Tomás de Aquino Portes
A 3ª safra, ou feijão irrigado ou de inverno, surgiu no início da década de 1980, com produção de 105.000 toneladas na safra 1985/86, primeira vez que foi registrada. Foi sugerida pelo professor Clibas Vieira (Vieira, 2004), como alternativa de aproveitamento de áreas propicias a irrigação e, com a produção oriunda manter os preços do produto mais estável, sem grande flutuação devido a entressafra e ter sempre produto de boa qualidade, tendo em vista que o feijão envelhece muito rapidamente perdendo a qualidade culinária. Vantagem, também de produção de sementes numa época de clima mais ameno, menos afetado por doenças e pragas.
O feijoeiro comum é semeado em três épocas. A primeira época vai de outubro a dezembro e a 2ª, de fevereiro a março. As produções provenientes dessas épocas estavam estagnadas. Na 1ª safra o feijão é semeado em época de muita chuva e temperaturas elevadas, especialmente as noturnas. Estes fatores, em conjunto, resultam em muitas doenças e abortamento de flores e vagens e, em consequência, baixas produtividades. Na 2ª época, embora as temperaturas já sejam mais amenas, o que contribui para baixas produtividades é a falta de chuvas que ocorrem, quase sempre, na fase de floração e enchimento das vagens. Irrigações suplementares elevam as produtividades, mas, normalmente não são realizadas ou por falta de recursos do produtor ou falta de tradição. Fora das duas épocas tradicionais de semeadura de feijão era comum cultivar a leguminosa nos meses mais frios do ano para obtenção de sementes sadias, pois neste período a incidência de doenças e pragas é menor. Esta atividade era muito comum no Centro Nacional de Pesquisa em Arroz e Feijão da Embrapa, em Goiânia, como também em outras regiões, como em Guaíra no Estado de São Paulo (Bulizane, 2008), porém utilizando pequenos sistemas de irrigação ou mesmo irrigação por gravidade.
A 3ª safra surgiu como uma alternativa, simultaneamente com o aparecimento no Brasil dos sistemas de irrigação via pivô-central. A primeira fabricante em nível nacional foi a Asbrasil, com pivôs que abrangiam até 120 hectares irrigados a cada giro de 360 graus.
Entre 10 a 15 de janeiro de 1982 aconteceu em Goiânia (GO) a Primeira Reunião Nacional de Pesquisa de Feijão – 1ª RENAFE, da qual eu fui o Coordenador Geral. Nessa reunião pouco se discutiu sobre a terceira época de plantio. Foram apresentados apenas dois trabalhos um feito em Ponte Nova (MG) (Chagas et al 1982) e outro em Goiânia (GO) (Martins et al, 1982). Ambos apresentavam produtividades acima das encontradas nos plantios tradicionais das épocas das chuvas e das secas.
As semeaduras na 3ª época são realizadas a partir do mês de março, com o fim do período chuvoso, principalmente na região dos Cerrados, abrangendo a totalidade ou parte dos Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Tocantins. Com o fim das chuvas, estação de verão, de temperaturas elevadas, inicia o outono, com temperaturas amenas, principalmente a noturna. Os fatores umidade do solo controlada via irrigação e temperaturas amenas resultam em produtividades que ultrapassam os 2.000 kg/ha, podendo alcançar os 3.000 kg/ha, ou às vezes mais.
O primeiro plantio, em larga escala de feijão de 3ª época, foi realizado em 1981, em Patrocínio (MG), pelo produtor Eduardo Fugiwara. Este produtor adquiriu cinco pivôs, numa época em que o governo estava incentivando a irrigação. Após adquirir os pivôs, indeciso sobre o que cultivar neles, o produtor saiu à procura de alternativas. Ao chegar ao Centro Nacional Pesquisa em Arroz e Feijão- CNPAF/Embrapa (Goiânia – GO) foi conduzido ao setor de Fisiologia Vegetal. Nesse setor foi recebido por mim. Era mês de abril, nós tínhamos em campo um experimento que conduzíamos desde 1979, no qual testávamos 30 variedades/linhagens de feijão sob irrigação, semeadas a intervalos de aproximadamente 30 dias. O agricultor constatou em campo o grande potencial do feijão cultivado no inverno e, sob irrigação. De volta a Patrocínio, cultivou feijão em todos os seus pivôs, obtendo produtividade média de 2.800 kg/ha. Durante o período que a cultura estava se desenvolvendo, tanto eu como outros colegas, acompanhamos a cultura, dando assistência ao produtor. Mesmo antes da colheita, já com as vagens formadas, estimei a produtividade utilizando os componentes da produtividade, plantas/m2 x vagens/planta x grãos/vagem x massa do grão, resultando em valor acima de 2.500 kg/ha. A partir desse plantio, ficou definitivamente inaugurado o plantio de 3a época de feijão no Brasil, tendo a tecnologia desenvolvida para a semeadura de inverno espalhada por várias regiões, como Paracatu, Unaí e várias outras.
