A escassez de chuvas no centro-sul durante boa parte deste segundo semestre afetou o potencial produtivo de todas as grandes culturas agrícolas do País. Aliada ao calor, a estiagem de julho a outubro e as precipitações ainda irregulares de novembro e dezembro limitarão o avanço da produção de soja e milho, aprofundarão perdas em lavouras de arroz, algodão, cana-de-açúcar e café e provocarão a maior quebra em mais de 20 anos nos pomares de laranja.
Embora chuvas volumosas tenham voltado a cair nas últimas semanas, elas não foram uniformes, e a Administração para os Oceanos e a Atmosfera Americana (NOAA, na sigla em inglês) ainda prevê para dezembro uma redução de chuvas de até 50 milímetros em relação à média na maior parte do Centro-Oeste e do Sudeste. Para janeiro a março, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) prevê a continuidade dessa irregularidade, com precipitações mais elevadas em Mato Grosso e mais baixas em Minas Gerais.
No segmento de grãos e fibras, os problemas climáticos têm se refletido em revisões para baixo em projeções públicas e privadas. Em levantamento divulgado ontem, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) seguiu essa linha e reduziu sua projeção para a colheita brasileira nesta safra 2020/21 para 265.9 milhões de toneladas no total, 3.3 milhões de toneladas menor que o previsto em novembro, mas o volume ainda é recorde e 3,50% superior ao de 2019/20 (ver abaixo).
Também ontem, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), mantido com contribuições de produtores de laranja e indústrias de suco, reduziu sua estimativa para a produção da fruta no cinturão formado por São Paulo, Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais na safra 2020/21. Segundo o órgão, a colheita ficou em 269.4 milhões de caixas de 40,8 quilos, 18.4 milhões de caixas a menos que o previsto em maio. A redução em relação ao ciclo 2019/20 chega a 30,40%, a maior quebra de safra desde 1988.
“Em função das condições climáticas extremamente adversas, com altas temperaturas, baixa precipitação e má distribuição das chuvas, esse é um dos anos mais difíceis que a citricultura já enfrentou”, disse, em nota, o gerente geral do Fundecitrus, Juliano Ayres. Segundo a associação, o fenômeno La Niña foi mais intenso que o esperado, pior que em 2017.
Para a cana, há consenso de que a falta de chuvas em boa parte do centro-sul neste segundo semestre, que se seguiu a uma estiagem inesperada em março e abril, deverá impedir que a próxima safra na região (2021/22) seja maior que a atual, na qual se espera uma moagem de cerca de 600 milhões de toneladas.
“Se chover menos (que a média) no verão, a cana que foi plantada no início do ano e que já teve o início do desenvolvimento afetado estará mais exposta à estiagem. Com isso, a produção da próxima safra poderá ser bem menor”, estimou Willian Hernandes, sócio da consultoria FG/A, de Ribeirão Preto (SP).
Além disso, uma ausência de chuvas neste verão também poderá dificultar a reforma nos canaviais que precisam ser replantados, já que a estiagem reduz a disponibilidade de dias para a realização dos trabalhos em campo, disse.
“Mesmo que chova bem até fevereiro, a produtividade pode não ser recuperada”, afirmou Fábio Marin, professor da Esalq/USP e coordenador do Sistema Tempocampo.
O atraso das chuvas deve ter mais impacto na colheita do início da próxima safra (2021/22). Já a cana a ser colhida no meio do ciclo está mais dependente das chuvas deste verão, enquanto a que será colhida no fim da safra poderá ser até beneficiada.
O cenário não é homogêneo para todas as áreas canavieiras. As regiões mais afetadas pela seca se concentram no Sul de Mato Grosso do Sul e de Goiás e no Oeste paulista. Segundo Marin, os canaviais que receberam poucas chuvas não se beneficiarão da maior radiação e das altas temperaturas do verão.
No café, a estiagem se deu em um período crítico para a cultura: a florada. É nessa etapa que chuvas uniformes e em bom volume podem proporcionar uma safra farta do grão. Com as chuvas irregulares, o segmento ligou o alarme para a safra 2021/22.
“A grande quebra da safra já se deu por conta da florada, aliada à bienalidade negativa do café arábica. Mas, ainda assim, será uma safra promissora”, estimou Marco Antônio Santos agro meteorologista da Rural Clima.
Isso porque a expectativa é de que não faltem chuvas nas regiões produtoras no período de granação, de janeiro a março, que é determinante para o crescimento do fruto.
Segundo Nelson Carvalhaes, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), ainda não é possível prever o quão menor será a produção. “No Triângulo Mineiro e na Mogiana paulista faltou chuva, mas no Espírito Santo e demais áreas de conilon, não”.
Valor Econômico