Sylvia Wachsner fala sobre agricultura orgânica, sustentabilidade e consumo

Imagem: Arquivo SNA

A SNA conversou com Sylvia Wachsner, formada em administração pela Harvard Business School, PMD, 1978. Diretora da SNA e integrante da Academia Nacional de Agricultura, responsável pela cadeia de produção orgânica, apoiando também o SNASH, SNA Startup Hub.

Ex-Cônsul Geral do Equador no Rio de Janeiro, com larga experiência no sistema bancário do Equador, no Citibank e responsável pela internacionalização do Banco Popular. Palestrante em congressos nacionais e internacionais. No Brasil, é membro das Câmaras Temáticas: da Borracha e da Produção Orgânica do Ministério da Agricultura (MAPA) e dos Conselhos estaduais e municipais. Foi membro da HBS – Alumni Board, Boston.

Confira a seguir o resumo da entrevista:

SNA: Qual a relação entre a agroecologia e agricultura orgânica?

Sylvia: A agricultura orgânica é um sistema sustentável de produção de alimentos e fibras que não permite o uso de insumos químicos, sementes e organismos geneticamente modificados, que tem como base o uso de fertilizantes naturais, de métodos naturais de adubação e controle de pragas, da manutenção dos solos, vivos, da rotação de culturas, do incremento da biodiversidade e da preservação dos recursos naturais. Este tipo de agricultura também é conhecido como agricultura biológica na Europa.

A agroecologia, considerada uma ciência, trata da aplicação de princípios ecológicos que visam criar sistemas produtivos mais resistentes e adaptados ao ambiente local. A agroecologia atua na relação das pessoas, plantas, animais e o meio ambiente.

Trata de estabelecer agroecossistemas sustentáveis, socialmente justos, economicamente viáveis. O bem-estar das pessoas, em relação ao ambiente agrícola, faz parte da agroecologia.

Os alimentos e produtos, produzidos em conformidade com as normativas da legislação orgânica são certificados, tendo em vista que certificação dos produtos orgânicos resulta na rastreabilidade da cadeia e oferece transparência aos consumidores. A produção de alimentos e fibras com menor impacto ambiental, a construção de ecossistemas mais resilientes, a promoção da biodiversidade, evitar o uso de insumos químicos sintéticos, relaciona os dois sistemas de produção.

SNA: O desenvolvimento sustentável é um guia internacional fundamentado de ações que contribuem para uma produção que não prejudique o meio ambiente e/ou que consiga recuperá-lo de certa forma. É possível, economicamente?

Sylvia: O desenvolvimento sustentável não é somente um guia internacional, mas práticas que tratam do manejo e a conservação dos recursos naturais que atendam às necessidades da presente e das futuras gerações, que são aplicadas no agro brasileiro. Estas práticas ambientalmente sustentáveis fazem parte da nossa legislação orgânica: “incrementar a atividade biológica do solo; promover o uso saudável do solo, da água e do ar, e reduzir ao mínimo todas as formas de contaminação desses elementos que possam resultar das práticas agrícolas, manter ou incrementar a fertilidade do solo a longo prazo”; dentre outras.

Práticas como o manejo de pastos e sua proteção contra a erosão, controle de queimadas, reflorestamento e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), são cada vez mais aplicadas na agricultura convencional brasileira, então eu diria que está demostrado que um desenvolvimento ambientalmente sustentável é viável no agro.

SNA: Diferente dos transgênicos, o cultivo orgânico, também chamado de agricultura orgânica, é realizado sem o uso de defensivos, porém são produzidos em baixa escala, em pequenas e médias propriedades, deixando o preço de verduras e frutas um pouco mais elevado. Como reduzir esses custos para que a classe com menor poder aquisitivo possa consumir tais produtos em maior escala?

Sylvia: Os sistemas orgânicos de produção prezam pela oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes, a preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais, a não utilização de práticas e insumos que possam colocar em risco o meio ambiente e a saúde dos produtores e consumidores; emprega produtos que incrementem a fertilidade do solo e mantenham equilibrada sua atividade biológica. A produção orgânica usa bioinsumos, produtos com menor toxidade que, frente ao Ministério da Agricultura, recebem um tratamento diferenciado, ao ser considerados produtos de baixo impacto ambiental.

Instruções normativas e portarias, publicadas pelo Ministério da Agricultura, listam as substâncias autorizadas na produção orgânica. Em 2020 o Governo lançou o programa de bioinsumos que inclui o controle biológico, uso de fungos e bactérias, microorganismos, probióticos, produção para uso próprio dentre outros. Diversos bioinsumos, com menor toxidade, são autorizados para uso na produção orgânica e uma das vantagens, é que são ambientalmente sustentáveis. A produção agrícola convencional utiliza, cada vez, mais esses bioinsumos resultando numa produção agrícola mais sustentável.

O mercado dos bioinsumos cresce em torno de 30% ao ano. A produção brasileira de bioinsumos, é uma das portas de entrada de startups e empreendedores no agronegócio ao apresentar produtos inovadores, num mercado tradicionalmente dominado por grandes industrias multinacionais. O diferencial de preços entre os produtos orgânicos e os convencionais deve-se a diversos fatores como a menor mecanização agrícola, maior utilização de mão de obra, diversificação de culturas em pequenos espaços, produção em glebas menores.

