Atualizado em 20/11/23
A SNA conversou com o General de Divisão da reserva do exército brasileiro, Marco Aurélio Vieira, (com mais de 40 anos de serviços prestados ao País e até no exterior). Ocupou o cargo de Secretário Especial dos Esportes no início do governo Bolsonaro. Atuou como diretor executivo de operações dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e foi o diretor executivo do revezamento da tocha olímpica em 2016. Atualmente, é o presidente do Conselho Editorial do Instituto General Villas Boas (IGVB).
Para ele, a segurança das pessoas e das propriedades privadas, bem como dos bens necessários aos meios de produção, ainda segue uma lógica defasada, do período colonial, cabendo majoritariamente aos donos de terras e seus empregados. “Paramos no século XIX”, diz. A falta de capilaridade do monitoramento, bem como ausência de integração entre agentes públicos e privados, também prejudica. O General dá exemplos de como outros países lidam com a situação, além de sugerir soluções razoavelmente rápidas, simples e baratas, diante da tecnologia e estrutura já existentes. “A cada dólar investido em prevenção, economiza-se 25 na contenção de danos”, fala. O embate político atrasa a implementação de soluções práticas, o que poderia trazer bons resultados a curto prazo, em seu entender. É preciso frear as invasões e implementar soluções de maneira integrada.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
SNA: Quais são os principais desafios da segurança no campo, a seu ver, tanto no aspecto operacional quanto jurídico?
Gen. Marco Aurélio: As tecnologias e conceitos de segurança, bem como sua aplicação nos diversos setores da sociedade, evoluíram com o tempo, mas no campo elas permaneceram estagnadas no século XIX, sendo desempenhada primordialmente pelo dono da terra e seus empregados, antigamente apelidados de “jagunços”. Além disso, culturalmente ainda prevalece a aceitação das invasões. A maioria dos municípios do interior não possui forças de segurança pública para repelir investidas, e nem há uma coordenação entre as cidades para troca de informações sobre ocorrências do tipo. Então não há um banco de dados integrado no qual constem informações sobre criminosos e seus modus operandi. Os proprietários rurais, então, protegem o que podem. Creio que deveria haver uma coordenação entre os entes agrários e as autoridades, porque já existe estrutura e meios para isso. A segurança é essencialmente uma sensação, traduz um conforto de se presumirem preservados pela lei um bem ou uma propriedade, da possibilidade de dano ou invasão. Enquanto a defesa é uma reação – justa e muitas vezes necessária – para reparar uma agressão que já aconteceu, ou retomar um bem usurpado. Vejo que hoje há pouco investimento em inteligência e prevenção, no sentido de demover o intuito de quem pretende atacar a propriedade alheia, seja no campo ou na cidade. Com a comunicação entre grupos envolvidos na dinâmica de segurança, podemos ter mais ações preventivas e melhorar as reações contra quem insista em delinquir.
SNA: O agronegócio representa um percentual robusto do PIB, alavanca a balança comercial, alimenta milhões de pessoas dentro e fora do país, além da geração de empregos e da cadeia produtiva. Seus representantes eleitos, no entanto, enfrentam resistência no parlamento e são tratados de forma pejorativa. Há uma dificuldade de a sociedade perceber a importância do problema da insegurança no campo como algo que afeta a todos, bem como prevalência das ideologias acima do pragmatismo por parte de certos governantes?
Gen. Marco Aurélio: Vejo como dois lados distintos, o político e o operacional. Há um fenômeno mundial nesse momento em que se levanta algumas bandeiras sociais para fins de disputa partidária, algo até antigo, mas que se intensificou nos últimos anos. É uma luta renhida que deve perdurar por bastante tempo. Não creio numa solução romantizada em que os adversários se entendam nem em médio prazo. Agora, do lado operacional, acho que há inclusive um descaso por parte de muitos proprietários, que não se preparam adequadamente para a defesa de seu patrimônio. Não entendem que o processo de ameaça à propriedade é político-social, que acaba se tornando criminoso e que deve ensejar planejamento jurídico e operacional de defesa. É inviável esperar por ajuda do Estado, que tampouco possui condições de atender um território do tamanho do nosso. Em outros países, há uma coordenação entre o público e o privado. O dono da terra se prepara com câmeras, pavimenta estradas, identifica pontos de risco que precisam de monitoramento mais sensível, de modo que, ocorrendo algum problema, ele e os vizinhos já dispõem de uma rede integrada que facilitará o trabalho estatal. Há colaboração e o entendimento mútuo de que nenhuma das partes pode atuar sozinha. Por aqui, a discussão política mobiliza as atenções e ninguém age na prática.
SNA: Há uma movimentação, atualmente, no sentido de robustecer o seguro rural. Isso ajuda, ainda que no curto prazo?
Gen. Marco Aurélio: O seguro é uma contenção de danos. Volto a dizer, é preciso agir preventivamente. As pessoas ainda têm uma visão muito estreita da segurança, pois a cada dólar que se investe em prevenção, se economiza 25 na contenção de danos. Com drones, satélites e outras tecnologias, se combateria, em tese, mais facilmente quadrilhas que vêm aterrorizando pequenas cidades, apelidadas de “novo cangaço”. A Constituição de 1988, ao manter a segurança pública como atribuição estadual, cometeu um erro, a meu ver. Como esperar que Minas Gerais, por exemplo, com mais de 800 municípios, dê conta do policiamento dessa imensidão? Deveria ser algo a cargo local, de responsabilidade constitucional dos municípios, com recursos e decisões capilarizadas, na ponta do sistema, onde está a população mais vulnerável. Aglutinando cidades num mesmo cinturão geográfico, com acessos em comum, poderiam se formar consórcios para gerir cada perímetro. Fizemos isso nas olimpíadas, pelo caráter excepcional do evento. Os chamados centros de consciência situacional poderiam ser polos de monitoramento e resposta. Mas falta vontade política e discernimento dos agentes particulares e públicos. Londres, por exemplo, após sediar os Jogos de 2012, incrementou seu sistema de monitoramento de 500 mil câmeras para 4 milhões, e valendo-se de reconhecimento facial. Isso inibe malfeitores, limita sua circulação, ajuda a localizá-los e proporciona a facilidade de fazer a abordagem policial de forma segura e eficaz, além de baixar a reincidência.
SNA: Como seria possível transpor essa logística para o campo?
Gen. Marco Aurélio: Da mesma forma, monitorando os acessos às propriedades designando perímetros comuns e cadastrando pessoas e veículos da região, ou que costumam utilizar suas vias, além de montar um banco de dados de pessoas que já participaram de invasões, ou cometeram crimes na região, por exemplo. Estabelecendo corredores de câmeras em regiões de tráfego pesado como Brasília, em função de ser a capital federal e palco frequente de protestos. No caso dos produtores, podem atuar conjuntamente, até mesmo em cooperativas, de modo a diluir os custos, centralizar a parte operacional e otimizar resultados. Agora, tudo isso só faz sentido se as invasões que se tornaram regra forem tratadas como criminosas, e a bandidolatria usualmente praticada por agentes da justiça – que protegem o criminoso e incriminam o proprietário que defende seu patrimônio – deixe de acontecer. Políticas públicas como distribuição de títulos de terra são bem-vindas, mas a aceitação governamental da invasão de terras como justiça social torna qualquer avanço no sentido do aperfeiçoamento da segurança no campo.
Por Marcelo Sá – jornalista/editor – (MTb 13.9290)