Escalada de conflitos no Oriente Médio desafia o Agro

Imagem ilustrativa do Freepik

É preciso buscar alternativas logísticas e serenidade diplomática

O Portal SNA aborda com frequência o cuidado que tensões geopolíticas devem inspirar nos agentes públicos brasileiros, entre gestores eleitos, diplomatas e representantes comerciais. Muitas vezes, é necessário contornar atritos vividos por dois ou mais países que são destinos importantes das exportações nacionais, sobretudo as da agropecuária. De um ano para cá, a guerra travada por Israel contra grupos terroristas na região, em resposta a ataques sofridos, envolveu mais nações e expôs o tênue equilíbrio que o setor precisa manter para seguir escoando sua produção rumo a uma área conflagrada, em que lados opostos do conflito compram insumos brasileiros.

Com a recente entrada do Irã e do Líbano no conflito, navios precisaram escolher rotas mais longas, desviando do Canal de Suez, no Egito, e do Mar Mediterrâneo, optando por desembarcar na Turquia ou no Golfo Pérsico através do Canal do Panamá. Com efeito, o tempo de viagem quase dobrou, o que encarece o frete. Mesmo assim, houve um aumento na casa dos 20% no volume embarcado, o que o mercado avalia como previsível, de acordo com as oscilações. Uma das vantagens para o Brasil é a liderança mundial na produção de halal, assim denominada a carne preparada de acordo com os preceitos muçulmanos.

Além disso, países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Iraque, habituais destinos da proteína animal brasileira, não estão envolvidos diretamente na guerra. Eles compram juntos mais de 20% dos embarques da carne de frango. No início da guerra, em 2023, os desvios logísticos oneraram o frete entre 15% e 20%, mas após alguns meses voltou ao patamar anterior com a perspectiva de que o conflito não se espalharia pela região. Agora, com novos focos de combate e chances de que outros países atuem no confronto, o mercado volta a ter cautela nas projeções.

Prudência do setor garantiu continuidade dos negócios e embarques

Na ponta do lápis, entretanto, o país não sofreu maiores abalos em suas exportações para a região: o acumulado de janeiro a agosto deste ano, o Brasil exportou US$ 11,9 bilhões a países árabes, o que representou um aumento de 22% em relação ao mesmo período de 2023. Para Israel, foram US$ 316,2 milhões, montante praticamente igual ao do ano passado, segundo dados da plataforma Agrostat.

Principal item da pauta de exportações brasileiras à região, as carnes cresceram em volume e em receita. Para Israel, o volume cresceu 22% em relação a 2023, para 24,5 mil toneladas de carne bovina, e para os países árabes, 19%, a 1,5 milhões de toneladas (entre a carne bovina e de frango). Analistas de mercado atribuem esse bom desempenho à prudência do setor, que se antecipou à possível escalada do conflito e mitigou efeitos negativos, justamente no tocante a rotas alternativas e encarecimento de frete.

Ainda segundo a Agrostat, no tocante à soja, as exportações brasileiras para Israel caíram 15% nos oito primeiros meses deste ano, para 214,16 mil toneladas. Para os países árabes, o recuo foi de 18%, para 2,4 milhões de toneladas no período. Considerando apenas a soja em grão, houve alta de 4% no volume embarcado a Israel de janeiro a agosto, para 168,3 mil toneladas, e queda de 6% para os países árabes, para 2,2 milhões de toneladas.

O difícil equilíbrio entre moderar o tom sem se omitir

Nos últimos anos, produtores, autoridades e diplomatas vêm sendo desafiados por ocorrências da mesma natureza à do confronto que começou na Faixa de Gaza e hoje envolve outras áreas. Em 2022, a Rússia invadiu partes da Ucrânia, dando início a uma guerra que já caminha para três anos; ambos os países desempenham papel de peso em segmentos agrícolas, sobretudo o de grãos e fertilizantes. O transporte desses insumos ficou igualmente comprometido, exigindo que parceiros comerciais dos dois lados buscassem alternativas e moderassem suas manifestações diplomáticas.

Nessa seara, a exemplo de Israel, o Brasil tem enfrentado dificuldades, especialmente quando autoridades dão declarações de improviso sobre questões sensíveis que permeiam os conflitos; a abertura de mercados exige anos de esforços e cumprimento de exigências, enquanto um discurso desastrado pode ser retaliado com um boicote comercial, pondo a perder toda uma cadeia produtiva estruturada em função das demandas específicas de um cliente, tais como a proteína animal embarcada rumo ao Oriente Médio.

Na condição de pujança exportadora da agropecuária, o Brasil simplesmente não pode se dar ao luxo de opinar sobre tudo no calor das emoções, cabendo ao Itamaraty, com moderação e tempestividade, se pronunciar sem comprometer a tradição de construir pontes e ampliar o diálogo, mesmo nos cenários mais difíceis. Como agora, muitas vezes os produtores e empresários é que buscam as soluções e garantem a continuidade das parcerias tão importantes para o setor no Brasil.

 Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp