzir R$ 6.1 bilhões em custos de transação, ao que se inserem os benefícios ambientais do empreendimento: apenas um comboio é capaz de transportar a mesma quantidade de grãos que 400 caminhões.
O potencial ganho ambiental da substituição de centenas de motores a combustível fóssil rodando, por pouco mais de uma dezena, é significativo. Segundo a Agência Nacional de Energia, trens utilizam apenas 30% da energia de tonelada/km gerada por caminhões. Com isso, a Ferrogrão deve ser capaz de reduzir 77% da emissão de CO2 hoje emitida.
A implementação da ferrovia, por sua vez, deverá observar a já existente legislação ambiental brasileira, que prescreve a necessária observância ao Licenciamento Ambiental, insculpido na Lei nº 6.938/1981.
Uma vez reconhecida a viabilidade do empreendimento, com a consequente emissão de licença executória, o empreendedor vencedor da licitação será obrigado a apoiar a implantação de manutenção de Unidade de
Conservação do Grupo de Proteção Integral, nos termos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Em que pesem as discussões comuns a um projeto de tamanha envergadura como a Ferrogrão, é objetivo o quanto o incremento da infraestrutura de transporte é reforço para que o agro brasileiro apoie ainda mais o desenvolvimento econômico-social, sem esquecimento do componente ambiental que demonstra e se mostra, nos últimos anos, intimamente vinculado ao setor.
* Bárbara Breda é diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA) e Renato Buranello é presidente do IBDA