Com o intuito de amenizar os prejuízos provocados pelos preços baixos e pelo aumento dos custos de produção, os cafeicultores brasileiros estão ajustando as estratégias e alguns até já avaliam abandonar as áreas de produção.
Se a medida parece drástica, o cenário não permite otimismo. Na bolsa de Nova York, as cotações do café arábica, espécie mais produzida no Brasil, país responsável por um terço da oferta global, recuaram 47% desde novembro de 2016, segundo levantamento do Valor Data.
Neste ano, os contratos de segunda posição de entrega (normalmente, os mais negociados na bolsa) acumulam queda de 11,7%. O preço médio da commodity está no menor patamar desta década, pressionados pela oferta abundante. O banco holandês Rabobank estima que haverá um superávit global de 5.3 milhões de sacas na safra 2018/19, que vai até setembro.
Além disso, os custos com mão-de-obra e fertilizantes subiram, espremendo a rentabilidade dos cafeicultores. De acordo com estimativas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os custos da safra 2019/20, que começou a ser colhida neste mês, devem ser entre 5% a 15% maiores que os verificados na temporada passada.
Com isso, o Valor Bruto da Produção (VBP) de café arábica deve totalizar R$ 15.7 bilhões em 2017, com retração de 23,8% frente aos R$ 20.6 bilhões do ano passado, segundo a estimativa mais recente do Ministério da Agricultura. No auge desta década, em 2010, o montante foi R$ 10 bilhões maior.
“Produtores estão planejando abandonar talhões ou não renovar áreas e há até quem esteja disposto a parar de produzir de vez”, disse Lucas Alckmin, diretor de café da Cooperativa Regional Agropecuária de Santa Rita do Sapucaí (CooperRita), de Santa Rita do Sapucaí (MG). A cooperativa reúne 600 cafeicultores, e deverá receber cerca de 150.000 sacas em 2019/20.
Segundo Alckmin, os produtores do grão estão no vermelho desde novembro do ano passado. Na região da Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais, as contas do produtor não fecham. A saca de café valia, na última semana, R$ 373,00, em média. Em contrapartida, o custo de produção na safra é de R$ 450,00, sendo R$ 115,00 somente para os trabalhos de colheita, segundo cálculo da CooperRita.
Também produtor, o diretor da cooperativa está ajustando os planos para minimizar o prejuízo. “Já tem talhões que não adubei e que farei a última colheita. Optei por ‘gigolar’ a lavoura”, disse Alckmin. Entre os produtores de café, o termo designa aqueles que decidem aproveitar ao máximo o que o pé de café produzir, mas sem investir nele.
O que tem convertido alguns produtores em “gigolôs de café” é a intenção de reduzir os gastos e, com menor oferta, garantir melhores preços. A estratégia, mais comum entre os produtores das regiões de montanha, pode ser utilizada por um ou dois anos.
Alckmin disse que, depois desse período, ou o produtor volta a adubar ou o pé de café morre. Normalmente, essa é mesmo a intenção. Dos 400 hectares que mantém na Fazenda Santo Antônio II, em Santa Rita do Sapucaí, 10% foram “gigolados”. “Prefiro produzir menos e ter rentabilidade do que ser recordista de produção”, afirmou o diretor da CooperRita.
Na avaliação do assessor técnico da Comissão de Café da CNA, Maciel Silva, os produtores de regiões de montanha sofrem mais porque a colheita não pode ser mecanizada como em áreas planas. Além disso, em anos de bienalidade negativa, os safristas tendem a cobrar mais pela atividade, disse Silva.
“Quem tem lavoura mecanizada tem melhores condições, mas muita gente já perdeu dinheiro com a queda dos preços do grão”, corroborou o chefe-adjunto técnico da Embrapa Café, Lucas Tadeu Ferreira. Segundo ele, os produtores não devem abandonar a atividade por completo, apesar das dificuldades. “Um hectare de café pode custar mais de R$ 20.00,00 para implantar. É complicado abandonar um investimento em uma cultura que é perene”, disse.
Mas os produtores não podem simplesmente deixar de colher, advertiu Vanusia Nogueira, diretora da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Manter os frutos no cafeeiro aumenta os riscos da broca do café, larva que provoca perdas nas lavouras.
Na Colômbia, porém, a situação é tão alarmante que deixar de colher é a escolha de muitos cafeicultores. Roberto Vélez Vallejo, gerente geral da Federação Nacional de Cafeicultores do país, disse ao Valor que, nos últimos três anos, a área plantada caiu 8,5%, de 950.000 hectares para 870.000 hectares. “Nossa colheita é manual e quem contrata funcionários não consegue pagar as contas. Às vezes, a melhor alternativa é simplesmente não colher”, afirmou o colombiano.
Segundo ele, os preços na bolsa de Nova York estão “impraticáveis”, porque o custo de produção no país é de 1,40 centavo de dólar a libra-peso. “Estamos discutindo deixar de negociar o café colombiano na bolsa de Nova York porque a atividade corre o risco de acabar. O governo está dando o suporte, mas a indústria é corresponsável por isso e até agora não se posicionou”, disse Vallejo.
De certa forma, a oferta de café no Brasil representa um desafio para concorrentes como os colombianos, já que a desvalorização do real torna o produto nacional mais atraente. Entre janeiro e abril, as exportações somaram 13 milhões de sacas (aumento de 27%), e devem fechar 2019 próximas de 40 milhões de sacas, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
Valor Econômico