Exportador de carne dos EUA mira China

A possível reabertura do cobiçado mercado da China à carne bovina americana, no que parece ser uma tentativa de Pequim de atenuar a tensão resultante do superávit comercial anual de US$ 347 bilhões com os EUA, atende à estratégia do país asiático de diversificar as origens de suas importações sem atrapalhar seu maior fornecedor e parceiro de longa data na área agrícola: o Brasil.

Apesar de EUA e Brasil disputarem a liderança nas exportações globais de carne bovina, os dois países suprem necessidades diferentes do mercado. Os EUA, que também são os maiores importadores de carne bovina do mundo, vendem especialmente cortes gourmet, ao passo que a carne do Brasil é mais usada como ingrediente em pratos prontos e para cozinha industrial.

“Não somos competidores diretos dos EUA”, diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli. Na prática, os americanos concorrem mais com os exportadores de países como Austrália e Uruguai que, em comum com os EUA, têm um rebanho bovino de raças predominantemente europeias.

O gado bovino europeu, em geral, caracteriza-se por apresentar um maior teor de gordura entremeada na carne, mais apreciada para o consumo direto. No Brasil, predomina a raça zebu, que apresenta menos gordura na carne. Também por isso, os exportadores brasileiros vendem mais cortes do dianteiro bovino. No comércio internacional de carne, os brasileiros são vistos como fornecedores de carnes bovina “ingrediente” e “culinária”, enquanto americanos e australianos vendem carne “gourmet”.

De todo modo, os americanos estão animados. Joe Schuele, vice-presidente da Federação Americana de Exportadores de Carnes, disse ao Valor que ainda não tinha detalhes suficientes sobre o entendimento entre os presidentes americano e chinês, mas seu “sentimento é de que a demanda por carne bovina dos EUA será forte na China”.

Para importantes negociadores, é um exagero dizer que o Brasil será o maior prejudicado pela abertura aos Estados Unidos. Até porque, avaliam, no longo prazo a concessão chinesa não vai fazer muita diferença para os brasileiros.

A avaliação é que Pequim fez um gesto para os americanos e vai comprar alguns volumes de carnes deles, mas dificilmente colocará sua segurança alimentar em risco, em um cenário de confrontação crescente com os Estados Unidos. Ou seja, a China não vai querer depender de um só grande fornecedor, caprichoso e instável e sempre pronto a ordenar bloqueios, alijando os demais.

Além disso, do ponto de vista chinês liberar as compras de carne dos EUA, além de um gesto político, é algo que faz sentido, visto que a autossuficiência em carne bovina já não é o objetivo buscado por Pequim há alguns anos. Dada a escassez de água e terras, o país asiático até mesmo admite que terá de ampliar a participação das importações para atender sua demanda por carne.

Em um recente relatório que trata das perspectivas para o mercado de proteínas animais na China até 2020, o banco holandês Rabobank ressaltou a importância da decisão tomada em 2014 pelo Conselho de Estado do país asiático, autorizando mais importações de carne bovina para suprir a oferta. Não à toa, os chineses reabriram seu mercado à carne do Brasil em maio de 2015.

“Esse foi um claro sinal de que o governo aceita ser menos autossuficiente em carne bovina e de que as importações são consideradas um importante canal para complementar a produção doméstica”, apontou o banco holandês. Nesse cenário, a instituição estima que as importações passarão a atender 20% da demanda chinesa por carne bovina em 2020, ante a atual taxa de 15%. Outra tendência apontada é a queda do contrabando de carne. As importações serão cada vez mais diretas, e não trianguladas por mercados como Hong Kong (ver projeções acima).

Devido à maior dependência que a China terá da importação, é possível que empresas do país asiático adquiram frigoríficos brasileiros, afirmou em recente entrevista a analista do Rabobank baseada em Hong Kong, Chenjun Pan. Os chineses já adquiriram empresas de carne bovina no Uruguai e na Argentina.

Dois executivos de empresas exportadoras de carne bovina do Brasil, ouvidos pelo Valor observam, contudo, que os investidores chineses interessados em frigoríficos brasileiros esbarraram em dois problemas: as empresas que toparam negociar eram pequenas demais para as ambições chinesas e, do outro lado, os frigoríficos de grande porte, Marfrig e Minerva, não estão dispostos a vender uma fatia controladora. “Mas se eles [os chineses] decidirem comprar uma fatia minoritária, aí vão chover interessados”, disse uma fonte.

 

Fonte: Valor

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