El Niño reduz chuvas no Distrito Federal e impacta produtividade da soja

Pesquisadores identificaram e quantificaram, pela primeira vez, o tanto que o aquecimento da superfície do mar no Oceano Pacífico afeta a produtividade da soja em uma região do Cerrado brasileiro. Foto; Fabiano Bastos

Muito se fala sobre a influência do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) sobre o clima no Brasil, mas, pela primeira vez, pesquisadores da Embrapa identificaram e quantificaram de que forma o aquecimento da superfície do mar no Oceano Pacífico muda o regime de chuvas e, consequentemente, a produtividade da soja em uma região do Cerrado brasileiro.

Em um trabalho que acaba de ser publicado na Revista AgrometeorosAlfredo Luiz, da Embrapa Meio Ambiente (SP), e Fernando Macena, da Embrapa Cerrados (DF), encontraram uma relação entre os anos de El Niño com uma forte redução na precipitação acumulada nos meses de outubro, novembro e dezembro, na região administrativa de Planaltina, no Distrito Federal. Os pesquisadores analisaram registros da série histórica de 1974 a 2022, além de observações diárias na estação meteorológica localizada na área experimental da Embrapa no DF.

“Foi impressionante constatar que a mudança na temperatura da superfície de um oceano distante milhares de quilômetros do Planalto Central brasileiro altera de forma tão impactante a chuva nessa região”, diz Luiz, ao comentar que os resultados mostram uma média nos anos de El Niño (372 mm) 40% inferior à média dos anos de La Niña (623 mm).

Como foi feito o estudo

Os cientistas utilizaram os valores mensais do Indicador Oceânico Niño (ION), um índice fornecido pela Agência Espacial Norte-americana (Nasa), desde 1950, que traz uma média da temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico. Eles consideraram os 12 valores de ION de cada ano, desde 1974 até 2022 (período em que estavam disponíveis dados da estação meteorológica da Embrapa- foto da estação ao lado), para classificar os anos em cinco grupos.

O grupo em que os valores mensais do ION foram predominantemente maiores que +0,5 °C foi considerado como de anos de El Niño. De modo análogo, o grupo em que predominaram variações menores que -0,5 °C foi denominado de anos de La Niña. Grupos sem predominância de valores maiores que +0,5 ou menores que -0,5 °C ou com uma mistura deles foram chamados de: Fim de El Niño; Neutro; e Início de La Niña.

Depois de separados os anos em grupos, foi calculada a média da quantidade de chuva acumulada nos meses de outubro, novembro e dezembro, principal período relacionado ao ciclo vegetativo da soja na região.

Para complementar a pesquisa, os cientistas usaram um simulador de crescimento e rendimento de plantas, chamado STICS, que foi alimentado com dados de clima, solo e planta, considerando o plantio de duas variedades de soja, no solo dos campos experimentais da Embrapa Cerrados. Os dados de solo e das plantas são sempre os mesmos, entretanto, para os dados de clima foram utilizados os valores de chuva, temperatura e radiação solar realmente observados diariamente para cada ano, de 1974 até 2022.

Com o uso desse modelo computacional, foi possível simular a produtividade da soja para plantios em diversas datas, de setembro a dezembro, em todos os anos. Ao fim, foram calculadas as médias de produtividade por época de plantio para cada ano e por grupos de anos derivados do ENOS.

A produtividade da soja foi muito inferior no grupo de anos de El Niño em comparação com os demais grupos, diferença que foi ainda mais evidente quando o plantio simulado se deu nos meses de setembro e outubro. No pior caso, quando semeada no início de setembro, a cultivar de soja BRS 8383IPRO produziu, em média, 2.418 kg por hectare nos anos de La Niña e apenas 493 kg por hectare nos anos de El Niño. Importante destacar que essa diferença diminuiu muito quando a semeadura simulada da soja se deu nos meses de novembro e dezembro.

“O estudo comprovou que os efeitos das fases do ENOS variaram de acordo com a data de semeadura na região de Planaltina, quando as fases do El Niño tiveram impacto negativo na produtividade da soja nas primeiras datas de semeadura e resultados opostos foram encontrados para anos de La Niña”, destaca Macena.

Fotos da estação metereológica e do instrumento da estação: Fernando Macena

Próximo passo: sistemas de antecipação e previsibilidade

“Sabemos que os sistemas de alerta precoce e as ações antecipadas podem ajudar a reduzir os impactos negativos das condições meteorológicas extremas exacerbadas pelo ENOS ou ainda aproveitar os benefícios de condições favoráveis”, completa Luiz. “O próximo passo será identificar períodos-chave, anteriores ao plantio da soja, nos quais a variabilidade do ION ou de outro indicador do ENOS esteja fortemente relacionada com a produtividade da cultura. É uma forma de reconhecer com antecedência a maior probabilidade de aumento ou redução da chuva durante a fase crítica do ciclo da cultura, para que os tomadores de decisão possam, a tempo, planejar alternativas de manejo, data de plantio, mudança de cultura ou ciclo de cultivar para reduzir os prejuízos com possíveis efeitos adversos ou obter vantagem quando as condições climáticas previstas forem mais favoráveis”.

Cristina Tordin (MTb 28.499/SP) Embrapa Meio Ambiente

 

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