Descrédito após a Operação Carne Fraca ameaça frigoríficos neste ano

Apesar de comercialmente recuperados do baque causado pela Operação Carne Fraca, os frigoríficos brasileiros começaram o ano ameaçados em diversas frentes. A Rússia, crucial às exportações da carne suína e bovina, segue fechada, enquanto os riscos oriundos de Hong Kong e União Europeia continuam a pairar no horizonte.

A avaliação corrente no setor é que, a despeito da rápida e eficaz reação do Ministério da Agricultura para recuperar as dezenas de mercados que embargaram temporariamente as carnes do Brasil, o País perdeu muito em credibilidade na política sanitária global.

“A Operação Carne Fraca criou um estigma em relação ao Brasil”, reconheceu o Presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar. Desde março do ano passado, quando a investigação da Polícia Federal foi deflagrada, importadores encontraram uma desculpa para as posições que antes seriam mais associadas ao protecionismo.

“Há um oportunismo de mercados que queriam fazer proteção”, disse o Vice-Presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. O exemplo mais evidente é a União Europeia. Depois da Carne Fraca, a UE mudou a sistemática de testes de salmonela na carne de frango.

Os europeus passaram a adotar na carne de frango salgada importada do Brasil o mesmo critério para a carne cozida, na qual não pode haver, justamente em razão do processo de cozimento, a presença de salmonela. Ocorre que a presença da bactéria, que pode causar infecções intestinais, é normal nas carnes in natura como é a salgada.

Contra a mudança de critério dos europeus, o Brasil fez uma reclamação formal na Organização Mundial de Comércio (OMC). No entanto, é sintomático da posição mais frágil do Brasil o fato de agora os exportadores já aceitarem um tipo de certificação que garanta que a carne de frango brasileira será destinada para outras indústrias processadoras na Europa, portanto, para serem cozidas, eliminando risco de salmonela.

Segundo Santin, uma missão de técnicos da UE virá ao País neste mês e há “esperança” de que eles aceitem a certificação de cozimento proposta pelo Brasil. Em todo o caso, técnicos do Ministério da Agricultura já disseram ao Valor temer que as negociações no âmbito das carnes com os europeus sejam afetadas pelos problemas sanitários detectados no setor de pescado. Desde o início de janeiro, os europeus não compram mais pescado do Brasil.

A maior fragilidade em relação aos argumentos protecionistas não é a única sequela da Operação Carne Fraca. Há outra relacionada à capacidade de resposta do Brasil.

Quando realizou, no segundo trimestre do último ano, um périplo de encontros internacionais para resgatar os mercados que se fecharam às carnes brasileiras, o Ministério da Agricultura prometeu uma série de respostas e alterações do sistema de inspeção sanitária. O problema é que a maior parte da legislação sequer chegou ao Congresso Nacional, e respostas a dúvidas de importadores não foram satisfeitas a contento.

A Pasta também prometeu um concurso público para contratar 300 veterinários, mas o processo ainda foi finalizado e deve demorar mais alguns meses para os novos profissionais começarem a atuar de fato nos frigoríficos.

O caso mais emblemático nesse sentido é o de Hong Kong, região administrativa especial da China que importa mais de 25% da carne bovina exportada pelo Brasil e mais de 20% da carne suína. Para garantir aos consumidores que compra carne segura do Brasil, autoridades de Hong Kong decidiram criar uma lista própria de estabelecimentos aprovados, e pediu que o Brasil fizesse suas sugestões.

Mas o Ministério da Agricultura não respondeu e, diante do silêncio, a região propôs uma lista de 80 frigoríficos, bem menos que os 230 que hoje podem exportar, medida que tem potencial para reduzir as exportações para Hong Kong em 30%. “O corpo diplomático brasileiro ficou exasperado com a demora”, indicou uma fonte.

A lentidão do Ministério da Agricultura também é apontada como a responsável pelo embargo russo. Anunciado em novembro, o veto foi visto como uma resposta de Moscou à demora em liberar os mercados de carne bovina, trigo e pescados para os exportadores russos. “Todo mundo já sabia o que os russos queriam e ninguém fez nada. Foi só cortarem o mercado que o trigo foi liberado”, disse a mesma fonte.

Questionado sobre as fragilidades do Brasil, o Secretário-Executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, admitiu que existem “interesses comerciais em jogo” que fazem países importadores pedirem mais agilidade nas medidas na área sanitária. Mas ponderou que a Pasta vem se esforçando para contratar mais fiscais e elaborar um projeto de lei para reestruturar a Secretaria de Defesa Agropecuária.

Valor

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