Etanol de milho: um caminho sem volta em Mato Grosso e no Brasil

A transformação de milho em etanol já é considerada um caminho sem volta em Mato Grosso e no Brasil. Com uma tonelada do cereal, além de se produzir 430 litros de etanol, são retirados dali 15 litros de óleo de milho e 550 quilos de DDG (farelo) destinados para a ração animal na pecuária, e ainda energia elétrica. A agregação de valor é grande e, segundo especialistas, impulsiona cadeias produtivas como a de eucalipto e a pecuária.

Hoje, em Mato Grosso, três usinas de etanol flex produzem etanol a partir da cana-de-açúcar e do milho, além de uma usina full que produz o biocombustível 100% através do milho. O estado conta ainda com outros projetos na área que deverão movimentar toda uma cadeia produtiva.

Em setembro de 2017, produtores de milho, indústria e desenvolvedores de biotecnologia se uniram e criaram em Mato Grosso a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), dando assim um pontapé para o fortalecimento da produção do biocombustível não somente no estado, mas em todo o país.

A Unem é comandada pelo ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Ricardo Tomczyk.

A produção de etanol de milho em Mato Grosso já é uma realidade, tanto que das 11 usinas produtoras do biocombustível no estado, uma fabrica o produto utilizando apenas o cereal e outras três são flex.

Hoje, em Mato Grosso, produzindo etanol utilizando o milho, há a FS Bioenergia inaugurada em agosto em Lucas do Rio Verde e que já passa por processo de ampliação da capacidade de produção, além das usinas flex Usimat (Campos de Júlio), Porto Seguro (Jaciara) e Libra (São José do Rio Claro).

Em entrevista ao Mato Grosso Agro, o presidente da Unem destaca que o etanol tem ganhado competitividade de mercado frente à gasolina, em especial por não haver mais intervenção do governo federal no preço do derivado do petróleo. Hoje, o valor é reajustado diariamente pela Petrobras em sua nova política de preço, conforme a cotação do barril do petróleo, principalmente.

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2017 foram comercializados em Mato Grosso 674.4 milhões de litros de etanol hidratado – 12,4% a mais que os 599.9 milhões de litros vendidos em 2016. Quanto à gasolina, os postos mato-grossenses venderam 623.8 milhões de litros – 1,2% a mais que os 616.5 milhões de litros do ano anterior.

A produção de etanol de milho em Mato Grosso, por meio das usinas flex, começou em 2012 e somente em agosto de 2017 foi inaugurada no estado e no país a primeira usina full, ou seja, que produz etanol somente de milho. Na avaliação de Ricardo Tomczyk, a chegada de usinas full tem tudo haver com o cenário de demanda do etanol.

Segundo Tomczyk, hoje o principal gargalo da produção de etanol de milho em Mato Grosso é a logística. “Mato Grosso já produz excedente de etanol. É pequeno esse excedente, mas com a instalação dessas indústrias e a aceleração desse processo, a gente acredita que nos próximos cinco anos nós devemos acrescentar ao que já se produz entre três e quatro bilhões de litros de etanol”.

Confira a seguir, na integra, a entrevista sobre a produção de etanol de milho com o presidente da Unem, Ricardo Tomczyk.

Mato Grosso Agro – O que é a UNEM, qual seu objetivo e quem faz parte dela?

Ricardo Tomczyk – A Unem é a União Nacional do Etanol de Milho, uma associação de caráter nacional que representa a cadeia produtiva do etanol de milho e de cereais. Não se restringe unicamente a milho. A Unem têm três classes de associados. Os associados industriais, que são as indústrias de produção de etanol e DDG, tanto usinas flex quanto usinas full. A segunda classe são os associados parceiros que são as empresas que fornecem insumos, tecnologia, equipamentos, projetos, ou seja, todas as empresas que são vinculadas de alguma forma à cadeia podem ser associar. E a terceira classe são os associados institucionais, que aí envolvem as entidades de classes que representam os demais elos dessa cadeia, por exemplo, a Aprosoja, a Acrimat, a Acrismat, Arefloresta, Aprosmat. Então, basicamente é uma associação da cadeia produtora, não só da indústria.

