Estados do Centro-Oeste propõem ICMS sobre soja exportada

Ameaças de Tocantins e de Estados do Centro-Oeste, região que lidera a produção nacional de grãos, de cobrar ICMS sobre seus embarques de soja e milho em grãos provocaram nos últimos dias uma intensa reação de agricultores e exportadores. Para eles, esses governos estão tentando burlar a Lei Kandir, que desde 1996 zerou o imposto para as vendas dessas matérias-primas destinadas ao mercado externo.

No campo, o grande temor é que a medida tire competitividade das exportações – como aconteceu com farelo e óleo de soja quando a Lei Kandir entrou em vigor – e eleve os custos de produção das lavouras, que já subiram de forma expressiva este ano em função da alta do dólar.

Sojicultores, tradings e cooperativas já preparam uma campanha para sensibilizar os governadores a desistirem da ideia de cobrar ICMS sobre empresas exportadoras e de obrigar que parte da soja ou do milho in natura produzida nessas regiões seja comercializada no mercado interno – e, portanto, passe a ser tributada, fazendo com que apenas uma parte dos grãos possa ser exportada sem imposto.

A estratégia foi traçada na quarta-feira, em Brasília, em reunião da Câmara Setorial da Soja, que seria a primeira commodity a ser afetada por uma eventual mudança. “Vamos mostrar estudos para os governos estaduais que indicam que a cobrança de ICMS sobre 50% da soja colhida nos Estados produtores tornaria o plantio inviável para pequenos agricultores”, afirma Glauber Silveira, presidente da câmara. Ele prometeu levar a preocupação do segmento aos ministros Kátia Abreu (Agricultura) e Joaquim Levy (Fazenda).

Se propostas nesse sentido virarem leis ou decretos estaduais, entidades como as Aprosoja e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) prometem entrar na Justiça contra Estados como Goiás, Mato Grosso e também Tocantins, onde há propostas concretas ou ideias em gestação nos bastidores com a finalidade de alimentar os cofres estaduais, que padecem com a crise econômica.

Esse desfecho judicial já aconteceu com Mato Grosso do Sul, única unidade da Federação a adotar um regime especial de tributação e que foi alvo de processo movido pela Famasul, a federação local de agricultura e pecuária.

Um estudo conduzido pela CNA com base na balança comercial do agronegócio em 2014 apontou que, se fosse cobrada uma alíquota de 12% de ICMS (mesmo patamar adotado pelo governo sul-mato-grossense) sobre 100% das exportações de soja do País naquele ano, a um dólar de R$ 2,36 na época, haveria uma arrecadação total de R$ 8.9 bilhões para os Estados. “Vemos essa propostas de tributar exportações como mero oportunismo arrecadatório. E seria preciso alterar a Lei Kandir, que é uma lei federal. Se for por projeto de lei, é inconstitucional”, analisa Renato Conchon, economista da CNA.

Bartolomeu Pereira, presidente da Aprosoja de Goiás, que vem conversando com o governo local sobre o assunto, explica que a ideia da secretaria de Fazenda é tributar pelo menos 30% da soja e do milho colhidos no Estado. A estimativa para a safra 2015/16 é que Goiás produza 10 milhões de toneladas de soja, o que renderia uma arrecadação adicional de cerca de R$ 400 milhões. “Os governos entraram em dificuldades orçamentárias e querem resolver isso onerando a soja. Se isso acontecer, vamos entrar com mandando de segurança contra o Estado”, disse Conchon

Por sua vez, os governos estaduais se queixam constantemente de a União não repassar ou atrasar os repasses dos fundos de exportação (Fex), criados para compensar as perdas dos Estados com as desonerações da Lei Kandir.

A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abraão, afirma que está em estudo um projeto de lei, que será encaminhado ao Legislativo local até dezembro, para tributar parte da soja comercializada no mercado interno. Ela garante que a motivação “não é tributar soja”, e sim parar de pagar ICMS interestadual. Segundo ela, Goiás tem exportado tanto o grão que a indústria acaba “importando” matéria-prima de outros Estados para suprir a demanda para esmagamento e produção de farelo e óleo.

“Nosso objetivo á garantir oferta de soja, mas não queremos influenciar preço e nem fazer nada de supetão”.

Modelo em vigor em MS divide opiniões

As propostas que vêm sendo avaliadas por Estados do Centro-Oeste para incrementar a arrecadação tributária e/ou garantir o abastecimento de grãos seguem como base o regime especial de controle e fiscalização implementado por Mato Grosso do Sul em 2005, por meio do decreto 11.803. Defendido pelo governo estadual com o argumento de garantir oferta de soja, milho, sorgo e algodão e evitar fraudes envolvendo o imposto, o regime divide opiniões no setor produtivo.

Segundo o decreto, o modelo é facultativo e voltado a tradings, propriedades rurais ou outras empresas exportadoras e armazéns que precisam comprovar que atuam há mais de dois anos no Estado e têm capacidade para armazenar no mínimo 10.000 toneladas. Ao seguirem essas regras, as empresas têm sua produção controlada no sistema “um para um”. O que significa dizer que, para aderir ao regime, elas podem exportar apenas metade de sua produção sem cobrança de ICMS. O restante tem de ser vendido dentro de Mato Grosso do Sul ou no Brasil.

O secretário de Fazenda do Estado, Jader Julianelli, explica que embora o regime não obrigue as empresas a segui-lo, quem adere fica dispensado de pagar ICMS antecipadamente em cada operação de exportação. O governo estadual contabiliza 93 estabelecimentos que participam do regime. Ao manterem 50% de sua produção no mercado doméstico, elas garantem uma arrecadação adicional de 2% sobre todo o ICMS que é absorvido pelo Estado durante o ano. A previsão do governo local é arrecadar de R$ 11 bilhões com esse imposto em 2015.

A Famasul, entidade que representa produtores, admite que o regime funciona no Estado, onde as exportações de soja nunca ultrapassaram 40% da produção. Mas o presidente da Aprosoja-MS, Cristiano Bertolotto, adverte que os produtores no Estado já correm o risco de pagar ICMS sobre a soja exportada, pois as safras do grão estão maiores e a indústria já tem dificuldade em comprar o excedente.

 

Fonte: Valor Econômico

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