O momento é de interrogação para a cadeia de lácteos, principalmente porque houve um déficit na oferta de leite durante algum tempo. Na entressafra, a produção contabilizou prejuízos por causa da umidade e das baixas temperaturas, que dificultaram e continuam travando o crescimento do pasto e prejudicando a alimentação das vacas. Diante deste cenário, para o diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) Alberto Figueiredo, é justificável o aumento expressivo dos preços pagos ao produtor, em julho.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), no mês passado, o valor pago pelo litro de leite subiu em todos os Estados mensurados (Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo), alcançando R$ 1,49994 por litro (o maior da série histórica do órgão), alta de 12,9% sobre junho, e de 30,7% em relação a julho de 2015.
Figueiredo lembra que, ao mesmo tempo, ocorreu a elevação do custo de produção do leite, causado pelo aumento dos preços dos insumos, principalmente da soja e do milho, e ainda por um terceiro fator: a diminuição do poder aquisitivo que, de certa forma, reduziu o consumo dos produtos lácteos.
“Esses fatores conjugados fizeram com que, temporariamente, no período de junho a julho, e em pequena parte do mês de agosto, nós tivéssemos os preços do leite ao produtor superavaliados”, analisa o diretor, que também representa a SNA na Câmara Setorial de Leite e Derivados, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
EXPECTATIVA
Para agosto, a expectativa de representantes de laticínios/cooperativas consultados pelo Cepea é novamente de alta nos preços, devido à baixa disponibilidade de matéria-prima. Mas Figueiredo faz uma ressalva: “A falta da matéria prima se explica de uma forma simples, é a lei da oferta e da procura. Na medida em que diminui a oferta, a indústria começa a remunerar melhor àqueles que o atendem e, nessas condições, os preços aumentam”.
Ele afirma que, atualmente, há uma competição entre as indústrias, na busca de matéria-prima, o que as leva a pagar preços fora da realidade.
“Os preços acima de R$ 1,50, praticados neste momento, são irreais e até mesmo nocivos, inclusive, no que diz respeito ao dumping e às ações de empresas capitalizadas, que agem desta forma para tirar fornecedores de outras companhias”, alerta. E acrescenta: “Nos últimos dias, estes fatores já se modificaram de maneira bastante drástica, ao ponto de se esperar uma queda vertiginosa nestes valores em relação àqueles que serão praticados em setembro, quando comparados a agosto”.
Para o diretor da SNA, o preço do leite, hoje, poderia girar em torno de R$ 1,60, mas pela competição alguns produtores estão recebendo até R$ 2,00: “É bem provável que, a partir de setembro, o litro do leite não passe de R$ 1,20”.
Na opinião dele, o atual quadro está com os dias contados: “Sem dúvida, essa valorização tem tempo determinado e, certamente, a queda para o produtor será maior do que a queda para o consumidor, porque, possivelmente, o consumidor não sinta tão rapidamente a diminuição do valor quanto os produtores sentirão”.
FUTURO DO SETOR
Ao analisar o futuro da atividade leiteira no Brasil, Figueiredo destaca algumas características fundamentais para aqueles que pretendem desenvolver um trabalho de forma sustentável e rentável.
“Acredito que o projeto de produção de leite deve ser pensado, sempre, em médio e longo prazo, jamais em curto prazo. Não pode se basear nem nos extremos superiores e nem nos extremos inferiores, por ser um projeto de médio e longo prazo que precisa ser bem analisado, inclusive com dados históricos”, orienta. “Àqueles que analisarem o cenário atual e quiserem entrar nesta atividade, para aproveitar o momento, em minha opinião, não haverá tempo”, avisa.
O diretor da SNA também salienta que, apesar da euforia momentânea, é preciso muito cuidado e compreensão do mercado para assumir risco: “Acho que esse assunto está sendo extremamente debatido. Há uma oferta internacional de leite a preços competitivos”.
Ainda destaca que o leite em pó reidratado importado está chegando para as indústrias na faixa dos R$ 1,20 por litro: “Isto significa que dificilmente as indústrias que têm a possibilidade de importação pagarão ao produtor brasileiro mais do que isso”.
Em sua avaliação, o problema é que os custos de produção subiram muito, mais do que o valor pago ao produtor, e isso ocasionou uma diminuição na renda do produtor. “Esse equilíbrio é que precisa ser pensado, sob pena de provocar uma grande debandada de produtores para outras atividades ou até mesmo para a zona urbana, desistindo de sua atividade produtiva, como já aconteceu anteriormente”, arremata.
QUADRO DE CRISE
Pesquisador da equipe de Pecuária de Leite do Cepea/Esalq-USP, o analista de mercado Wagner Hiroshi Yanaguizawa diz que o momento é de crise, porque os baixos níveis de oferta no campo impulsionaram os preços pagos ao produtor, a um patamar recorde da série histórica da instituição.
“Temos ouvido muitos relatos de produtores desestimulados com a atividade e até de alguns saindo da produção de leite, mas acredito que seja um momento passageiro e que a cadeia evoluirá com esta crise e seguirá progredindo”, acredita o analista.
Yanaguizawa relata que os preços atingiram tais patamares por causa da baixa oferta de leite no campo, provocado por dois importantes fatores, que contribuíram diretamente para o atual cenário: o desestímulo do produtor para produzir leite e os problemas climáticos causados pelo atraso das chuvas no Centro-Sul do País; o efeito da estiagem de cinco anos no Nordeste.
Posteriormente, a vinda das águas de forma muito intensa e duradoura no Nordeste afetou a qualidade e o desenvolvimento das pastagens, na maioria das bacias produtoras, e ainda atrapalhou a logística de coleta de leite no campo, por parte dos laticínios. Isto porque a maior parte das estradas não é pavimentada.
De acordo com o pesquisador do Cepea, 2015 foi um ano de demanda fraca, devido a crise econômica e, com isto, os preços pagos aos produtores foram baixos. Em contrapartida, ele destaca que os custos de produção aumentaram muito, impulsionado pela alta dos preços dos combustíveis, da energia elétrica e, principalmente, do milho e do farelo de soja.
Diante de um cenário desfavorável, Yanaguizawa comenta que muitos produtores migraram para a pecuária de corte, atraídos pelos bons patamares de preços da arroba do boi gordo e do bezerro, que têm se sustentado há alguns meses. “E estes produtores que saíram da atividade não vão voltar a produzir em curto prazo.”
MATÉRIA PRIMA
Em razão do momento, o analista de mercado afirma que a falta de matéria prima afeta diretamente o elo final da cadeia, que é o consumidor: “Com a escassez de matéria prima, o produto acaba se valorizando muito. Em uma situação de crise econômica que acompanha o País, e a consequente perda de poder de compra do consumidor, a demanda pelos derivados de leite – que, em sua maioria, são considerados itens de ‘luxo’ pelo consumidor – cai bastante, afetando toda a cadeia”.
Assim como o diretor da SNA Alberto Figueiredo, Yanaguizawa acredita na mudança deste cenário atual, com a chegada das águas, por volta de setembro-outubro, no Centro-Sul do Brasil, onde se concentram as principais bacias leiteiras.
“Se as chuvas mantiverem a sazonalidade, a qualidade das pastagens melhora; a produção e a produtividade das vacas aumentam. Portanto, a oferta deve recuperar nos próximos meses e os preços tendem a reduzir”, prevê o pesquisador do Cepea.
Foto da capa: Alcides Okubo Filho/Embrapa Gado de Leite
Texto: por equipe SNA/SP