Na obra “Estiagem e Seca – o Desafio Continua” (Federacite 2022 – 28ª edição), um capítulo se destaca ao explorar as estiagens no Rio Grande do Sul e os desafios da gestão de riscos na agricultura. Neste cenário, a paisagem bucólica do estado gaúcho, onde a agricultura se entrelaça com a cultura e a história local, revela uma luta menos visível: a batalha contra a escassez de água. Este artigo visa aprofundar três aspectos cruciais que moldam o cenário agrícola do Estado: a irrigação em lavouras, o fenômeno El Niño – Oscilação Sul (ENOS) e seus impactos, e o Sistema Plantio Direto (SPD) focado na conservação da água.
Nos últimos 52 anos, pelo menos 15 estiagens severas atingiram o Rio Grande do Sul, afetando não apenas a agricultura e a pecuária, mas toda a economia regional. Diante deste cenário, surge a pergunta: como a tecnologia e a gestão de riscos podem auxiliar na sustentabilidade dos empreendimentos agrícolas?
A inovação é a resposta para a gestão eficaz dos recursos hídricos, conforme destacado no capítulo examinado do livro. A importância da gestão integrada de riscos e da adoção de tecnologias avançadas é enfatizada para melhorar o manejo da água, seja através da irrigação ou da água da chuva. As práticas de manejo eficientes, o uso de tecnologias digitais no campo e a implementação do Sistema Plantio Direto são essenciais para a conservação da água. Essas ferramentas são abordadas como elementos cruciais para enfrentar a variabilidade climática no sul do Brasil.
Irrigação em lavouras: aarte de cultivar com água
No Rio Grande do Sul a irrigação não é apenas uma prática agrícola, é uma arte que dança ao ritmo das chuvas, dando sustentação ao ditado popular em que “a necessidade faz o engenho”.
No estado mais meridional do território nacional, aproximadamente 13% das lavouras de grãos no verão dependem da irrigação, uma realidade que ressalta a importância da gestão hídrica. Mas não nos enganemos, a irrigação não é a panaceia para todos os males da agricultura gaúcha. Ela é uma parte da solução, um complemento vital para a gestão de cultivos e solos, que visa a elevar os rendimentos atuais para níveis mais próximos dos potenciais limitados pela oferta de água das chuvas.
Não é apenas a escassez de água que desafia os agricultores gaúchos. Os riscos são multifacetados, incluindo aspectos como a variabilidade climática, mudanças legais e de mercado, e, até mesmo, desafios pessoais. Portanto, a gestão de riscos na agricultura vai além da simples previsão do tempo; ela exige um entendimento profundo e integrado de todos os fatores que afetam o setor.
A ironia da situação é que, enquanto lutamos para manter nossos pés secos nas cidades, os agricultores do Rio Grande do Sul travam uma batalha constante pela água. Esta dicotomia revela uma verdade maior: a de que os desafios da agricultura moderna são tão vastos e complexos quanto os campos que ela cultiva.
El Niño – Oscilação Sul (ENOS): Impactos climáticos na agricultura
Para completar a complexidade da receita, fenômeno ENOS, com suas fases El Niño e La Niña, agem como um parente distante, cuja principal característica é nunca avisar quando vem visitar e nem os inconvenientes que pode causar. O fenômeno ENOS, com suas fases El Niño e La Niña, influencia significativamente os cultivos. Por exemplo, em anos de El Niño, os agricultores de Santa Rosa podem esperar uma maior produtividade na soja devido ao aumento das chuvas, enquanto em anos de La Niña, os riscos de seca em Bagé exigem estratégias adaptativas para o cultivo do milho e até mesmo para o abastecimento de água da população urbana.
Esses padrões climáticos inconstantes exigem uma compreensão aprofundada e uma resposta ágil dos agricultores, que se veem cada vez mais como meteorologistas amadores em suas próprias terras.
Sistema de Plantio Direto (SPD) – A sabedoria de minimizar a interferência no solo
No SPD, uma técnica amplamente implementada em plantações de soja e trigo no sul do Brasil, o solo é tratado com deferência, minimizando a perturbação excessiva que é confinada à linha de semeadura. Este método preserva a cobertura vegetal na superfície e promove a rotação de culturas, contribuindo significativamente para a conservação e disponibilidade de água, além de melhorar a infiltração e armazenamento de água no solo.
No estado do Rio Grande do Sul, esta prática tornou-se uma ferramenta indispensável na conservação e disponibilidade de água. Em uma ironia, enquanto tentamos controlar a natureza, o SPD nos ensina a humildade de SER trabalhar em harmonia com ela. Aqui, menos é definitivamente mais!
Nesta interseção entre gestão da água, tecnologia e sustentabilidade, a agricultura gaúcha oscila entre o “gota a gota” e o grande dilúvio. Isso nos leva a uma reflexão oportuna: a gestão da produtividade da água é mesmo um dos mais cruciais desafios da agricultura moderna?
Em um mundo onde as mudanças climáticas e o crescimento populacional pressionam nossos recursos naturais, o exemplo do Rio Grande do Sul torna-se um microcosmo de uma questão global.
Afinal, na terra dos gaúchos, onde o clima tem mais reviravoltas que uma novela das nove, a agricultura continua sendo uma arte onde cada gota de água conta. E tal como na arte, nessa abordagem multifacetada, a beleza e o sucesso residem não apenas na técnica, mas na habilidade de adaptar-se, inovar e, acima de tudo, respeitar o palco natural onde essa arte se desenrola. Quem sabe não seja essa a chave para um futuro mais sustentável.
Por Gilberto Rocca da Cunha – Pesquisador da Embrapa Trigo e Marcos Vicente -Jornalista na Embrapa Meio ambiente
Equipe SNA, em parceria com Embrapa Meio Ambiente