Na produção orgânica não falamos de monocultura, são produções mais lentas, e os alimentos orgânicos são certificados, o que acarreta um custo adicional, pago pelo produtor. Já encontramos nas feiras municipais, por exemplo, que os preços das hortaliças vendidas são valores similares aos convencionais. Isso ocorre também em alguns supermercados, quando a margem colocada pelos varejistas é razoável, os preços entre hortigranjeiros orgânicos e convencionais são similares. Ações de compras governamentais como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que adquire produtos dos agricultores familiares, permite que os alunos tenham acesso a refeições elaborados com alimentos orgânicos.

SNA: Os consumidores de produtos orgânicos são mais exigentes dos que os demais? O que eles
mais necessitam ou pretendem?

Sylvia: Um estudo realizado pelo Instituto Organis, em 2023, indica que 46% da população consome alimentos orgânicos, e que existe uma crescente conscientização das pessoas. A região Nordeste, conforme esse estudo, apresenta o incremento mais significativo do país, de 32% consumindo alimentos orgânicos, em 2021, para 45% em 2023. Consumidores de alimentos orgânicos são pessoas preocupadas em consumir alimentos mais saudáveis, mais naturais, sem uso de insumos tóxicos, que se preocupam pelo bem-estar animal inclusive. Desejam que a produção seja ambientalmente mais sustentável e procuram uma melhor qualidade de vida. O perfil apontado no estudo da Organis menciona pessoas entre 25 a 54 anos.

SNA: Nesse contexto, a produção orgânica aparece como uma maneira de atender a esses consumidores e, em contrapartida, ser um diferencial para os pequenos produtores rurais. A agricultura familiar parece ser grande protagonista no setor orgânico. Isso é bom
economicamente para eles?

Sylvia: A produção de alimentos orgânicos oferece diversas vantagens para os agricultores familiares e pequenos produtores. Os produtos orgânicos têm um valor de mercado mais elevado que os alimentos convencionais, significando que os produtores têm um retorno financeiro maior. Ao utilizar insumos naturais, bioinsumos, tem menor dependência de insumos externos, que podem ser importados.

A diversificação de culturas permite oferecer no mercado uma quantidade maior de produtos distintos, e reduz a vulnerabilidade dos cultivos a pragas e doenças, A produção orgânica permite aceder a mercados diferenciados (merenda escolar, compras públicas), mais próximos da área de residência e produção, diminuindo os custos de logística e permitindo aos agricultores familiares permanecer mais tempo nas suas propriedades e perto das famílias.

SNA: O mercado brasileiro para os produtos orgânicos encontra-se em crescente ascensão, sendo que os maiores centros consumidores se encontram no sudeste do país. No entanto, nos últimos anos, seguindo uma tendência natural, como esse mercado pode se expandir por todo o território brasileiro? Seria a logística?

Sylvia: Os maiores centros de consumidores podem se encontrar no Sudeste do pais (presença de grandes cidades), mas isso não significa que os alimentos orgânicos só são produzidos nessa região. Conforme o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do Ministério da Agricultura, de um total de aproximadamente 25.000 unidades de produção orgânica, 7.416 unidades de produção encontram- se no Nordeste e 4.000 na região norte. Os dados são de agosto de 2023. O Brasil conta com unidades de produção de alimentos orgânicos em todas as regiões do pais. (em anexos gráficos realizados pelo CI Orgânicos).

Fonte: Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do MAPA. Montado por CI Orgânicos.

SNA:  Pode falar um pouco da Agricultura regenerativa?

Sylvia: O objetivo principal da agricultura regenerativa é criar sistemas agrícolas mais resilientes, mais equilibrados, em harmonia com princípios ecológicos. Busca restaurar a biodiversidade, promover a saúde dos solos, a qualidade e conservação da água, a integração dos sistemas de pecuária, lavoura e floresta (IPLF), a utilização de insumos menos tóxicos, reduzir a dependência dos insumos externos, muitas vezes importados.

A agricultura regenerativa surgiu nos Estados Unidos, pelo Robert Rodale (Rodale Institute) como uma abordagem holística para aprimorar os princípios da agricultura orgânica. A saúde do solo e seu manejo é uma das prioridades deste tipo de agricultura. Algumas características: rotação de culturas, redução de arado do solo, uso de plantas de cobertura, não uso de insumos sintéticos, promoção da biodiversidade bem-estar animal. Sobre os trabalhadores rurais, pagamento justo, boas condições laborais, segurança dos trabalhadores rurais, cumprimento da legislação trabalhista, são exigidos. Atualmente o Instituto Rodale e outras empresas norte-americanas lançaram o selo de certificação ROC (Regenerative Organic Certification).

Usando a certificação orgânica do USDA como base, o ROC incorpora padrões rigorosos para a saúde do solo, o bem-estar social e animal, e tenta elevar o nível do padrão orgânico. Por outro lado diversas multinacionais de alimentos e grandes empresas do agro, estão adotando práticas da agricultura regenerativa em culturas como soja, milho, cana de açúcar, utilizando estratégias conservacionistas, bioinsumos, controle biológico, sistemas de irrigação que permitem o uso racional da água e outras tecnologias.

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/sylvia-wachsner-34331814/

Por Marcelo Sá – jornalista/editor – (MTb 13.9290)
Com equipe SNA
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