Constatamos baseado no experimento e na literatura (Portes, 1988) que tanto a temperatura elevada como a baixa temperatura causam prejuízos à lavoura de feijão. A baixa temperatura, normalmente menor que 15 graus prolonga o ciclo da cultura e por ocasião da floração reduz o crescimento normal do tubo polínico de modo que o mesmo não alcança o óvulo em tempo hábil para efetivar a fertilização. Não transferindo as células espermáticas para o óvulo não ocorre a fertilização resultando em abortamento do óvulo e, por conseguinte, o não desenvolvimento do grão de feijão. As vagens formadas em períodos de baixa temperatura têm os grãos da extremidade peduncular abortados, pois o tubo polínico não alcança os óvulos desta extremidade. Normalmente forma 1, 2 até 3 grãos na extremidade oposta do pedúnculo, os demais são abortados.
Alta temperatura, normalmente acima de 35 graus, por ocasião da floração, pode afetar o feijão de duas formas:
- Pode causar danos ao grão de pólen e ou ao ovário. Se o ovário é danificado o abortamento da flor é irremediável. Mesmo ocorrendo o rompimento de grãos de pólen alguns continuam viáveis e alguns óvulos serão fertilizados resultando em vagens com grãos distribuídos aleatoriamente ao longo da vagem.
- Durante o dia ocorrem simultaneamente a fotossíntese (ganho de CO2) e respiração e fotorrespiração (perda de CO2 acionada pela luz comum em plantas C3 como o feijão). São reações bioquímicas, portanto influenciadas pela temperatura. A cada aumento de 10 graus, pode aumentar as taxas em até duas vezes. Durante o dia aumento gradual da temperatura resulta em perda de CO2 pela planta via respiração e fotorrespiração, mas a fotossíntese aumenta proporcionalmente, sempre resultando em ganho líquido de carbono em que a planta estará bem nutrida de fotossintatos.
- Por outro lado, aumento gradual da temperatura durante a noite implicará em aumento da respiração com perda acentuada do carbono acumulado durante o dia. Sem a reposição pela fotossíntese do carbono perdido, quanto maior a temperatura, maior a taxa respiratória e maior a perda de massa podendo o balanço ficar negativo e a planta ter suas reservas totalmente esgotadas. Se a alta temperatura ocorrer durante a fase de floração e frutificação a deficiência de fotossintatos resultará inevitavelmente em abortamento das flores e vagens pequenas.
Outro problema bastante sério com o feijão é o ataque pelo percevejo, principalmente pelo Nezara viridula, comumente conhecido como percevejo verde, fede – fede ou maria-fedida. Com o seu aparelho bucal perfura o órgão da planta do qual succionam a seiva. No caso do feijão por ocasião da floração e frutificação pode ocorrer abscisão total das flores e vagens pequenas. Na literatura não se encontra explicação satisfatória, mas acredita-se que o ferimento causado pela introdução do aparelho bucal resulta em síntese do hormônio etileno, causando a indução da abscisão de flores e das vagens pequenas. Das vagens que sobram, os grãos resultantes ficam danificados, manchados, totalmente comprometidos.
Na época de plantio em que pode ocorrer deficiência de água a profundidade de colocação do fertilizante é muito importante. No CNPAF foram realizados experimentos (Guimarães et al 1982, Kluthcouski et al 1982) nos quais se constatou que dispondo o fertilizante a 15 cm ou até mais de profundidade, ocorre aprofundamento do sistema radicular o que proporciona às plantas maior capacidade de absorção da água e dos nutrientes. Esta melhoria do sistema radicular evita que as plantas sofram estresse por deficiência de água nas horas mais quentes do dia quando a demanda é muito grande em especial nas condições de cerrado e de inverno em que a umidade relativa cai abaixo dos 30%.
Tomás de Aquino Portes – Foi pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, na área de Fisiologia Vegetal de 1975 a 1995. Em 1996 transferiu-se para a Universidade Federal de Goiás – UFG, onde é professor de Fisiologia e Ecofisiologia na graduação e pós-graduação.
Fonte: Embrapa Arroz e Feijão