O aumento do custo da mão de obra e do valor da terra no Brasil, principalmente a partir de 2006, fez o número de produtores de leite recuar de forma expressiva nos últimos anos. Pesquisa realizada pelo MilkPoint e pela Associação Leite Brasil mostra que o país tem hoje cerca de 250 mil produtores de leite que comercializam a matéria-prima no mercado formal – isto é, com inspeção – e produzem, em média, 244 litros de leite/dia.
O último dado disponível do Censo do IBGE, de 2005-2006, mostrava um número total de 1,35 milhão de produtores no país. Desse total, 930 mil comercializavam leite nos mercados formal e informal e 420 mil utilizavam o leite apenas para consumo próprio.
A pesquisa do Milkpoint, consultoria especializada em lácteos, e da Leite Brasil se baseia em levantamento realizado entre junho e agosto deste ano a partir de uma amostra de 50 laticínios do país. Juntos, eles processam cerca de 30% do total de leite adquirido pelas indústrias no Brasil. O volume equivale a 6,7 bilhões de litros de leite em uma produção total inspecionada de 22,3 bilhões de litros, de acordo com dado do IBGE do ano passado.
Segundo Marcelo Pereira de Carvalho, analista do MilkPoint, a conjuntura econômica explica a redução no número de produtores de leite e a mudança de perfil. “A produção diária por produtor sempre foi muito pequena [no Brasil] e a produtividade por área, baixa. Em uma situação em que a taxa de desemprego é baixa e a renda média aumenta, como ocorreu a partir de 2002, o pequeno produtor ou seus filhos não têm incentivos para permanecer na atividade, porque terá oportunidades melhores de auferir renda”, diz.
Assim, acrescenta, a opção para o pecuarista é deixar a atividade ou aumentar a produção para justificar sua permanência. Conforme Carvalho, a forte alta do valor da terra a partir de 2007 também estimulou o aumento da produtividade para justificar a exploração do ativo. “Do contrário, o produtor arrendará a terra para outra atividade, venderá a propriedade ou se dedicará a outra atividade agrícola”, argumenta.
Os 50 laticínios pesquisados pelo MilkPoint e pela Leite Brasil recebem leite de mais 75 mil produtores nacionais. Considerando os 6, 7 bilhões de litros recebidos e o número de 75 mil pecuaristas, a pesquisa chegou à produção média diária por fornecedor de 244 litros.
Carvalho explica que uma primeira extrapolação dessa amostragem leva ao número de 250 mil produtores que atuam no mercado formal. Em um cenário em que os produtores informais tenham a mesma produção média diária que os formais, o total de pecuaristas de leite no país (formais e informais) chega a 360 mil. Para chegar a esse número, os autores do estudo dividiram a produção brasileira total de leite (formal e informal), de 32,091 bilhões de litros em 2011 (último dado disponível), pelos 365 dias do ano e depois pela produção diária de 244 litros.
Mas, presumindo que a produção diária do pecuarista que atua no mercado informal é menor que a do formal, o número total estimado de produtores de leite no país aumenta e alcança 415 mil pessoas. “Supondo, arbitrariamente, que o produtor informal produz um terço do formal, chega-se a um número de 81 litros por dia por produtor”, estima o especialista.
Considerando que o mercado formal, de 22,3 bilhões de litros, equivale a 70% do total, isso significa um mercado informal de cerca de 9,7 bilhões de litros. Desse volume informal, metade (4,876 bilhões de litros) é comercializada. Tal volume dividido pela produção diária estimada e pelos 365 dias do ano leva a um número aproximado de 165 mil produtores de leite que vendem no mercado informal.
A partir desses dados é possível deduzir que o número total de produtores saiu de 930 mil (dado do IBGE) em 2005-2006 para 415 mil atualmente. Porém, admitem os autores da pesquisa, “não é possível ter uma conclusão segura sobre a magnitude exata da redução do número de produtores” nesse intervalo.
Como explica Carvalho, isso ocorre porque a pesquisa feita pelo Milkpoint e pela Leite Brasil tem metodologia diferente da utilizada pelo Censo do IBGE. No levantamento mais recente, só foram considerados os produtores que vendem o leite para laticínios inspecionados, enquanto o IBGE considerou a produção formal, a informal e a também a de subsistência.
Ainda assim, diz o especialista, há fortes indicativos de que muitos produtores deixaram a atividade entre 2006 e agora, período em que a produção total de leite aumentou cerca de 30% no Brasil.
Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil, considera que a redução do número de produtores de leite no país é positiva. “A tendência é reduzir o número de produtores e aumentar a produção”, afirma. Além disso, acrescenta, por conta dos custos elevados para transportar a matéria-prima, a tendência é que os laticínios prefiram captar leite de grandes produtores que podem fornecer volumes maiores.
O presidente da associação acredita que os produtores que atuam hoje informalmente tendem à formalização e não considera que os deixaram atividade foram prejudicados. “O fato de um produtor deixar a pecuária leiteira não significa que ele deixou a terra. Ele pode ter migrado para outra atividade ou arrendado a área”, afirma.
O levantamento da Milkpoint e da Leite Brasil indica, ainda, que a faixa de pecuaristas com produção acima de 500 litros por dia (35,6 mil produtores, ou 14,2% do total que vende no mercado formal), é responsável por 56% da produção de leite inspecionado do Brasil e cerca de 40% do leite total produzido. Além disso, 82 mil pecuaristas produzem quase 80% do leite inspecionado no país, segundo a pesquisa.
Um dos sinais de que houve concentração da produção é que, conforme o Censo de 2005-2006, havia, naquele período, apenas 8.792 pecuaristas de leite com produção superior a 500 litros/dia no país.
A pesquisa revela ainda que os pequenos produtores (até 250 litros por dia), apesar de serem a maioria (ver quadro), são responsáveis por apenas 23% do leite formal produzido. Já os que produzem mais de 3.000 litros/dia (0,9% do total) são responsáveis por 13,7% do total de leite processado pela indústria.
Carvalho – para quem o processo de concentração deve continuar – diz, ainda, que o pagamento pelos laticínios de bônus por volume de leite recebido também pode ter estimulado produtores a crescer.
A pesquisa da Milkpoint e da Leite Brasil obteve informações de laticínios do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Segundo os autores, essas regiões têm o preço de terra em média mais elevado e podem ter tido uma redução maior do número de produtores do que Norte e Nordeste, regiões que representam 18% da produção de leite brasileiro. Ainda assim, afirmam, “isso não invalida a análise e a constatação de que o aumento do custo da terra e da mão de obra acelerou o processo de concentração na pecuária leiteira”.
Fonte: Valor Econômico