A necessidade de o Poder Judiciário conhecer melhor o agronegócio e imprimir maior velocidade na resolução das questões que envolvem o setor são pontos importantes e tiveram opinião unânime de juristas, representantes de entidades e de agroindústrias e, principalmente, produtores rurais que participaram da instalação da Câmara de Mediação e Arbitragem da Sociedade Rural Brasileira (SRB), realizada em São Paulo.
As Câmaras de Mediação e Arbitragem funcionam como uma espécie de justiça privada, e suas sentenças têm o mesmo valor de uma decisão do Poder Judiciário. Na mediação, o mediador, atuando como um facilitador, auxilia as partes que mantêm o poder de decisão a chegarem a um acordo. Já na arbitragem, os árbitros decidem a controvérsia.
De acordo com o presidente da entidade, Gustavo Diniz Junqueira, o agronegócio representa um terço da economia brasileira, um setor formado por uma gama de capilaridades e, no momento em que vai se discutir alguma disputa, algum litígio, algum acordo que não ficou muito claro em um contrato, verbal ou escrito, é necessário ir diretamente para a justiça.
LENTIDÃO
Segundo ele, “isso é lento, a justiça brasileira está sobrecarregada e, por outro lado, gasta-se tempo e recursos financeiros para se chegar a um veredicto final. O ideal é que possamos resolver conflitos, que são inerentes da atividade econômica, mas que não colocam as partes em lados opostos de maneira permanente e, assim, tentar achar um caminho muito mais sério e mais objetivo de resolver o problema”.
Na opinião de Junqueira, pela sua dimensão e, também, por ser uma instituição capilarizada e muito ‘corporativizada’, a evolução do Judiciário é muito lenta.
“O agronegócio é rápido e as instituições levam tempo para se adaptar a um mundo muito mais rápido. Acho que o Judiciário está tentando, está se informatizando, novos juízes sendo formados, mas estão sendo formados como juízes do futuro com cabeça de juízes do passado. Temos que pensar numa nova formatação no que queremos ter no futuro, caso contrário vamos criar um País com hardware novo e o software velho”, salientou.
João Sampaio Filho, ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo e vice-presidente do Grupo Marfrig, como um dos seus idealizadores, disse que Câmara de Mediação e Arbitragem da SRB “pode ser um meio que nos vai dar mais agilidade, que vai nos tornar mais rápidos nas tomadas de decisões e nas resoluções de nossos conflitos e das nossas diferenças”.
Para Sampaio, esse é um modelo de um grande negócio que a SRB vai oferecer a todo setor do agronegócio brasileiro, pois vai buscar realmente uma nova relação, uma relação mais ágil, uma relação mais clara.
“Temos inúmeras oportunidades para resolver conflitos e, às vezes, situações que não chegaram ainda a se transformarem em um conflito, de maneira mais rápida, mais barata e mais eficiente. Acredito que essa Câmara seja utilizada por todos os setores do agronegócio para que ela se torne efetiva e prestar um serviço relevante ao produtor rural”, ressaltou.
DIFICULDADE DE DIÁLOGO
“Estudávamos o Contrato Rural, o Contrato de Parceria e o Contrato de Arrendamento. Hoje, estamos falando de indústrias no campo, falando de contrato de biomassa, estamos falando de usinas ligadas ao negócio de cana. São negócios que, muitas vezes, giram em torno de fórmulas muito conhecidas entre seus operadores, mas não são conhecidas daqueles que não estão envolvidos naquele negócio. Explicar a um juiz de Direito como é que funciona um contrato de compra e venda antecipada de soja verde é uma efeméride. O problema é a dificuldade de diálogo”, disse Carlos Alberto Carmona, professor da Universidade de São Paulo, com experiência de mais de 20 anos em Arbitragem.
Carmona explicou que o grande problema refere-se ao que está pactuado e que pode ser livremente modificado pelos juízes. E exemplificou: “Quando o juiz muda um contrato de compra antecipada de laranjas, ele está criando um precedente que pode arruinar a próxima safra de laranja do País. Quando o juiz muda um contrato de compra antecipada de soja, porque o valor da soja naquele período aumentou e, portanto, ele põe no contrato sobre afirmação de onerosidade de enriquecimento ilícito de uma das partes, ele simplesmente acaba de destruir a forma de financiamento da safra do ano seguinte”.
Destacou a importância de existir um lugar onde possa acontecer a conversa entre pessoas que sabem o que estão falando e entre pessoas que sabem o que estão ouvindo.
“A arbitragem gira sempre em tempo hábil e essa é uma verdade que vale para essa Câmara e para qualquer outra câmara. Interlocutores que sejam capazes de compreender adequadamente os meandros desses novos negócios que, hoje, chamamos de agronegócio. A arbitragem no Brasil é uma coisa que veio para ficar e já estamos passando para a arbitragem especializada”, salientou Carmona.
MEDIAÇÃO
Ele ressaltou ainda que a Câmara não se dispõe a tratar somente de arbitragem, mas também de mediação, “outro assunto que nós, advogados, vamos ter fe aprender, e aprender rápido, porque no ano que vem o Código de Processo Civil entra em vigor”.
“Ele está assentado sobre a mediação e, portanto, lá no Fórum vai haver desenvolvimento dessas técnicas de maneira generalizada. A arbitragem é a bola da vez.”
Carmona deixou claro que este processo não entra no sistema judiciário, pois seu mecanismo é diferente, não há recurso, não há apelação.
“Quem se dispuser a resolver uma causa por arbitragem já sabe que a regra do jogo é diferente. Não tem como explorar as veias do judiciário para anular sentença. Os advogados vão ter que se preparar melhor. Temos que provocamos os nossos alunos a falar. O estudante de Direito o precisa claramente saber sobre as proporções dentro de uma audiência, não há mais tempo para voltar para o gabinete e escrever aquelas longas petições que ninguém quer lê. A Arbitragem não comporta isso, quem tem razão não precisa escrever tanto, enrolar tanto.”
CORPO DE ÁRBITROS
O corpo de árbitros de uma câmara de arbitragem é composto por especialistas no assunto demandado – no caso da Rural, conhecedores do agronegócio -, o que dá mais assertividade ao processo decisório.
“Isso não existe na justiça comum, onde o litígio pode ser julgado por quem desconhece as particularidades do segmento em que as partes atuam”, disse o advogado e professor da Universidade de São Paulo Fernando Campos Scaff, especialista em Direito Civil e Agrário, que foi um dos palestrantes do seminário sobre mediação e arbitragem, que compôs parte da cerimônia.
A CARB poderá solucionar conflitos em diversas frentes, como contratos agrários de parceria e arrendamento, financiamento rural, compra e venda de insumos, divisões de terras e dissolução de condomínios, disputas societárias, entre outros. Entre outras vantagens da justiça privada frente a comum, Scaff destaca, ainda, em tese, uma maior rapidez nos trâmites, e a possibilidade de confidencialidade/sigilo dos processos.
De acordo com Francisco de Godoy Bueno, um dos vice-presidentes da Rural e diretor do comitê de Leis & Regulamentos da entidade, a CARB carrega em sua gênese a garantia institucional da marca da entidade, como um selo de confiabilidade para as decisões que nela serão tomadas. “Que a CARB seja uma um tribunal arbitral para os nossos associados e todo o setor do agronegócio.”
Por equipe SNA/SP