Diferença de preços pode acelerar o avanço da soja em áreas de cana

Os preços da soja, que estão quebrando recordes há meses no País, deverão incentivar o avanço do cultivo do grão sobre áreas de cana-de-açúcar de fornecedores independentes no centro-sul, já que a cultura foi muito afetada pela pandemia por causa da redução do consumo de etanol. Segundo análise da consultoria Pecege, os preços pagos atualmente aos produtores pela sacarose da cana e pela saca do grão justificam a migração.

O valor pago pelos Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) no acumulado da atual safra sucroalcooleira 2020/21 (até setembro) está, em média, em R$ 0,6877 o quilo, enquanto a saca da soja em Paranaguá está a R$ 163,54. Diante desses preços, o grão é mais rentável que a cana, segundo o estudo do Pecege.

Pela análise da consultoria, a cana só é mais atraente quando o quilo do ATR está em R$ 0,68 ou acima desse patamar e quando a soja está abaixo de R$ 63,00 a saca. Na medida em que sobe o preço do ATR, a cana até consegue ficar mais competitiva quando a soja está com preços um pouco mais altos, mas não nas máximas atuais.

Se o valor pago pelo ATR subisse para R$ 0,75 o quilo, a soja teria que cair para R$ 55,00 para deixar de ser competitiva, um terço do preço atual.

A análise da Pecege levou em conta apenas o valor do ATR regulado pelo Consecana, sem contar bonificações das usinas aos produtores. Segundo Haroldo Torres, diretor da consultoria, os pagamentos acima do valor do Consecana giram em torno de R$ 5,00 por tonelada, o que representaria cerca de R$ 400,00 a mais por hectare, dada a produtividade da safra atual.

Mas ele ressalta que o valor depende do acordo com a usina, que pode envolver um valor fixo do ATR, um percentual sobre o Consecana ou um subsídio sobre os custos de corte e transporte da cana. Os fornecedores representam um terço do volume de cana moído no centro-sul, estimado nesta safra em quase 600 milhões de toneladas.

A comparação entre a rentabilidade das duas culturas foi feita com base nos custos de produção de soja da safra 2017/18, quando a produtividade foi mais próxima da normalidade, e dos custos de produção da cana na safra 2018/19.

O fato de a soja ser em geral mais rentável que a cana não deve implicar, necessariamente, uma mudança permanente de cultivo. A tendência, disse Torres, é que os produtores cultivem soja em áreas de replantio de cana (que precisa ser replantada a cada seis anos, em média). Mas já há uma parcela, ainda pequena, de substituição, ou de produtores que estão voltando a semear soja pela segunda ou terceira safra seguida ao invés de replantar cana-de-açúcar.

Dessa forma, o que pode ocorrer é que a aposta em soja acentue a tendência de redução de área de cana em São Paulo na próxima safra, disse Torres. “Alguns produtores podem migrar para a soja nesta safra (em áreas de reforma de cana) e só voltar com cana no fim de 2021 ou no início de 2022”.

A expansão da soja em áreas canavieiras tradicionais vem ocorrendo há alguns anos, mas nesta safra os preços recordes devem dar um impulso maior. Entre os cooperados da Coplacana, sediada em Piracicaba, a área com a oleaginosa deve saltar de 50.000 hectares na safra passada para até 100.000, afirmou Fábio Veloso, diretor de operações da cooperativa.

Segundo ele, a maioria dos produtores está apostando na soja nesta safra para gerar caixa de forma mais rápida. “Mas já há quem comece a olhar os cereais com visão de longo prazo”. O cultivo vem sendo apoiado pela cooperativa, que passou a oferecer parcerias com fornecedores de insumos e assistência técnica voltada à soja, e está ampliando a capacidade de recebimento do grão.

A vantagem da soja é que o retorno com a venda é imediato, já que sua colheita ocorre poucos meses após o plantio, disse Veloso. Já a colheita da cana ocorre mais de um ano após o plantio, gerando um descasamento entre os níveis de câmbio no momento da compra dos insumos e de venda do produto.

Além disso, o produtor de soja tem a opção de realizar barter com os fornecedores, suavizando impactos cambiais, enquanto a remuneração da cana está ligada aos preços de açúcar e etanol, expostos tanto ao mercado externo quando interno.

Mesmo em safras anteriores, a soja já vinha registrando vantagem econômica em relação à cana, o que explica a expansão da cultura em São Paulo.

Na safra 2017/18, a cana deu um prejuízo líquido de 11,65%, enquanto a soja transgênica com proteção ao glifosato e resistente a lagartas, ofereceu ao produtor margem líquida de 28,8%, conforme o estudo do Pecege. No caso da soja não transgênica, a margem foi maior, de 38,82%.

Na safra 2018/19, a soja deu prejuízo por causa do El Niño e da alta dos insumos, com resultado negativo de 4,40% no caso do grão transgênico e 11,50% positivos no do convencional. Mas foram resultados “menos piores” que o da cana, que deu prejuízo de 31,50%. Em 2019/20, a cana continuou a dar prejuízo, de 17,40%.

 

Valor Econômico

 

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