Crise do meio ambiente é ameaça para madeira legal

O questionamento de dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) pelo presidente Jair Bolsonaro e o maior número de incêndios na região amazônica nesta temporada reacenderam, com boa dose de desinformação, o debate sobre o avanço do desmatamento no Brasil e a atuação das madeireiras, historicamente associadas à destruição das florestas nativas.

De fato há um problema grave de extração ilegal no Brasil. Mas a dimensão que o assunto ganhou nas últimas semanas, e a confusão entre exploração legal e irregular, trazem riscos para o comércio de madeira nativa certificada e para o segmento de florestas plantadas, que juntos faturam mais de R$ 100 bilhões ao ano e alcançam posição de protagonismo global justamente por causa do manejo sustentável.

“A madeira oriunda de floresta nativa brasileira representa cerca de 10% da produção total do insumo, hoje fortemente baseada no plantio de eucalipto e pinus”, diz o sócio-diretor do grupo Index e da Forest2Market do Brasil, Marcelo Schmid.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados pela consultoria americana, enquanto a produção de madeira a partir de florestas plantadas foi de 216.7 milhões de metros cúbicos em 2017, a de madeira nativa ficou em 35.6 milhões de metros cúbicos. “A tendência é cada vez mais plantar pinus e eucalipto”, avalia Schmid.

Espalhados em diferentes regiões, são 7.8 milhões de hectares de árvores plantadas no país, dos quais mais de seis milhões certificados com selos como o do FSC (do inglês Forest Stewardship Council), que, especialmente na Europa, funciona como pré-condição para o comércio de produtos florestais.

Além disso, para cada hectare de plantio, há 0,7 hectares de conservação, segundo números da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), associação que reúne as empresas de base florestal.

A maior parte dessa madeira abastece os produtores de papel e celulose, mas fabricantes de painéis e pisos laminados, fornecedores de carvão vegetal para a indústria siderúrgica e de produtos sólidos de madeira também são consumidores.

O mercado externo tem baixa representatividade no comércio de toras. No ano passado, segundo a Forest2Market, as exportações de toras de eucalipto ficaram em 234.000 toneladas, e 90% do total foram destinados à China.

Da área total plantada no país, 35% pertencem aos produtores de celulose e papel, 30% estão nas mãos de produtores independentes, 13% são destinados à produção de carvão vegetal, 9% estão com investidores financeiros, 6% atendem à fabricação de painéis de madeira e pisos laminados e 7% são transformados em produtos sólidos de madeira e outros fins.

Há uma semana a Ibá, em carta aberta assinada por seu presidente, Paulo Hartung, alertou que as ações de desmatamento e incêndio ilegais na Amazônia iriam custar caro ao país . “São irresponsáveis e não representam a mentalidade de um mundo moderno, conectado com a bioeconomia, que tanto buscamos e que vai custar caro ao Brasil, para o mundo e para as próximas gerações”, declarou Hartung.

O estrago pode ser significativo. Os produtos florestais são o terceiro item da pauta de exportações do país, atrás apenas de soja e derivados e carnes, com embarques de US$ 14.2 bilhões em 2018, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura. O valor, 23% maior do que o registrado no ano anterior, é bem maior do que se exporta de açúcar e etanol e café, por exemplo.

Para Schmid, da Forest2Market, a desinformação é, neste momento, o problema mais grave para a indústria brasileira de base florestal. “O desmatamento é ilegal e precisa ser combatido. Mas a falta de informação acaba contaminando todo o setor”, diz ele, acrescentando que a situação atual impõe riscos à imagem e aos negócios legais na área.

Para a diretora executiva do FSC Brasil, Aline Tristão Bernardes, o momento é delicado e é preciso diferenciar desmatamento e manejo florestal responsável. “O papel consumido nesse país não vem de floresta nativa. São árvores plantadas para esse fim, que promovem o emprego e geram renda. O Brasil é líder mundial nesse sentido e é preciso cuidado com os discursos que levam a retrocessos”.

Quase 90% da certificação FSC no Brasil diz respeito a plantios de pinus ou eucalipto, mas tudo o que vem da floresta, nativa ou plantada, é certificável. Nos últimos anos, o setor garantiu uma plataforma de diálogo sobre o uso das florestas, incluindo as comunidades no debate, mas há temores crescentes. Entre eles está o Projeto de Lei 2.362, do senador Flávio Bolsonaro, que revoga todo o capítulo que trata da reserva legal no Código Florestal.

Se a proposta passar, alerta Aline, haverá uma inundação no mercado de madeira “legal”, mesmo que proveniente de desmatamento, e que não receberá o selo do FSC. O órgão não certifica nada que venha de área desmatada depois de 1994 – dois anos depois da Eco-92, quando foi lançado seu embrião.

“O mercado está questionando o aumento do desmatamento, mas o país tem as ferramentas para garantir o bom uso de suas florestas, em especial a Amazônia”, afirma a diretora do FSC.

Há duas semanas, o presidente da Suzano, Walter Schalka, convocou as empresas de base florestal a elevar o nome do setor em nível global. “Temos de aumentar a nossa voz. Não podemos permitir o desmatamento da floresta amazônica”.

A Ibá, em carta aberta, destaca que seria positivo se o governo abrisse um canal de diálogo com o setor para, em conjunto, “discutir e propor soluções urgentes, sem levar o debate para o lado do partidarismo ou viés ideológico (…) Chegamos a um momento em que é preciso ações integradas para garantir o desmatamento ilegal zero na Amazônia e no Brasil. Defender o meio ambiente e o futuro do Brasil é de responsabilidade de todos nós”.

 

Valor Econômico

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