Exportação agrícola dos ricos vai perder subsídios

A proibição imediata de subsídios à exportação de produtos agrícolas pelos países desenvolvidos, 58 anos depois do que ocorreu com produtos industriais, foi o principal ganho do acordo agrícola que salvou a Organização Mundial do Comércio (OMC) de nova crise, em meio a persistentes divergências entre os países.

O que foi acertado no sábado à noite está longe de ter o impacto econômico de corte de subsídios à produção e redução tarifária, que sequer entraram nas negociações em Nairóbi. Mas não é negligenciável, ao eliminar a possibilidade de os países poderem conceder US$ 12.5 bilhões dessa ajuda a seus exportadores, que é valor que poderiam usar se quisessem, pelo acordo que vigora na OMC.

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Também num cenário de queda de preços de commodities, o acordo chega no momento certo, para evitar que países ricos usem seus recursos para turbinar seus exportadores, acham certos negociadores. O acordo foi negociado quase sem interrupção entre a sexta-feira e o sábado pelo chamado G-5 – EUA, União Europeia (UE), Brasil, China e Índia. Foi uma situação meio humilhante para dezenas de ministros, que aguardavam irritados nos corredores. Mas o impasse era total, e foi a maneira encontrada para evitar novo fiasco.

O Brasil foi crucial para superar outros impasses que surgiram no sábado, conforme diferentes participantes. Na verdade, o acordo só foi possível pela teimosia do Brasil em arrancar algo na parte agrícola na conferência de Nairóbi, quando o pessimismo era geral. Como um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, é o único grande emergente que consegue fazer pressão sem se dobrar depois, na agricultura. E a manobra diplomática em Genebra, pela qual se livrou das amarras do G-20 e de protecionistas como Índia e China, permitiu a aliança com a UE, que surpreendeu muita gente.

O resultado é que o que o Brasil não conseguiu em Bali (Indonésia) há dois anos com o G-20, obteve agora em parceria com a UE, Argentina, Uruguai e Paraguai.

“A proposta do Brasil e da UE sobre competição nas exportações sem dúvida ajudou a impulsionar um acordo aqui”, declarou a Comissária Europeia do Comércio, Cecilia Malmström.

A delegação brasileira, tendo como principais negociadores o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey, e o embaixador em Genebra, Marcos Galvão, em certo momento na madrugada de sexta-feira para sábado ameaçou se retirar da negociação.

Foi quando surgiu uma tentativa de limitar o pacote a medidas aguadas de disciplinas para garantia de crédito à exportação. Para o Brasil, era um contra-senso deixar de novo de fora a eliminação dos subsídios à exportação.

O ambiente foi muito tenso e muito polarizado nas negociações, entre Índia e EUA e um pouco entre China e EUA.

Também houve fricções tópicas entre Brasil e Índia. A ministra indiana do Comércio causou problemas com todo mundo. Em certo momento, chegou a haver até guerra pelo Twitter, com a Índia sendo acusada de bloquear as negociações. A ministra teve que responder e twittar negando. Mais tarde, os indianos reagiram acusando os EUA pelo impasse.

“Conseguimos disciplinas sobre subsídios à exportação, que são a forma mais distorcida de subsídios que existe. Isso coloca os produtos agrícolas em pé de igualdade com os industriais”, disse Cozendey. Ou seja, países desenvolvidos, que são mais ricos e têm mais oportunidades de dar subsídios, ganhavam a competição de produtos agrícolas pelo dinheiro e não sempre pela produtividade.

Para o especialista Pedro de Camargo Neto, o resultado é um avanço, porém mínimo: “Os subsídios à exportação de algodão, soja, milho, que prejudicam o Brasil, continuarão. Mesmo que sejam chamados de subsídios domésticos, turbinam a exportação”.

Para o embaixador Marcos Galvão, o Brasil é um dos beneficiados também com outras regras que atacam subsídios disfarçados. “Pela primeira serão introduzidas no sistema multilateral regras de disciplinamento de garantias de crédito e seguro das exportações agrícolas”, exemplifica.

A Índia, que provocou grande impasse durante toda a negociação, acabou conseguindo apenas a promessa de que será negociada uma salvaguarda pela qual poderia elevar tarifas em caso de súbito aumento de importações agrícolas. E até 2017 será buscada uma solução para seus estoques de alimentos públicos por razões de segurança alimentar.

O surpreendente em Nairóbi foi a ausência tanto do Ministério da Agricultura como do agronegócio brasileiro. Para se ter uma ideia, até a associação de produtores de ovos do Canadá estava presente, acompanhando uma negociação que pode ter impacto em seus negócios.

 

Fonte: Valor Econômico

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