Especialistas defendem criação de uma política nacional do solo

“O solo é a base de tudo, tudo que temos, tudo que somos vem do solo. No Brasil, que é um país com dimensões continentais, sabemos que há um verdadeiro descaso em relação ao melhor uso dos solos", diz o ministro do TCU Álvaro Cedraz. Foto: Raul Moreira
“O solo é a base de tudo, tudo que temos, tudo que somos vem do solo. No Brasil, que é um país com dimensões continentais, sabemos que há um verdadeiro descaso em relação ao melhor uso dos solos”, diz o ministro do TCU Aroldo Cedraz. Foto: Raul Moreira

Com 20 a 40 milhões de hectares de áreas de pastagens em algum nível de degradação e baixos índices de produtividade, de acordo com informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é necessário que o Brasil adote tecnologias mais sustentáveis e práticas agropecuárias adequadas para que a terra volte a ser produtiva.

Nada disso, no entanto, vai chegar ao campo se não houver a criação de uma política nacional do solo. É o que defenderam alguns especialistas presentes no encontro do Dia Mundial do Solo, em 5 de dezembro, realizado na sede Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), no Rio de Janeiro.

“O solo é a base de tudo, tudo que temos, tudo que somos vem do solo. No Brasil, que é um país com dimensões continentais, sabemos que há um verdadeiro descaso em relação ao melhor uso dos solos. Claro que avançamos na área do agronegócio, temos hoje o plantio direto, que é uma contribuição significativa do Brasil para o mundo, mas só  isso não basta, até porque é indissociável esse fenômeno solo e água”, ressaltou o ministro do Tribunal de Contas da União Aroldo Cedraz de Oliveira, durante encontro na SNA.

“Sabemos que se existe no mundo, hoje, uma política de governança sobre águas que, de alguma forma se universaliza, na área de solos nós precisamos avançar, porque estamos ainda na estaca zero”, criticou o ministro. O TCU é responsável pela agenda do Ano Internacional do Solo 2015 no Brasil, que será realizado em março, em Brasília (DF).

“Estou entusiasmado com a agenda do TCU do século 21, por estar de olho nesta questão do solo, que ganhado cenário internacional. Precisamos definir se o problema relacionado a ele entrará na convenção da biodiversidade, da desertificação ou se devemos outra convenção apenas para o solo”, ressaltou o ex-deputado federal Fábio Feldmann, consultor na área de sustentabilidade.

“Pensem que o Brasil precisa ter essa política incorporando todas as suas dimensões, criando áreas de proteção dos mais variados tipos de solos que nós temos. Necessitamos colocar na agenda do País essa política, avaliando, por exemplo, a impermeabilização das cidades, problema que acaba provocando grandes catástrofes”, destacou Feldmann, um dos mais importantes defensores brasileiros na implantação de uma política nacional do solo.

“Pensem que o Brasil precisa ter essa política (nacional do solo) incorporando todas as suas dimensões, criando áreas de proteção dos mais variados tipos de solos que nós temos", destaca Fábio Feldmann, ex-deputado federal e consultor na área de sustentabilidade. Foto: Divulgação
“Pensem que o Brasil precisa ter essa política (nacional do solo) incorporando todas as suas dimensões, criando áreas de proteção dos mais variados tipos de solos que nós temos”, destaca Fábio Feldmann, ex-deputado federal e consultor na área de sustentabilidade. Foto: Divulgação

Para Cedraz, há casos muito sérios no Brasil. “Temos dez Estados nordestinos que estão franco processo de desertificação. São lugares onde as chuvas não caem há cinco anos. Por isso, para discutirmos a agenda do solo, trouxe para meu gabinete quem domina o assunto no País. Precisamos nos cercar de entendedores, pois nossas preocupações aumentaram”, destacou o ministro do TCU, durante encontro na SNA.

Ele ainda cita exemplos externos. “Na Alemanha, por exemplo, não tem um palmo de terra que a população não saiba para onde tem de direcionar suas águas. Foi isso que aprendi com o Feldmann (ex-deputado Fábio Feldmann) em relação à Lei dos Recursos Hídricos. Não esquecemos que foi uma tarefa muito difícil colocarmos a agenda ‘água’ para cada brasileiro.”

“Agora, precisamos colocar o tema ‘solos’ na agenda de cada brasileiro. Isto porque, no Brasil, não temos uma drenagem bem feita e não damos atenção a isso. Fora que o principal degradador do solo é o próprio governo”, criticou Cedraz, que também defende a implantação de uma política nacional do solo. Ele ainda ressaltou que utilizar o plantio direto, nos dias atuais, não basta.

“O processo erosivo das nossas terras não deve perpetuar. E não podemos conviver com esse tipo de irresponsabilidade do poder público em relação aos solos. Por isso é que, do mesmo jeito que está havendo um planejamento e uso mais adequado dos nossos recursos hídricos, também vamos batalhar para que tenhamos a mesma responsabilidade em relação aos solos”, ressaltou Cedraz.

 

CIÊNCIA

Para elaborar a política nacional do solo, Daniel Vidal Perez, chefe geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Solos, que funciona no Rio, disse que é “muito importante para a área técnico-científica o reconhecimento da Ciência do Solo, que é uma das mais novas, tendo surgido no final do século 19”.

“Até chegar ao Ocidente, foram mais de 60 anos. Mas é necessário enfatizar que a questão do solo também é um problema urbano. Um município como Santo Amaro da Purificação, por exemplo, passa por uma contaminação dentro da cidade por mineral enriquecido com chumbo. A falta de informação é preocupante”, afirmou Perez.

"É necessário enfatizar que a questão do solo também é um problema urbano. Um município como Santo Amaro da Purificação, por exemplo, passa por uma contaminação dentro da cidade por mineral enriquecido com chumbo. A falta de informação é preocupante”, afirmou Daniel Perez, chefe geral da Embrapa Solos. Foto: Raul Moreira
“É necessário enfatizar que a questão do solo também é um problema urbano. Um município como Santo Amaro da Purificação, por exemplo, passa por uma contaminação dentro da cidade por mineral enriquecido com chumbo. A falta de informação é preocupante”, afirmou Daniel Perez, chefe geral da Embrapa Solos. Foto: Raul Moreira

Para o diretor da SNA Alberto Figueiredo, “a base (da política nacional do solo) tem de ser o planejamento, mas antes disso deve vir o diagnóstico”. “Precisamos ter no Brasil um programa que permita a combinação entre solo, clima, topografia, questões socioeconômicas e perspectivas da sociedade diante do tema ‘solo’”, pontuou.

Na opinião do vice-presidente do Banco do Brasil, Robson Rocha, o País já deu alguns passos que podem favorecer o solo. “É um caminho muito longo a percorrer, mas temos tido alguns avanços. O banco segue o zoneamento agrícola e logo, para o produtor rural obter o crédito rural, terá de ter feito o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Não basta o crédito pelo crédito, o resultado pelo resultado”, destacou Rocha.

 

COP 20

De acordo com o alemão Alexandre Müller, coordenador do Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS), a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20), que começou no dia 1ª e segue até 12 de dezembro, vai tratar de temas que envolvem o clima e “isto está ligado ao solo, que é um assunto muito complexo”.

“De cem em cem metros, o solo pode mudar e cada um tem sua especificidade. Se o mundo quer combater a fome, tem de entrar nesta questão do solo. Isto é uma das coisas que têm de ser revista, pois por décadas o solo não tem recebido a atenção devida. A Somália, por exemplo, perde 100 toneladas de hectares por ano de solo. Juntos, nesta conferência (COP 20), teremos a chave para achar essa resposta. Precisamos evitar que as futuras gerações se perguntem o porquê de não termos feito isso antes”, ressaltou Müller.

“De cem em cem metros, o solo pode mudar e cada um tem sua especificidade. Se o mundo quer combater a fome, tem de entrar nesta questão do solo", aponta Alexandre Müller, coordenador do Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS)
“De cem em cem metros, o solo pode mudar e cada um tem sua especificidade. Se o mundo quer combater a fome, tem de entrar nesta questão do solo”, aponta Alexandre Müller, coordenador do Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS)

ANO INTERNACIONAL DO SOLO

Em dezembro de 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, a partir de resoluções propostas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o dia 5 de dezembro como o “Dia Mundial dos Solos” e instituiu que 2015 será o “Ano Internacional do Solo”.