Mato Grosso Agro – Mato Grosso desde 2012 opera com usina flex, ou seja, produz etanol de cana-de-açúcar e milho. Por que somente agora estamos tendo uma usina que produz 100% de etanol proveniente do milho?

Ricardo Tomczyk – Acho que tem tudo haver com o cenário de demanda do etanol. As usinas flex foram as primeiras a conhecer essa tecnologia, adaptar essa tecnologia à realidade brasileira. Tiveram muito sucesso nesse empreendimento. Hoje, temos três usinas em Mato Grosso operando há algum tempo com o milho em paralelo a cana. Nós temos mais duas usinas – uma em implantação e a outra que anunciou um grande investimento em Goiás. Elas vão utilizar a linha flex e eu acredito que para as usinas de cana, pelo menos aqui em Mato Grosso e em grande parte do Centro-Oeste, é um caminho sem volta, uma vez que existe uma sinergia muito interessante entre as duas linhas de produção, visto que a biomassa que gera a energia já está disponível com o bagaço da cana nas usinas flex.

Então, acredito que pelo menos em Mato Grosso e grande parte do Centro-Oeste todas as usinas vão optar por esse modelo. As usinas full estão começando agora. Temos uma primeira já em funcionamento e temos mais quatro projetos bastante sólidos. Um deles é a Inpasa, o outro a Alcooad Indústria de Etanol Ltda., o outro é a própria FS Bioenergia, aumentando a capacidade e já projetando uma nova planta, e temos um projeto do grupo do Otaviano Pivetta em Nova Mutum. Então, temos quatro projetos novos de usinas dedicadas ao etanol de milho e que criaram um ambiente muito interessante com esse cenário de aumento rápido e firme da demanda de biocombustíveis, principalmente etanol, para os próximos dez anos.

Com o descolamento do preço da gasolina, que hoje reflete o preço de mercado, o etanol ganhou muita competitividade, e como na nossa frota a maioria dos veículos já são flex, há uma perspectiva com o retorno do crescimento da economia, com a não intervenção do governo no preço da gasolina e também com a edição do Renovabio, que é um programa de incentivo aos biocombustíveis para cumprimento das metas ambientais assumidos na COP21. Então, existe um cenário muito promissor. Estimamos que, no mínimo, vamos dobrar o consumo de etanol aqui no mercado interno nos próximos dez anos. Vai ter espaço muito grande para as usinas de milho.

Mato Grosso Agro – O etanol de milho no Brasil então já é uma realidade. Ele pode superar a produção dos Estados Unidos?

Ricardo Tomczyk – Isso está muito longe para ser planejado, eu acredito. Os Estados Unidos são hoje o maior produtor mundial de etanol, produz cerca de 50 bilhões de litros. É praticamente o dobro da produção brasileira. Nós devemos produzir 50 bilhões de litros também, mas daqui uns anos.

Mato Grosso Agro – Hoje, quanto o Brasil produz de etanol?

Ricardo Tomczyk – Em torno de 27 a 28 bilhões de litros, somando cana e milho. Mas o milho hoje é 400 milhões de litros. É uma parcela praticamente insignificante. Acontece que, dessa parcela nova de demanda que vai aparecer, o milho vai ter um grande destaque. Primeiro porque nós não temos canaviais à disposição para aumentar a produção de etanol de maneira rápida atendendo essa demanda e o milho sim, esse existe à disposição com um excedente bastante grande que hoje é exportado e facilmente pode se tornar combustível. O investimento, portanto, numa usina de etanol de milho, é muito menor do que numa usina de cana, e a possibilidade da junção das duas plantas, de cana com milho, que dá uma competitividade muito interessante, com certeza vai direcionar parte, talvez maior parte, dessa nova demanda para o etanol de milho.

Mato Grosso Agro – Falávamos da questão das usinas full. Tais usinas são viáveis ou a viabilidade é maior se ela for flex?

