“Algumas pessoas dizem que a economia verde tem essa cor por causa do dólar”, afirma, em tom de brincadeira, o embaixador André Aranha Corrêa do Lago. O negociador chefe do Brasil para a Rio+20 se permite zombar dos radicalismos, mas admite que o tema central da conferência da ONU, que ocorre entre 16 e 22 de junho no Rio, ainda carece de definições. Fora a referência óbvia às causas ambientais, o verde, nesse caso, representa o que não é “marrom”, como é chamado o modelo que domina a maior parte das atividades econômicas, em que o avanço de empresas e governos implica em um alto custo para a natureza e a qualidade de vida do homem. O modelo almejado é aquele em que o uso dos recursos do planeta se dá de forma sustentável, sem riscos a espécies e ecossistemas, mas também sem inviabilizar o avanço dos negócios e o bem-estar.
Contagem regressiva para a Rio+20
Como qualquer atividade econômica, que movimenta lucros e interesses, há preocupações com a nova ordem que pode emergir a partir de propostas e modelos discutidos em encontros como a Rio+20. O Rio de Janeiro, na posição de quem deve dar exemplos como sede da conferência, criou uma subsecretaria estadual para a economia verde, ligada à secretaria de Meio Ambiente. Pioneira na implementação do conceito em nível governamental no Brasil, a subsecretária Suzana Kahn, que foi vice presidente do Painel Intergovernamental de mudanças climáticas (IPCC) até 2014, prefere ver a questão com o pé no chão. “No fundo, a economia verde pode manter a situação atual de dominância dos ricos em relação aos pobres. Como nós não temos dinheiro suficiente para investir em tecnologia, acabaríamos tendo que importar os painéis solares e as turbinas eólicas fabricadas por eles”, exemplifica. Outra área sensível apontada por Suzana é a possibilidade de os países desenvolvidos usarem as novas regras economia verde para implementar barreiras comerciais protecionistas. “O que precisamos é criar salvaguardas para que isso não crie distorções”, alerta.
Desde já estão sendo discutidas formas de fazer com que, a partir da Rio+20, empresas, governos e entidades não governamentais possam estimular uma guinada em relação ao sistema de exploração dos recursos naturais de hoje. O ‘modus operandi’ da economia atual falhou, afirma Suzana, ao deixar de resolver os desafios impostos pelo meio ambiente, ao não se mostrar eficaz para dividir riqueza e ao deixar de promover melhor qualidade de vida para boa parte da população. A economia, até aqui, caminhou desprezando a limitação dos recursos naturais e criou problemas que vão além dos países, dos continentes, como problemas climáticos, desequilíbrios de abastecimento e elevação do risco de desastres naturais.
Para Suzana, esse é o quadro “não é sustentável”. “Temos todos os motivos para nos prepararmos para um mundo sem petróleo, que é um recurso finito. Por isso, o Rio é um local ideal para se praticar o exercício da economia verde. Temos que aprender a saber migrar e ter um tipo economia que não dependa tanto desses recursos”, explica.
Enquadrar a questão social na discussão é justamente a grande preocupação do Brasil em relação às implicações da economia verde. Uma das propostas brasileiras é a de acréscimo da expressão “inclusiva” ao termo, no documento final da Rio+20. “Em economia verde inclusiva, você teria os três pilares do desenvolvimento sustentável, que são o econômico, o ambiental e o social”, afirma Corrêa do Lago. Para o embaixador, o maior obstáculo para as políticas do desenvolvimento sustentável é dificuldade de enquadrar o aspecto econômico. “É raro ver uma pessoa da área econômica se referindo a desenvolvimento sustentável”, afirma Corrêa do Lago.
1,3 trilhão de dólares para reciclar o mundo
A grande virada da economia verde é convencer de que, apesar de requerer mais investimentos a curto prazo — assim como a maioria das iniciativas de sustentabilidade —, o sistema proposto se mostra lucrativo no longo prazo. Ou seja, do ponto de vista do relatório da Iniciativa para Economia Verde (GEI, sigla em Inglês), a economia marrom atual é menos rentável. A partir da perspectiva de lucro, atrai-se – ou, pelo menos, espera-se atrair – o empresário.
Melinda Kimble, vice-presidente do Fundo para as Nações Unidas, órgão especializado em arrecadar recursos para ajudar a financiar a ONU, afirma que essa é uma forma de engajar a iniciativa privada. “O setor privado não faz doações. Ele precisa de um retorno no investimento para mobilizar recursos. É por isso que precisamos da economia verde”, explica.
De forma prática, o relatório da GEI aponta para dez setores chave para onde os recursos devem se encaminhar: edificações, florestas, turismo, água, gerenciamento de lixo, energia renovável, transportes, pesca, indústria e agricultura. O documento, que congrega ideias e avaliações sob o ponto de vista da economia verde, aponta a necessidade de investimento anual de 2% do PIB mundial, o que corresponde a aproximadamente 1,3 trilhão de dólares, nos patamares atuais.
Fonte: Exame.com