A pandemia vai alterar o panorama mundial de produção e consumo de alimentos, e deverá acelerar tendências que já se desenhavam para um futuro não tão próximo. Para a Embrapa, as mudanças vão exigir mais da pesquisa pública agropecuária para encontrar novos produtos, disseminar tecnologias e adequar pequenos e médios produtores às novas exigências do mercado, em parceria com o setor privado.
Nesse contexto, Celso Moretti, presidente da Embrapa, está redesenhando o modelo de integração que a estatal deverá seguir, tônica desde o início de sua gestão, em meados de 2019. “A ideia é nos tornar sócios de empresas privadas em iniciativas pontuais, ao invés de assinar contratos para desenvolver uma tecnologia específica. Vamos dividir riscos, custos e dividendos”.
Um dos objetivos imediatos é encontrar variedades de trigo viáveis para a produção no Nordeste. Um dos poucos produtos agrícolas em que o Brasil não é autossuficiente, o trigo ligou o alerta da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, depois de restrições de alguns países exportadores para suprir mercados internos na pandemia.
O movimento não afetou o Brasil, que importa principalmente da Argentina e do Canadá, mas fortaleceu a necessidade de expandir o plantio mirando novas fronteiras agrícolas, como o Matopiba (confluência entre os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e até no Ceará.
Moretti reforça que o novo modelo mais próximo do setor privado tem como objetivo dar “maior sustentabilidade financeira” à Embrapa no médio prazo para tocar projetos focados em “quatro S”: sanidade do alimento, saúde humana, segurança do alimento e sustentabilidade, tendências e exigências impostas pela pandemia para os próximos 30 anos.
Obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares vão influenciar os hábitos de consumo e impactar no tipo de alimento que deve ser produzido, principalmente com a ascensão do público idoso, estimado em 1.5 bilhão de pessoas acima de 65 anos em 2050.
A pesquisa pública, disse o presidente da Embrapa, já busca desenvolver alimentos com maiores teores de vitaminas, sais minerais e compostos bioativos, como a farinha de milho que pode substituir a de trigo em algumas situações, mas será preciso intensificar o trabalho focado na acentuação de restrições alimentares. “É possível reduzir as gorduras saturadas presentes em carnes de suínos, bovinos e aves para termos produtos com menores teores de colesterol”.
A edição de genes também vai ganhar força. A Embrapa já desenvolveu uma soja capaz de produzir proteína usada no tratamento do vírus HIV, mas não ganhou escala industrial. “Mostramos que é possível”, afirmou Moretti, que imagina usar a tecnologia para criar vacas que produzem leite com menos alergênicos. “Podemos transformar o metabolismo de planta ou animal para que eles produzam substâncias e projetem organismos vivos que satisfaçam os desejos da humanidade”.
O método é usado, por exemplo, em estudos para o desenvolvimento de soja e feijão tolerantes à seca e a nematóides, doenças nas raízes. “Estamos aprendendo a trabalhar com as tesouras genéticas. Tem uma caminhada de mais três a cinco anos para conseguirmos ter produtos colocados lá na ponta”. Entre as possibilidades está a produção de machos estéreis de insetos para tentar reduzir a população de pragas em determinada região.
Valor Econômico