Em face da redução do protagonismo do Brasil no comércio global de açúcar e do endividamento excessivo de alguns dos principais grupos sucroalcooleiros do país, a capacidade industrial do setor poder sofrer um “enxugamento” no médio prazo, segundo usineiros, executivos e analistas.
Embora existam oportunidades de longo prazo para os grupos em melhor situação financeira, o RenovaBio deve estimular a produção de etanol, as usinas do Centro-Sul enfrentam a concorrência do açúcar asiático e podem ter um crescimento limitado em etanol de cana devido à ascensão do etanol de milho na região Centro-Oeste.
A dificuldade atual é a sobre oferta de açúcar no mundo. Mesmo que se confirmem as estimativas de déficit na safra global 2019/20, que começa em outubro, os estoques estão mais folgados após dois ciclos que acumularam um excedente de 11 milhões de toneladas. Pelas últimas estimativas da Organização Internacional do Açúcar (OIA), os estoques finais da atual safra baterão o recorde de 94 milhões de toneladas, suficientes para seis meses de consumo.
A sobre oferta de açúcar decorre em grande parte dos subsídios indianos, que tiraram o Brasil da liderança da produção e estão sendo questionados na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mesmo a liderança brasileira em exportações vem caindo. Pelas últimas estimativas da OIA, Índia e Tailândia representarão 28% das exportações de açúcar na temporada 2018/19, contra 31% do Brasil. Duas safras atrás, essas participações eram de 14% e 45%, respectivamente.
Não bastasse o estoque abundante, importantes grupos do setor sofrem com a estrutura da capital inadequada, em parte fruto dos agressivos investimentos feitos na década passada. Parte dessa crise também está associada ainda ao congelamento dos preços da gasolina no governo Dilma Rousseff, que prejudicou a rentabilidade do etanol.
“O setor saiu de 200 milhões de toneladas de capacidade em 2000 para 600 milhões de toneladas, foi para áreas que não tinham a mesma eficiência das áreas originais e o custo marginal foi crescendo, acreditando-se que a receita marginal seria igualmente recompensadora. Agora, a indústria tem que tirar os players menos eficientes para voltar a crescer”, disse o analista Thiago Duarte, do BTG Pactual, em apresentação feita em evento em São Paulo.
No setor, a perspectiva de que mais usinas vão fechar as portas foi reavivada neste ano pelos pedidos de recuperação judicial dos grupos Santa Terezinha e Atvos, braço sucroalcooleiro da Odebrecht. Segundo levantamento da consultoria RPA, atualmente 90 unidades do setor estão submetidas à recuperação judicial. Dois anos atrás, eram 52. Também há mais unidades paradas: 101, contra 97 um ano atrás.
Para empresários e executivos ouvidos pelo Valor, mais pedidos de proteção contra credores podem surgir, sobretudo de grupos menores, dificultando a situação de quem há tempos pendurou a placa de “vende-se” à porta, mesmo sem estar protegido de credores.
A Santa Terezinha está operando em sete de suas nove unidades e ainda não apresentou seu plano de recuperação. Para um usineiro paulista, que preferiu não ser identificado, a companhia tem unidades com pouca escala e custo elevado que dificilmente atrairão um comprador. O grupo paranaense pediu proteção judicial em março.
A Atvos, que está operando em oito de nove usinas, deve apresentar um plano até o fim do mês. Segundo apurou o Valor, cogita manter os ativos. Um executivo de uma grande companhia, que pediu anonimato, acha difícil que a Atvos conseguir vender usinas na “última fronteira” da cana, o Centro-Oeste. Procurados, os dois grupos não quiseram comentar.
Os grupos que entraram em recuperação judicial não são os únicos em dificuldades. A Biosev, controlada pela multinacional francesa Louis Dreyfus Company (LDC), já vendeu duas usinas e mantém fechada uma das nove com que ficou. Para uma fonte que acompanha a empresa, se ela não vender nenhuma usina, terá que fechar plantas ou fizer novo aumento do capital.
Procurada, a Biosev disse que “não há nenhuma negociação de venda de unidades em andamento ou plano para fechamento de usinas” e que, “em caso de alguma alteração neste cenário, o mercado será devidamente informado”.
A americana Bunge é outra que sinaliza o interesse em sair ou reduzir sua presença no setor de açúcar e etanol no Brasil. No ano passado, tentou fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3, mas acabou desistindo diante da falta de interesse. Bancos seguem buscando alternativas para a Bunge. Na semana passada, a agência Bloomberg informou sobre negociações para uma possível fusão com a área sucroalcooleira da britânica BP. Procurada, a Bunge informou não comentar rumores.
Apesar dos desafios de curto prazo, os grupos em melhor situação financeira vão poder se aproveitar de uma reversão no cenário de preços do açúcar – neste ano, a commodity subiu 10%. “Mas mesmo que suba mais, é preciso ter crédito para aproveitar, e poucas usinas têm”, disse um usineiro de Ribeirão Preto. Para o diretor de agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes, há um grupo de 47 empresas que não teriam problemas de se endividar e ampliar a capacidade de moagem.
Na avaliação de Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (UNICA), o momento de fechamento de usinas já terminou. “O que acontece agora é uma mudança na área agrícola. Canaviais de usinas que fecham passam a outras empresas”. Quem já fechou as os portas, no entanto, dificilmente voltará a operar, avaliou. “Se 20% voltar já é muito”, disse Padua.
Fonte: Valor