Ricardo Tomczyk – Aqui em Mato Grosso a viabilidade maior é se a usina for flex, porque o custo da biomassa é bastante reduzido nesses projetos. Porém, isso é possível nas usinas que já existem. Muito difícil você começar uma usina de cana do zero, até porque você precisa ter a terra, plantar a cana, demorar no mínimo quatro anos para essa cana ser comercialmente explorada. Daí que surgiu essa oportunidade de mercado das usinas full, porque o tempo de instalação é o tempo de construção da usina, pois a matéria-prima já existe, está disponível e é abundante. As usinas fulltem sim uma viabilidade extremamente interessante, mas só perde para as usinas flex.

Mato Grosso Agro – Mas essa viabilidade se perde em termos de valores para a construção dela ou de matéria?

Ricardo Tomczyk – Não. É, principalmente, o custo da energia. A usina flex tem energia disponível com o bagaço da cana. A usina full precisa comprar, de alguma forma adquirir a biomassa, que normalmente é o eucalipto. Então, a full tem um custo adicional, mas isso não chega nem de perto a inviabilizar um projeto. Hoje, nós temos estudos, inclusive do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), que indicam uma viabilidade do milho bem acima de R$ 30,00 a saca para as usinas full. É um projeto realmente muito interessante, principalmente, nesse cenário de forte demanda para os próximos anos.

Mato Grosso Agro – Sem contar que a Arefloresta está com um projeto para a produção de eucalipto.

Ricardo Tomczyk – Sim. A Unem junto à Arefloresta e com o governo do estado está trabalhando já em um grande programa de incentivo à produção de eucalipto voltado para as usinas. Produzir biomassa para gerar energia onde existe demanda.

Mato Grosso Agro – Para o produtor rural, a produção de etanol de milho, no caso em Mato Grosso, que é o maior produtor do cereal de segunda safra, é uma alternativa em meio aos preços baixos pagos pela saca?

Ricardo Tomczyk – Eu acredito que é uma alternativa, mas obviamente que o preço do milho é o preço da oferta e da demanda. Quando nós tivermos uma demanda grande de milho para etanol, talvez ele influencie diretamente no preço. O que acontece é que quando se tem um excedente, qualquer demanda que apareça é interessante para ajudar pelo menos a não cair mais os preços. Todo milho que vira etanol alivia a logística, por exemplo. É milho que não precisa ser transportado para o porto, então, alivia as estradas, barateia o frete por diminuir a demanda, o que influencia a agricultura como um todo, gera empregos e desenvolvimento aqui na região e gera arrecadação para o estado, ao passo que o milho que é exportado pressiona a infraestrutura, não gera esse emprego na cadeia industrial e não arrecada nada para o estado. Então, não existe como não ser positiva uma iniciativa dessa natureza.

Mato Grosso Agro – Acredita que o Renovabio irá gerar uma grande demanda pelo etanol e milho?

Ricardo Tomczyk – Sem dúvidas. Nós temos já um cenário de demanda consistente e que vai ser fortalecido com o Renovabio. Nós estamos em fase de regulamentação. É uma fase crítica, mas existe um empenho tanto do setor público quanto do setor privado para que as coisas sejam bem encaminhadas, e com certeza o apoio do Renovabio vai dar sim um acréscimo importante de competitividade que vai estimular muitos investimentos, principalmente no setor, tanto com recursos nacionais quanto internacionais.

Mato Grosso Agro – Se hoje temos uma segurança de que não faltará o etanol, como já tivemos certa insegurança quanto ao hidratado alguns anos atrás no estado, pois se estará produzindo o etanol durante os 12 meses, ou seja, não há mais entressafra. Por que ainda o consumidor está pagando caro?

Ricardo Tomczyk – Aí é um problema de distribuição. Apesar de que o etanol de Mato Grosso é o mais barato do Brasil. Cuiabá é a cidade do Brasil que tem o etanol mais barato também, e é o estado que, de forma proporcional, mais consome etanol. Mas ainda existe espaço para aumentar o consumo. Então, o que existe é uma distorção durante a distribuição. É mais vantajoso para a distribuidora vender a gasolina do que vender o etanol. A gente precisa entender um pouco melhor como melhorar essa situação. Agora, com essa desvinculação dos preços da gasolina da tabela de governo, automaticamente o etanol vem ganhando competitividade e já tivemos um aumento de consumo bastante significante no ano de 2017.

