Os temores com os problemas climáticos que atingem importantes regiões produtoras de soja do Brasil não devem influenciar de maneira decisiva os preços da oleaginosa na bolsa de Chicago, avaliam analistas. A percepção é que possíveis perdas de produtividade no país já estão relativamente precificadas, e que qualquer avanço das cotações será pequeno ou terá vida curta.
“Será preciso uma quebra bem mais forte do que se comenta para um ‘rally’ [escalada] de preços mais expressivo. Qualquer alta será como um voo de galinha”, diz Stefan Tomkiw, analista do Société Générale, em Nova York.
Tomkiw lembra que o mercado continua a acreditar em uma safra de soja abundante no Brasil, mas os números já estão menos inflados. A maioria das projeções para a atual safra 2015/16 oscila entre 98 milhões e 100 milhões de toneladas – poucos meses atrás, havia apostas acima de 105 milhões de toneladas. De todo modo, ainda seria um novo recorde, acima das 96,2 milhões de toneladas colhidas na safra passada.
De acordo com Tomkiw, o mercado acredita que “será até saudável” se houver algum nível de perdas na produção brasileira, uma vez que a oferta mundial de soja está satisfatória e é preciso “enxugar o excesso”. Para ele, um atraso na colheita do país preocupa mais que um recuo na produtividade, porque tende a mexer com o cronograma das tradings.
Maior produtor de soja do Brasil, Mato Grosso foi afetado pela seca desde setembro, que empurrou o plantio e, consequentemente, a colheita. Ocorre que nesta fase inicial de retirada da soja do campo, as chuvas voltaram e cresce o risco de que os trabalhos fiquem lentos.
Com relatos de produtividade até 70% abaixo da média esperada no Estado, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) já reduziu em 1,25 milhão de toneladas sua previsão para a atual safra de soja, em relação ao estimado inicialmente, para 27,8 milhões de toneladas. Mais ao sul do país, em Mato Grosso do Sul e no Paraná, o excesso de chuvas também aumentou o temor com o escoamento da safra e a qualidade do produto colhido.
Essas incertezas com o clima no Brasil e com o vigor da demanda chinesa deram suporte aos preços da soja nas últimas semanas. Desde meados de novembro, quando começaram a se acirrar as tensões com a seca em Mato Grosso, os contratos de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) subiram 2,78% na bolsa de Chicago, conforme o Valor Data.
“Isso é atípico, uma reação totalmente fora do ciclo sazonal que normalmente observamos nesse período de safra”, afirma Renato Rasmussen, analista do Rabobank. Segundo ele, o preço da soja está mais alto do que deveria, levando em conta os fundamentos: em US$ 8,80 por bushel, quando o “justo” seria algo entre US$ 8,60 e US$ 8,70.
No mercado brasileiro, as cotações continuam impulsionadas pelo câmbio. A saca de soja em Rondonópolis está em torno de R$ 70, alta de 35% sobre igual período de 2015. A alta do dólar também torna mais competitiva a compra do produto brasileiro, em detrimento do americano. “Em algumas regiões, a saca está até R$ 1 a R$ 2 mais cara que a paridade de exportação, um prêmio que indica a erosão dos estoques domésticos e a competição dos produtores de proteínas com a China”, afirma.
Rasmussen ressalta que o consumo de farelo de soja na China segue elevado, o que sinaliza que a demanda por ração continua crescendo e embalando as importações da commodity. Neste mês, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) reforçou a previsão que os chineses importem 80,5 milhões de toneladas de soja em 2015/16, quase 3% acima das 78,3 milhões de 2014/15.
Ramussen prevê que a soja varie de US$ 8,80 a US$ 9,10 por bushel em Chicago neste trimestre. Mas se os efeitos do clima no Brasil forem amenos, há potencial de alguns descontos. “Mas não muito abaixo dos US$ 8,50 ou US$ 8,40 por bushel”, avalia Tomkiw, do Société Générale.
Fonte: Valor Econômico