De acordo com o Mapa, “esta iniciativa oferece uma oportunidade para despertar para uma maior conscientização sobre a relevância do solo como base do desenvolvimento socioeconômico da sociedade, bem como das funções essenciais dos ecossistemas para uma melhor adaptação às alterações climáticas, ora em destaque no cenário mundial”.

 

POSICIONAMENTO DO TCU

O Tribunal de Contas da União divulgou que, “considerando sua missão institucional de contribuir para o aperfeiçoamento da administração pública em benefício da sociedade, em parceria com diversas instituições ligadas à temática dos solos, como a FAO, a Embrapa, a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, a Itaipu Binacional, o Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas, a Sociedade Nacional da Agricultura e o Instituto para Estudos Avançados de Sustentabilidade, decidiu promover no País uma discussão profunda sobre os aspectos que permeiam a governança dos solos e suas implicações em diversos setores”.

 

ENTENDA MELHOR O PROBLEMA

A área de solos produtivos é limitada. O seu uso e manejo inadequados acarretam degradação e perda significativa de sua fertilidade e capacidade produtiva. Estima-se que, nos últimos cinquenta anos, a quantidade de terra agricultável per capita diminuiu cerca de 50% no mundo.

Aproximadamente 33% das terras é considerada como tendo alto ou médio grau de degradação, devido à erosão, salinização, compactação, impermeabilização e poluição química, entre outros. As informações foram publicadas no site www.governancadosolo.gov.br:

1 – EROSÃO

No que se refere às ações da natureza, as chuvas são o principal agente causador da erosão. O ser humano também tem papel importante no processo com os desmatamentos. Ao retirar a cobertura vegetal de uma área, ela perde sua consistência, pois a água, que antes era absorvida pelas raízes das árvores e plantas, passa a infiltrar, o que pode causar instabilidade do solo e erosão.

2 – SALINIZAÇÃO

A concentração progressiva de sais pode ser causada pelo péssimo manejo da irrigação em regiões áridas e semi-áridas. A baixa eficiência da irrigação e a drenagem insuficiente nessas áreas contribuem para a aceleração do processo de salinização, tornando-as improdutivas em curto espaço de tempo.

3 – COMPACTAÇÃO

É um processo decorrente da manipulação intensiva, quando o solo perde sua porosidade pelo adensamento de suas partículas. Na agricultura, a compactação do solo se dá pela influência de máquinas agrícolas, tais como tratores e colheitadeiras, como também pelo pisoteio de animais, como o gado. A compactação é danosa para a produção agrícola, pois influencia negativamente o crescimento de raízes, fazendo com que a planta tenha problemas em seu desenvolvimento. Ela também diminui a movimentação da água pelo solo, criando uma camada muito densa onde a água não se infiltra, ocasionando excesso de líquido nas camadas superficiais, podendo provocar erosão.

4 – IMPERMEABILIZAÇÃO

A impermeabilização consiste na cobertura do solo pela construção de habitações, estradas e outras ocupações, reduzindo a superfície do solo disponível para realizar as suas funções, nomeadamente a absorção de águas pluviais. As áreas impermeabilizadas podem ter grande impacto nos solos circundantes por alteração dos padrões de circulação da água e aumento de fragmentação da biodiversidade e seus ecossistemas.

5 – POLUIÇÃO QUÍMICA

Na produção agropecuária, a contaminação química é mais evidente em razão da utilização de insumos agrícolas como fertilizantes, inseticidas e herbicidas. O uso de substâncias químicas no campo se difundiu a partir dos anos 60, com objetivo de alcançar uma produção de melhor qualidade e assim obter uma boa aceitação no mercado. A contaminação ocorre no solo e nas águas. Quando os fertilizantes e os agrotóxicos são conduzidos pelas águas da chuva, uma parte penetra no solo, que atinge o lençol freático e contamina o aquífero; a outra parte é levada pela enxurrada até os mananciais, como os córregos, rios e lagos que se encontram nas partes mais baixas do relevo.

 

Por equipe SNA/RJ

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