Os debates sobre a transgenia no agronegócio voltam a chamar a atenção da sociedade. Dessa vez o assunto é o eucalipto transgênico. De um lado, as cadeias que envolvem o setor de árvores plantadas e a FuturaGene/Suzano Papel e Celulose, primeira empresa brasileira privada a submeter um pedido de liberação comercial de uma planta geneticamente modificada no País, que garantem que a tecnologia trará benefícios econômicos e sociais para o Brasil. Do outro, ONGs, movimentos sociais e associações de produtores que chamam a atenção para os riscos que a apicultura poderá enfrentar.
Em análise pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) desde janeiro de 2014 que, desde então, sob a ótica da biossegurança, foi iniciada uma profunda avaliação, através de um conselho multidisciplinar formado por vários participantes da sociedade, como cientistas, academia, empresas e organizações não governamentais. No último dia 4 de setembro, a CTNBio realizou uma audiência pública para discutir com a sociedade a segurança e os potenciais benefícios da liberação desta tecnologia.
A diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), Adriana Brondani, enxerga a possibilidade de aprovação do produto como uma oportunidade. “O Brasil possui uma legislação moderna, um processo de análise de biossegurança rígido e centros de pesquisa de excelência. Temos todas as ferramentas para nos tornamos referência na área de biotecnologia.”
PRODUTIVIDADE
Segundo o CIB, a árvore GM que está sendo avaliada pelos especialistas da CTNBio apresenta aproximadamente 20% de aumento de produtividade em comparação com as variedades convencionais e pode aumentar a produtividade de madeira de 30% a 40% para uso em outras aplicações, como em bioenergia, por exemplo. A introdução de um novo gene, proveniente da Arabidopsis thaliana, planta-modelo muito usada em experimentos genéticos, reduziu de sete para cinco anos e meio o período entre plantio e colheita e aumentou o diâmetro do tronco e a altura da árvore. O gene inserido no eucalipto codifica uma das enzimas específicas que participam da formação química da celulose, a endoglucanase.
Eugênio Ulian, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da FuturaGene, defende o eucalipto transgênico sob o argumento de que, como a população mundial está prevista para crescer dos atuais sete bilhões para mais de oito bilhões até 2030, a necessidade por recursos essenciais aumentará significativamente. “A demanda por madeira, por exemplo, aumentará em 60% neste período. Para atender às exigências globais de forma sustentável, é necessário criar soluções tecnológicas que possibilitem produzir mais com menos recursos”, diz.
Para ele, um dos principais desafios de longo prazo da economia brasileira é ampliar a produtividade de seus recursos de produção e o aumento dos custos reais tira a competitividade da economia nacional, impedindo o Brasil de crescer. “O eucalipto geneticamente modificado com maior produtividade, desenvolvido pela empresa, possibilita produzir mais madeira usando menos recursos, sendo, portanto, uma solução viável para atender à crescente demanda por produtos provenientes da fibra de forma sustentável. Os ganhos que um produto como esse pode oferecer vêm ao encontro da necessidade global de se produzir mais com menos, especialmente considerando que os recursos naturais estão cada vez mais escassos.”
RISCOS
De acordo com matéria publicada no portal Em Pratos Limpos, durante a audiência pública, o Greepeace sustentou que árvores vivem por muito mais tempo e fazem parte de cadeias alimentares naturais e de ecossistemas complexos e, portanto, representam ameaças ambientais de longo prazo para ecossistemas ricos em biodiversidade – ameaças que podem ser difíceis (ou até mesmo impossíveis) de se prever e avaliar. O escape de pólen ou semente de árvores de eucalipto geneticamente modificadas pode colocar em risco a vida natural.
Já o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário alertou que os estudos realizados para avaliar os efeitos do eucalipto nas abelhas e na produção de mel são insatisfatórios, pois levaram em conta apenas cinco colmeias de uma única localidade. Cerca de 25% do mel produzido no Brasil vem do eucalipto, e a pesquisa apresentada pela FuturaGene / Suzano não avalia os aspectos nutricionais do mel produzido a partir de pólen transgênico, tampouco sua toxicidade ou alergenicidade.
A Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (ABEMEL) demonstrou preocupação com a possível liberação sob o argumento de que, com base nos estudos apresentados, não é possível dizer que o mel produzido a partir destes eucaliptos é seguro para consumo. O Brasil é o quinto país com maior exportação de produtos apícolas do mundo, com o total próximo a US$ 100 milhões por ano. Estudo da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) mostra que, por ano, são comercializados US$ 17 bilhões destes produtos em países asiáticos, europeus e norte-americanos.
DEFESA
Eugênio Ulian, da FuturaGen, explica que cientistas acompanham as plantações experimentais da planta transgênica nos estados de São Paulo, Bahia e Piauí desde 2006. Estudos de biossegurança indicam que o novo eucalipto não causa impactos ao meio-ambiente e a outros vegetais quando comparado com a planta convencional. Ele cita um estudo elaborado pela consultoria PöyrySilviconsult, denominado “Estudo Econômico e Socioambiental da Aplicação de Biotecnologia em Plantios Florestais”, que apresenta os diversos benefícios do eucalipto geneticamente modificado com aumento de produtividade nos aspectos socioambiental e econômico.
As principais vantagens na esfera econômica, diz ele, “serão a geração de empregos diretos e indiretos, o aumento da riqueza, da arrecadação de impostos e da competitividade do setor florestal brasileiro para que a indústria nacional possa consolidar a liderança na produção mundial de eucalipto. No aspecto social, os reflexos estarão na fixação de pequenos produtores no campo. A projeção da consultoria revela que até 975 mil famílias poderão ser fixadas no campo e a renda desses produtores rurais aumentaria em até 30%”.
Com relação ao ponto de vista ambiental, Ulian afirma que a tecnologia desenvolvida pela FuturaGene oferece diversos benefícios. “Com o aumento de produtividade será possível obter o mesmo volume de madeira usando menor área e reduzir o transporte, já que as distâncias entre o campo e as fábricas poderão ser menores. Se considerada a área atual, poderá haver estocagem de 1,4 bilhão de toneladas de CO2. Além disso, o aumento da produtividade em plantios renováveis e sustentáveis poderá reduzir a pressão para a extração de madeira das florestas nativas.”
E acrescenta: “Números apontam que o setor florestal brasileiro é o responsável por 3,5% do PIB, US$ 4,8 bilhões em impostos e US$ 6,1 bilhões em exportações. Para movimentar esse segmento, o setor emprega, direta e indiretamente, 4,6 milhões de pessoas, quase 5% da população economicamente ativa do Brasil. Neste cenário, a tecnologia – neste caso, a biotecnologia – pode contribuir ainda mais para que o Brasil se mantenha na posição de liderança na produção mundial de eucalipto”.
INDÚSTRIA
A presidente executiva da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Elizabeth Carvalhaes, declarou que a entidade está acompanhando de perto as discussões sobre o plantio de eucalipto geneticamente modificado. “Trata-se de um marco histórico, pois é a primeira vez que uma empresa brasileira submete um produto transgênico para aprovação. No Brasil, essa regulamentação é bastante sólida e robusta e exige análises diversas, que envolvem desde o risco ao ambiente até questões de saúde humana.”
Em sua opinião, o Brasil é hoje referência mundial de árvores plantadas, por possuir o melhor clone de eucalipto, garantindo assim melhor produtividade da madeira. Para ela, o melhoramento genético convencional tem contribuído para esses ganhos de produtividade, mas as empresas têm realizado altos investimentos em pesquisa para ir além.
“Entendemos que a liberação do plantio de eucalipto geneticamente modificado para fins industriais é um importante passo que beneficiará todo o setor, pois a área de plantio deverá crescer e a produtividade da madeira deverá aumentar em ritmo ainda maior, sendo responsável pelo salto da atividade dessa indústria. Além disso, o setor deverá se manter vanguardista em tecnologia, desenvolvimento de silvicultura, de melhoramento genético e de transgenia. Queremos ampliar e aprofundar as discussões sobre transgenia arbórea em fóruns nacionais e internacionais, de forma transparente e engajando a sociedade civil nesse processo”, acentua.
“A cadeia de florestas plantadas no Brasil tem a determinação de dobrar a base cultivada em 10 ou 12 anos. A meta é atingir 14 milhões de hectares para absorver novos produtos”, exemplifica a presidente executiva da Ibá, acrescentando que “a cadeia tem forte interesse no avanço das pesquisas em biotecnologia como meio de aumentar a produtividade. Temos que aprofundar ainda mais as pesquisas em genética. Entre os produtos projetados para os próximos anos está o etanol celulósico. Vai ser uma realidade em algum momento”.
DEMOCRACIA
“A presença de opiniões divergentes na CTNBio atesta a democracia que orienta suas decisões, revelando que ela contempla o contraditório em sua composição e promove discussões de alto nível técnico para emitir seus pareceres”, afirma Adriana Brondani, do CIB, para quem “os especialistas que compõem a comissão conhecem profundamente o funcionamento dos genes, a síntese de proteínas por eles codificadas e outros aspectos técnico-científicos. O processo envolve altos níveis de sofisticação e detalhamento. Para cada novo pedido de aprovação comercial, a exemplo do eucalipto, são feitas análises toxicológicas, alergênicas, nutricionais e ambientais de curto, médio e longo prazos. Além disso, eles passam por subcomissões dentro da CTNBio que avaliam a biossegurança e os possíveis impactos sobre a saúde humana, animal e meio ambiente”.
Ela explica que o processo de análise pode lavar muitos meses, “mas não é entendido como uma dificuldade. Trata-se do tempo necessário para que todas as discussões sejam feitas e para que a biossegurança do novo OGM seja garantida. É por todas essas características que o sistema regulatório brasileiro é reconhecido internacionalmente como um dos mais rígidos e estáveis”.
Com relação às perspectivas da transgenia no agro brasileiro, Adriana Brandani acredita que as tendências, no curto prazo, deverão estar ligadas à sequência de estudos s às variedades já disponíveis (soja, milho, algodão, canola, entre outros) com o objetivo de desnvolver plantas com resistências a outros insetos, tolerância a outros herbicidas e combinar diversas dessas características visando uma semente cada vez mais protegida. Segundo ela, “a modificação genética de outras variedades, a exemplo da berinjela em Bangladesh e do eucalipto no Brasil, também já é uma realidade. Além disso, outros países estão em fases avançadas dos estudos com árvores transgênicas. Por exemplo: em junho de 2014, foram iniciados na China testes com álamo geneticamente modificado”.
No médio prazo, destaca, “já é possível pensar na modificação genética de outras variedades (a exemplo da cana-de-açúcar, cítricos, trigo, arroz) com características agronômicas e também resistência a estresses abióticos (como tolerância a seca e resistência a solos com alto teor de salinidade). Para o futuro, ainda há a perspectiva de desenvolvimento de plantas com teor nutricional aumentado e que produzam substâncias com diferentes usos”.
Por equipe SNA/SP