Mato Grosso Agro – Você acredita que, com o aumento da industrialização do milho aqui, no caso de Mato Grosso, a produção pode ultrapassar a de soja? Na safra 2016/2017 já percebemos que as duas culturas foram páreo a páreo na produção, uma vez que foram colhidas 31.2 milhões de toneladas de soja e 30.4 milhões de toneladas de milho.

Ricardo Tomczyk – Acredito que sim. Acredito que estamos bem perto disso acontecer, e no futuro, certamente, nós vamos produzir mais milho em volume do que soja, porque se produz mais por hectare e, havendo a instalação dessas indústrias em pontos onde a logística é mais precária ou onde a distância é maior, em especial no médio-norte e no norte do estado, onde o custo logístico é elevado, a tendência é estimular ainda mais o aumento da produção nessas regiões. Nos próximos cinco ou seis anos devemos estar consumindo perto de dez milhões de toneladas de milho para a produção de etanol.

Mato Grosso Agro – Com uma tonelada de milho a gente pode produzir o quê e quanto de cada produto?

Ricardo Tomczyk – Em torno de 430 litros de etanol. Dependendo da tecnologia que se usa e da eficiência, cerca de 550 quilos de DDG (farelo) e aproximadamente 15 litros de óleo de milho.

Mato Grosso Agro – Então, em uma única indústria eu posso produzir o etanol, o DDG que vai para ração e o óleo de milho.

Ricardo Tomczyk – E ainda a co-geração de energia. Uma indústria full produz no mínimo quatro produtos: energia elétrica, DDG, óleo de milho e etanol.

Mato Grosso Agro – A produção de carne com esse aumento da industrialização irá se beneficiar no caso com o DDG? Podemos ter aumento de produção da proteína animal?

Ricardo Tomczyk – Sem dúvidas. É um caminho sem volta também. Com a disponibilização do DDG, que é bastante acessível e de manuseio muito fácil, com certeza a reação da cadeia da pecuária vai ser muito rápida, principalmente nos confinamentos, semi-confinamentos e na pecuária leiteira. Sem falar que hoje existem produtos que são próprios para a suinocultura, avicultura e piscicultura. Então, toda a cadeia de carne vai se beneficiar bastante dessa nova proteína que está colocada à disposição.

Mato Grosso Agro – Voltando aos projetos de implantação das usinas, além da FS Bioenergia, em Lucas do Rio Verde, e da Inpasa, em Sinop, temos outros projetos para o estado?

Ricardo Tomczyk – A Alcooad Indústria de Etanol Ltda. é um grupo de Tangará da Serra que deve instalar a indústria em Nova Marilândia, na região de Deciolândia. A FS Bioenergia está com um projeto de expansão, não só da usina em Lucas do Rio Verde, mas com a construção de outra fábrica. E há o grupo Otaviano Pivetta, que está trabalhando em um projeto para implantar uma fábrica em Nova Mutum. Além disso, a Coprodia já está iniciando a construção da flex que vai se chamar Etamil, já com licença ambiental aprovada. A Usina Itamarati em Nova Olímpia já tem aprovação do seu conselho para fazer um investimento de usina flex. As demais usinas, como a Barralcool, já estão estudando também a possibilidade de optar por essa alternativa.

Mato Grosso Agro – A logística é um gargalo?

Ricardo Tomczyk – Hoje, é o principal gargalo. Mato Grosso já produz excedente de etanol. É pequeno esse excedente, mas com a instalação dessas indústrias e a aceleração desse processo, a gente acredita que nos próximos cinco anos nós devemos acrescentar ao que já se produz, entre três e quatro bilhões de litros de etanol. Hoje, produzimos 1.3 bilhão de litros, sendo em torno de 400 milhões de litros. Isso tudo entre hidratado e anidro. A gente já está precisando exportar para outros estados em torno de 100 a 200 milhões de litros. Mas isso ainda não é um problema. Porém, em breve, com mais três a quatro bilhões de litros sendo produzidos aqui, vamos ter de resolver o problema logístico de qualquer forma.

 

Fonte: Mato Grosso Agro

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp