Desmatamento já é motivo para ‘bloqueios silenciosos’

Embora ainda seja difícil encontrar uma empresa que atue no agronegócio brasileiro e tenha sofrido boicote total de clientes no exterior ou no país por causa do desmatamento da Amazônia, “bloqueios silenciosos” têm sido cada mais comuns, na forma de maiores exigências, que elevam custos, ou pressão sobre preços.

“Não por outro motivo, os CEOs de 38 grandes empresas fortes no Brasil enviaram a carta ao vice-presidente Hamilton Mourão pedindo ações contra o desmate (dois executivos pediram depois para serem incluídos, o que já elevou o número para 40), afirma uma fonte do ramo agroindustrial.

“Muitos deles já devem ter sentido no bolso essa pressão em suas negociações, principalmente com importadores”.

E não precisa ser tão grande para isso. Aline Rossai, da Andrade Sun Farms, que produz limão tahiti em Mogi Mirim (SP) e já exporta 10.000 toneladas da fruta por ano, não conseguiu começar a vender para um distribuidor alemão por causa dos problemas ambientais no outro lado Brasil.

“Foi uma pena, porque eles nem chegaram a solicitar nosso escopo de certificações ou procurar saber mais sobre o nosso manejo e nossas ações de sustentabilidade”, disse Aline.

Certificações

Na grande maioria dos casos, e em todas as cadeias produtivas, são essas certificações socioambientais, hoje comuns, que têm evitado maiores problemas. Para fundos de investimentos internacionais, sobretudo os que trabalham com “títulos verdes”, tais selos também são fundamentais.

No entanto, não são uma garantia de que todos os problemas estão resolvidos. A Grieg Seafood, uma grande produtora de salmão na Noruega, barrou parte das compras de rações para a aquicultura da subsidiária da Cargill no segmento, sob a alegação de que a companhia tem ligação com o desmatamento da Amazônia.

Mesmo com carimbos de entidades ambientais reconhecidas nas rações que vende para a aquicultura e com as ações que têm adotado para evitar a compra de soja de áreas desmatadas depois de 2008 no Brasil, o índice não chegou a 100%, mas está próximo da marca. A Cargill não conseguiu driblar o problema, embora tenha informado que o embargo não foi total.

Pressões externas

“Quando vemos grandes tradings como a americana Cargill e a chinesa Cofco estabelecendo novas metas para a rastreabilidade da soja que compram no Brasil para exportar, como aconteceu recentemente, entendemos como a questão ambiental é urgente”, disse Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), uma das quatro entidades setoriais que assinaram a carta enviada a Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal.

“Talvez os problemas não sejam sentidos nas grandes cadeias de commodities, cujos volumes movimentados são muito grandes. Mas a marca ‘Brasil’ está sendo minada e, nas negociações ‘B2B’ dos exportadores de produtos de maior valor agregado, já temos diversos relatos desses ‘bloqueios silenciosos’, afirmou Brito.

Arival Pioli, diretor-executivo do grupo Fischer, que em 2020 exportou 5.600 toneladas de maçãs produzidas em Santa Catarina, afirma que sentiu a pressão europeia aumentar no fim da última temporada de embarques da fruta, em junho. “Importadores da Alemanha e da Espanha fizeram um alerta por telefone dizendo que, se o Brasil não controlar a situação do desmatamento, poderão suspender as compras no ano que vem”.

Pioli disse que, por mais que a produção das maçãs do grupo esteja na região Sul, distante da Floresta Amazônica, a expectativa dos distribuidores da fruta nesses países é que “a gente ajude internamente a repassar a demanda europeia”.

Mas, na prática, Pioli não acredita que haverá retaliação. “Quando chegar a hora de negociar de novo, eles vão olhar prioritariamente para a situação de preços e oferta na América do Sul e na África para decidir de quem comprar”.

Estímulo e informação

Segundo dados compilados pelo Ministério da Agricultura, a União Europeia é atualmente o destino de 16% das exportações do agronegócio brasileiro como um todo, que alcançam cerca de US$ 100 bilhões por ano.

Em boa medida, o fator “eles não têm onde mais comprar” ainda ajuda a garantir que as cadeias exportadoras do agro mantenham seus fluxos de negócios sem maiores tropeços. Mas quando marcas estrangeiras suspendem temporariamente a compra de couro brasileiro por causa de incêndios na Amazônia, como no ano passado, o sinal apita.

“Além disso tudo, o Brasil está perdendo oportunidades. O país tem grande potencial de redução das emissões de gases e pode ganhar com isso”, disse Brito. Um dos compromissos da Abag é estimular a sustentabilidade do agronegócio brasileiro; outro, segundo o executivo, é ajudar os exportadores a mostrar aos importadores que a realidade está mudando.

“Temos a lei (Código Florestal), que é boa, e a tecnologia necessária para fiscalizá-la (imagens de satélite etc.). Mas sua implementação ainda é frágil e dá margem a esse desmatamento patrimonialista que estamos vendo crescer graças, sobretudo, às ações de grileiros”.

Responsabilidade

Em recente apresentação virtual sobre o novo Protocolo de Monitoramento dos Fornecedores de Gado na Amazônia. que entrou em vigor no dia 1º de julho no âmbito do projeto Boi na Linha, desenvolvido pela ONG Imaflora com apoio do Ministério Público Federal, o procurador da República Daniel Azeredo bateu na mesma tecla.

Segundo ele, são mesmo grileiros e madeireiros ilegais os grandes responsáveis pelo desmatamento na Amazônia, mas o novo protocolo padronizou questões técnicas e deverá facilitar o cumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) firmados por frigoríficos no bioma. Pode ser uma boa proteção para os exportadores de carne bovina contra eventuais boicotes, mas não é um escudo impenetrável.

“A batata, o repolho e a carne de porco que vão para o prato do europeu têm desafios semelhantes aos nossos, e a Europa já demonstrou que o compromisso com a sustentabilidade deve ser do mundo inteiro, com seu plano para a biodiversidade lançado no mês passado”, afirmou Jorge Souza, gerente de projetos da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).

“Vejo a possibilidade de boicotes pontuais, por pressão de um ou outro supermercado, mas nada em massa”. Souza reforçou que todos os associados da entidade trabalham com alguma certificação.

 

Fonte: Valor Econômico

Equipe SNA

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