Prestes a completar 25 anos de trabalho na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – nos últimos cinco meses como presidente interino -, o pesquisador paulista e doutor em produção vegetal Celso Luiz Moretti tem um receituário pronto para “repotencializar” a estatal, como querem o presidente Jair Bolsonaro e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, mesmo em tempos de restrições de orçamento.
Moretti quer jogar as fichas em projetos nas áreas de bioeconomia, conectividade, sustentabilidade e edição genômica, a partir das quais acredita que é possível gerar “trilhões de dólares” para o país e garantir retorno para a empresa, sobretudo por meio da ampliação de parcerias com o setor privado.
Cotado para ser efetivado no comando da Embrapa, o pesquisador não concorda que, apesar da escassez de recursos, tenha parado no tempo. Mas reconhece as dificuldades de trabalhar com um orçamento que foi de R$ 3.6 bilhões em 2019 e ficará em R$ 3.8 bilhões em 2020, mais de 80% comprometidos para o pagamento de pessoal.
Em entrevista ao Valor, Moretti, como seus antecessores, defendeu a necessidade de modernizar a estrutura e a forma de atuação da Embrapa. “Temos de ser uma metamorfose ambulante. Trabalhar para aumentar potencialidades e diminuir fragilidades”.
Por ora afastada, a possibilidade de privatização da estatal, já aventada pelo governo, é considerada por ele “um erro grave”. Mas, nada nostálgico, troca o apego aos anos dourados das décadas de 1970 e 1980, quando a Embrapa foi fundamental para a conquista do Cerrado, por pragmatismo.
Nesse sentido, uma das prioridades é reduzir custos, com a reavaliação do número de unidades existentes e de cargos comissionados. E, diferentemente do ex-presidente Sebastião Barbosa, exonerado em julho, Moretti está aberto à contratação de uma consultoria para auxiliar a Embrapa nesse processo, que por enquanto permanece no terreno das intenções.
Sobre a aposta em bioeconomia, a intenção é desvendar a sequência de genes de animais, plantas e microorganismos. “Menos de 2% das espécies são catalogadas com genoma definido. Imagine quando chegarmos a 10% das espécies de animais, plantas e microorganismos?”
A Embrapa tem o quinto maior banco genético do país, com 120.000 amostras, e tem potencial, segundo Moretti, para chegar a 700.000. Ele diz que, a partir do patrimônio existente, é possível buscar novas variedades ou genes resistentes a pragas e doenças. Entre as pesquisas nessa frente, Moretti destaca a produção de morfina a partir da casca do café.
Em todos os campos, ele diz que é preciso utilizar melhor a “grife” Embrapa, de forma a ampliar um retorno financeiro que já existe, “mas em valores muito menores do que a gente pode fazer”.
O pesquisador lembra, por exemplo, que no passado diversas cultivares foram lançadas e não foram “adequadamente protegidas”. “Hoje elas fazem um sucesso tremendo e a Embrapa não recebe nada por isso”, afirma. Nesse contexto, modernizar a imagem da empresa junto ao setor produtivo também faz parte da estratégia.
“Nosso papel é funcionar como uma locomotiva limpa-trilho. Vamos limpando o trilho e atrás vem o setor privado gerando emprego e renda e pagando impostos – e esses impostos vão sendo revertidos para nossas pesquisas”.
Nessa mesma lógica, afirma Moretti, a Embrapa também precisa se aproximar do que ele chama de “urbanoides”, a população das cidades influenciada pelas redes sociais e pela opinião de celebridades que distorcem a realidade do agronegócio e da pesquisa nacional. “Temos de nos comunicar mais e melhor”, diz ele, destacando que essa é outra prioridade para 2020.
Segundo Moretti, a Embrapa também está atenta às mudanças nos hábitos do consumo de alimentos e a novas ondas como a que move o avanço das proteínas vegetais.
Nessa frente, a estatal assinou contratos com as empresas Marfrig e Sottile Alimentos para a comercialização de hambúrgueres à base de fibra de caju e nuggets de siri desenvolvidos por suas unidades no Ceará e no Rio de Janeiro. “É um mercado que já movimenta cerca de US$ 7 bilhões por ano e pode chegar a US$ 120 bilhões em 2030”, afirma o pesquisador da Embrapa.
Segundo ele, com essas e outras ações, inclusive a expansão da presença na África, a estatal será capaz de ajudar o país a suprir metade da demanda por alimentos no mundo até 2030. “Não tenho dúvidas de que o Brasil poderá alimentar metade da população global, de 8,5 bilhões de pessoas até lá, se quiser e tiver espaço”, vislumbra, tudo isso, claro, “sem cortar nenhuma árvore de nenhum bioma”, disse.
Meta é que 40% dos projetos da estatal sejam feitos com a iniciativa privada
Ao se encontrar com a ministra Tereza Cristina em julho, para ser comunicado de que substituiria interinamente o ex-presidente Sebastião Barbosa no comando da Embrapa e acumularia o cargo de diretor-executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da estatal, Moretti recebeu a seguinte orientação: “Põe ordem na casa, organiza os processos, dá andamento naquilo que é importante, não deixa a empresa parar e retoma coisas que estão paradas”.
De lá para cá, diz ele, o ambiente na empresa, que era “complexo”, melhorou, pesquisas que estavam em curso tiveram prosseguimento e novas tecnologias importantes foram entregues.
Segundo ele, também houve avanços na pesquisa contra a ferrugem asiática da soja. Além disso, foi lançado o bioinsumo BiomaPhos, inoculante formulado a partir de duas bactérias capaz de ativar o fósforo depositado no solo e gerar aumento de até 10% na produtividade de lavouras de milho testadas.
Moretti calcula que a reserva subterrânea de fósforo vale US$ 40 bilhões no País. Como o Brasil depende de importação de fertilizantes fosfatados, o volume chega a 5,5 milhões de toneladas por ano. A novidade pode reduzir os custos dos produtores. “Há uma lenda que diz que a Embrapa está parada. A empresa continua entregando muito”, informa o pesquisador.
O estudo do BiomaPhos, que durou 17 anos, foi feito em parceria com uma empresa privada. Estratégia que deverá se tornar cada vez mais comum, caso Moretti seja mesmo escolhido para assumir a presidência da Embrapa em caráter definitivo.
Hoje, metade dos 850 projetos de pesquisa da empresa são financiados com recursos privados. São 400 contratos assinados por ano, fundamentais, tendo em vista que apenas R$ 500 milhões dos R$ 3.7 bilhões do orçamento da empresa são investidos em pesquisas e na manutenção de centros. O restante é destinado ao pagamento de salários.
Mesmo assim, Moretti vê avanços. O Congresso aprovou uma ressalva ao Orçamento de 2020 e garantiu que R$ 350 milhões destinados às pesquisas da Embrapa não serão contingenciados. O desligamento previsto de 1.300 funcionários pelo Plano de Demissão Voluntária (10% são pesquisadores), também deverá aliviar as contas. Hoje são 9.450 funcionários no total.
A meta é que 40% dos projetos tocados pela Embrapa sejam feitos em parceria com o setor privado até 2022, em comparação com os atuais 17%. Segundo Moretti, a proximidade com a iniciativa privada também traz ganhos de qualidade e liberdade à pesquisa, segurança para captar e gerir os recursos e aproxima os pesquisadores da realidade do agronegócio.
Valor Econômico