Cargill critica guerra comercial e prevê novos aportes no Brasil

A americana Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, mantém aceso o sinal de alerta por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, afirma esperar “pragmatismo” na política externa do governo de Jair Bolsonaro e confirma interesse em ampliar investimentos no Brasil, sobretudo em logística.

Ao Valor, a vice-presidente de assuntos corporativos da multinacional, Devry Boughner Vorwerk, considerou que os negócios da Cargill estão “ok”, mas afirmou que o “momento não é bom” em virtude das dificuldades de um ambiente geopolítico fraturado.

“Quando as relações entre os EUA e a China não estão boas, nos preocupamos com o estado da indústria (agrícola) como um todo”, disse Vorwerk. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, David MacLennan, CEO da Cargill, foi incisivo: “A guerra comercial tem sido muito prejudicial para a economia agrícola dos EUA”, disse. “Quanto mais tempo isso persiste, pior é”, afirmou à Reuters.

A esperança da Cargill é que em 2019 um acordo possa ser concluído entre Washington e Pequim. Mas Vorwerk também percebeu em Davos sinais de outros movimentos. A executiva afirmou que a União Europeia, por exemplo, tem sido bastante ativa na área comercial “e está liderando no comércio” a partir de uma série de negociações de abertura de mercado.

Enquanto isso, disse ela, as exportações brasileiras de soja continuarão se beneficiando do conflito sino-americano. “Os EUA perderam a janela para vender soja para a China, e essa janela se abriu para o Brasil”, lembrou. “Definitivamente, o Brasil está ganhando. Os EUA perderam a estação, nenhuma das vendas (expressivas recentes) foi para a China e há muita coisa armazenada”.

Nesse contexto, a Cargill mantém o ritmo de investimentos no Brasil, onde tem 23 fábricas, seis terminais portuários e cerca de 10.000 funcionários. Segunda maior exportadora de soja em grão do país no ano passado, atrás da Bunge, a companhia faturou R$ 35 bilhões no mercado brasileiro no ano fiscal 2017/18, e obteve lucro líquido de R$ 593 milhões. As vendas globais da companhia no exercício somaram US$ 114.7 bilhões.

Segundo Vorwerk, nos últimos sete anos a Cargill investiu R$ 4.6 bilhões no Brasil. A executiva espera que a fábrica de pectina (agente texturizante feito à base de frutas cítricas) localizada em Bebedouro, no interior paulista, comece a operar em 2021. Para isso, aguarda aval de órgãos ambientais para tocar adiante sua proposta para construir um terminal privado em Abaetetuba, no Pará. A empresa está na expectativa de que o terminal comece a operar entre 2022 e 2025, para fortalecer ainda mais o escoamento de seus produtos pela região Norte.

“Também estamos analisando investimento em projetos de ferrovia e esperamos que algumas questões na área de infraestrutura possam ser resolvidas, bem como o tabelamento dos fretes rodoviários”, disse Vorwerk.

Ela manifestou “grande preocupação” com o tabelamento dos fretes. Para a Cargill, a tabela “pode prejudicar nossa capacidade de ter sucesso e afetar a capacidade de o Brasil ser competitivo nos mercados externos”. Como os principais executivos da empresa no Brasil, a executiva também considera o tabelamento inconstitucional.

Para Vorwerk, a medida representa uma cartelização e traz “enormes impactos financeiros” para a população. Ela alega que se trata de um “desrespeito” aos avanços e ganhos de produtividade do agronegócio brasileiro.

Depois de ter ouvido em Davos o discurso do presidente Jair Bolsonaro e participado de encontro com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a executiva considera que os planos do governo são consistentes.

“O que eu ouvi foi que o novo governo quer ser ativo no comércio, quer ser aberto para investimentos. Isso me deixa otimista e nosso negócio deve encorajar o governo a continuar a avançar nesse sentido”, acrescentou. “Francamente, o Brasil tem uma vantagem comparativa que ainda é subutilizada. O Brasil é uma potência”.

Indagada, por outro lado, sobre o discurso anti-globalista por parte da diplomacia e sobre o plano de mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, o que pode irritar parceiros muçulmanos, a vice-presidente de Cargill afirmou que as contradições não a surpreendem, porque isso também aconteceu em outras partes do mundo. No fim das contas, afirmou ela, “o que esperamos é pragmatismo”.

No Fórum Econômico Mundial, um dos temas tratados foram as novas dietas para reduzir o consumo de proteína animal. De olho na tendência, a Cargill mantém sua produção tradicional, mas busca de “todo tipo de alternativas”. Para Vorwerk, o consumo de frutos do mar, por exemplo, vai crescer bastante, bem como o de outros tipos de proteínas, incluindo insetos.

A executiva também destacou que a Cargill continua investindo pesado em digitalização e inovação. Um exemplo é o projeto que usa tecnologia de cultura celular para cultivar carne de tecidos de animais vivos em tanques de aço inoxidável. Em outro projeto, a empresa procura reduzir as emissões do gado. No Canadá, a companhia trabalha na certificação de carne sustentável. E há planos de rastreabilidade de toda a cadeia de suprimento de cacau.

Vorwerk vê disfunções nas tradings por causa da maneira como a digitalização se impõe. Isso já levou a Cargill a se unir a suas rivais – as americanas ADM e Bunge, a francesa Louis Dreyfus Company e a chinesa Cofco, na joint ventures Beat (Bring Efficiency into Automated Trading), criada para padronizar e digitalizar transações de transporte agrícola global.

 

Valor Econômico

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