Por Marcelo Sá, com Larissa Machado
A falta de funcionários para efetuar a fiscalização agropecuária vem colocando em risco o funcionamento de plantas comerciais inteiras, sobretudo as que trabalham com proteína animal. O Brasil é o maior exportador de carne do mundo e, de acordo como o Conselho dos Secretários de Agricultura do Brasil (Conseagri), não há número suficiente de profissionais para o Serviço de Inspeção Federal (SIF). A informação foi confirmada pela SNA junto a outros órgãos do setor produtivo.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responsável pela contratação e designação de novos fiscais, anunciou novo concurso público, a ser realizado ainda este ano, para preenchimento de 200 vagas. Autoridades do segmento, no entanto, não acreditam que esse contingente irá suprir a demanda, já reprimida por vários anos sem seleções e redução do número total de funcionários. O ideal seria, no mínimo, o dobro.
Outra preocupação é com a demora na implementação e regulamentação da chamada Lei 14.515, mais conhecida como Lei do Autocontrole, que prevê a criação, por parte da iniciativa privada, de mecanismos internos que auxiliem o poder público a assegurar a qualidade dos produtos.
Responsáveis por assegurar a qualidade de produtos de origem animal (comestíveis ou não) destinados ao mercado interno e externo, bem como de produtos importados, os profissionais do SIF devem ser designados, além das indústrias, a portos, aeroportos e postos de fronteira, nos campos de produção, nas empresas agropecuárias, nos programas de desenvolvimento agropecuários elaborados pelo Mapa, nas negociações internacionais, entre outros ambientes ligados a atividades afins.
Sob a supervisão do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), os profissionais do SIF precisam registrar e aprovar os produtos de responsabilidade do Mapa, como a proteína animal, envolvendo carnes e derivados. É essa comprovação que garante certificação sanitária ao consumidor e as conformidades legais, internas e externas.
Com falta de profissionais em todas essas áreas, o Sindicato dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa) estima que o déficit de mão de obra chega a 40%, em comparação com vinte anos atrás. Parte do problema é que a fiscalização abrange uma cadeia diversa de veterinários, agrônomos, agentes de campo e administrativos, além de auditores fiscais, farmacêuticos e zootecnistas, entre outros.
Dependendo do local e do estabelecimento fiscalizado, a atribuição funcional muda, o que gera insegurança e imprecisão sobre o pessoal necessário nos quadros, e até ondepodem atuar, com alguns exercendo, no limite, poder de polícia. A sobrecarga costuma ser queixa constante, além de desequilíbrio na distribuição de tarefas, com trabalhadores que deveriam estar liberando as mercadorias realocados para cuidar da papelada que se acumula na parte burocrática.
No Paraná, expoente do setor de proteína animal, duas grandes indústrias estiveram perto de interromper as atividades por conta desse cenário caótico. Não é raro que turnos de trabalho precisem ser suspensos de última hora em função da ausência de fiscalização. Também se tornou comum que as secretarias estaduais entrem na justiça pedindo a presença de certos profissionais, de modo a não acarretar perdas substanciais na produção. Isso acaba gerando atritos com a esfera federal, que responde pelas prerrogativas do Mapa e do SIF, entre outros órgãos.
O desafio da regulamentação da Lei de Autocontrole é também urgente porque representa a norma em outros países competitivos na agropecuária. Trata-se de um gargalo que, mesmo complexo, não impede o Brasil de liderar as exportações do setor. A dianteira, no entanto, poderia ser ainda maior, se adotadas as práticas dos principais concorrentes. Mesmo assim, há quem ainda prefira o modelo defasado, por comodidade.
Secretários estaduais têm pressionado o ministro Carlos Fávaro a agilizar essa transição, de modo que os entes privados possam sanar as deficiências mediante contratação particular, cumprindo diretrizes nacionais homogêneas que, atualmente, acabam sendo desordenadamente estabelecidas pelos departamentos das instituições públicas.
Desse modo, caberia à União, aos estados e aos municípios apenas a fiscalização em sentido estrito, ou seja, supervisionar quem está atuando de acordo com as regras, no lugar de fornecer os profissionais para esse fim, que é como funciona hoje. Isso traria grande economia de recursos, segurança jurídica e rapidez nas etapas necessárias ao escoamento da produção aos compradores internos e externos, mediante a indispensável conformidade sanitária.