A conjunção entre mudanças regulatórias e o início de uma política que o governo espera que seja o motor do desenvolvimento do mercado de gás como fonte de transição energética é vista com animação por setores que podem produzir um gás bem menos poluente, o biogás.
O volume de biogás, fabricado a partir de matéria orgânica e que pode servir tanto para gerar energia ou como substituto do gás veicular, representa ainda menos de 2% da produção de gás natural de origem fóssil. “As regras do Novo Mercado de Gás são perfeitas para o mercado de biogás”, disse Alessandro Gardemann, presidente da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), ao Valor.
Uma das diretrizes para o Novo Mercado de Gás, que está começando a ser discutido em um comitê com membros de ministérios e agências do governo, é quebrar o monopólio da Petrobras na compra de gás natural. O programa prevê incentivos a investimentos em infraestrutura de distribuição de gás natural, que, segundo Gardemann, pode ser plenamente utilizada pelo biogás.
Se o novo ambiente regulatório incentivar o suficiente o interesse sobre o potencial de biogás já existente, assentado principalmente na enorme quantidade de resíduos do campo (sobretudo no segmento de cana e na criação de suínos), o País teria capacidade de ver investimentos de R$ 5 bilhões ao ano pela próxima década nessa área. Isso pode elevar a oferta até 10 bilhões de metros cúbicos de biogás ao ano, segundo estimativas da ABiogás.
Esses investimentos, se efetivados, podem totalizar R$ 50 bilhões até 2030 e são tratados pela indústria como a “meta” para o setor, considerando não apenas o potencial teórico de produção de biogás no país mas também as perspectivas reais de aportes na tecnologia.
Há investimentos crescentes em curso, embora ainda distantes da meta. De acordo com a ABiogás, há sete grandes projetos em andamento, mais uma miríade de pequenos, que somam R$ 700 milhões e que devem, a partir de 2021, acrescentar à capacidade de biogás 180 milhões de metros cúbicos ao ano.
Atualmente, as mais de 300 plantas de biogás produzem cerca de 730 milhões de metros cúbicos ao ano, contra 40 bilhões de metros cúbicos anuais de gás natural de origem fóssil.
O segundo propulsor do segmento deve ser o RenovaBio, cujas metas de descarbonização para as distribuidoras entrarão em vigor no próximo ano e para as quais várias usinas estão se cadastrando para vender Créditos de Descarbonização (CBios). O biometano padrão, dentro do programa, emite 96% menos em substituição a uma cesta de combustíveis fósseis (diesel, gasolina e GNV), o que já credenciaria o produtor a uma alta capacidade de emissão de CBios.
Mas, para Gardemann, mais importante que a receita com os CBios é a lógica do programa, que permite a comparação entre a eficiência energética (e de suas pegadas de carbono) de cada produtor.
“Nesse jogo, a substituição do diesel por biometano, por exemplo, em caminhões adaptados ao combustível, que vão começar a ser lançados neste ano, pode se revelar um importante diferencial de eficiência energética e ambiental, principalmente para o setor de cana”, sustentou o presidente da ABiogás.
O potencial teórico de produção, levando em consideração toda a matéria orgânica que pode ser aproveitada hoje e que é “perdida”, é muito maior que a meta. Em cálculo atualizado recentemente, a ABiogás estima que seria possível produzir, sem abrir um hectare de terra plantada, o equivalente a 45 bilhões de metros cúbicos ao ano.
Essa produção injetaria nas cadeias produtivas uma receita de R$ 50 bilhões ao ano e, ao substituir o uso do gás de origem fóssil, reduziria as emissões em 130 milhões de toneladas de gás carbônico ao ano, ou seja, 15% da meta do Brasil no âmbito do Acordo de Paris para a redução das emissões até 2025.
Valor Econômico