Empresas brasileiras que atuam na navegação de cabotagem, na costa brasileira, em segmentos como contêineres e insumos industriais, identificam sinais de crescimento na demanda nos primeiros meses de 2018 na comparação com igual período do ano passado. O relativo otimismo com a retomada da economia, a cabotagem funciona como uma espécie de termômetro da atividade econômica do país, é acompanhado, porém, de algumas incertezas para o setor nas áreas financeira e regulatória. Também existe preocupação com eventuais efeitos para as empresas nacionais de navegação com o calendário eleitoral de 2018.
A Companhia de Navegação Norsul, controlada pelo grupo Lorentzen, registra sinais de retomada na atividade industrial desde meados de 2017, com crescimento da demanda em alguns setores como o de produtos siderúrgicos. “Os primeiros 60 dias de 2018 foram melhores do que o mesmo período de 2017”, disse Angelo Baroncini, presidente da Norsul. Ele previu que este ano a receita da empresa cresça 5% sobre o ano passado, quando a Norsul faturou cerca de R$ 800 milhões. Com frota de 23 embarcações, a Norsul atende o setor industrial transportando madeira, celulose, aço e minério (bauxita), além de produtos químicos. “Fazemos parte da cadeia de suprimento de grandes grupos industriais”, disse Baroncini.
Nos contêineres, a Aliança Navegação e Logística, ligada ao grupo dinamarquês Maersk, registra um crescimento mais forte do que o normal para os três primeiros meses do ano, sazonalmente mais fracos, disse Mark Juzwiak, diretor institucional da empresa. O desempenho é melhor, sobretudo na rota Nordeste-Norte do país. Juzwiak disse que a cabotagem vem crescendo acima de 10% ao ano na última década. Em 2017, o volume de contêineres movimentado por linhas regulares de empresas brasileiras de navegação cresceu 12% sobre 2016. A Aliança opera com onze navios na cabotagem.
Márcio Arany, diretor comercial da Log-In Logística Intermodal, disse que está havendo uma “reação” no primeiro trimestre de 2018. Ele citou como exemplo os eletroeletrônicos movimentados via cabotagem a partir de Manaus (AM). “Nossos clientes em Manaus esperam movimentar mais 20% em 2018 em relação a 2017”, disse Arany. Marco Aurélio Guedes, consultor da Flumar, especializada no transporte de químicos e gases, foi mais cauteloso: “Está começando a se estabelecer um movimento de recuperação pequeno”.
Ao mesmo tempo em que trabalham com a expectativa de um ano melhor em 2018, as empresas brasileiras de navegação consideram que há uma série de incertezas em torno do setor. A primeira delas é de ordem financeira, pois as empresas de cabotagem e de navegação de interior têm pagamentos em atraso de R$ 1 bilhão relativos ao ressarcimento do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRRM). O AFRRM é cobrado sobre os fretes marítimos, com exceção daqueles que têm origem ou destino nas regiões Norte e Nordeste do país, e constitui os recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM), fonte de financiamento do longo prazo para a navegação. Com os recursos do AFRRM, as empresas pagam empréstimos bancários de construção de navios e serviços de docagem e de manutenção.
Luís Fernando Resano, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), disse que os atrasos se relacionam à falta de um sistema informatizado para processar os ressarcimentos do AFRRM na velocidade que as empresas do setor precisam. Desde 2014, o ressarcimento do AFRRM passou a ser de responsabilidade da Receita Federal. Em nota, a Receita disse que estabeleceu um cronograma de pagamentos automatizados trimestral, a partir de 2018. “De acordo com esse cronograma o primeiro pagamento vence na primeira semana de abril. Além dos pagamentos automatizados estão em andamento auditorias de créditos realizadas por auditores fiscais, relativamente aos pedidos que incidiram em malha de ressarcimento.”
As empresas ligadas ao Syndarma também estão preocupadas com o ambiente regulatório da navegação de cabotagem no país. “Ter uma agência reguladora forte é importante para conseguir manter os investimentos em renovação da frota”, disse Baroncini, o presidente da Norsul. Na visão de Resano, do Syndarma, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) precisa ter poder de regular e de estabelecer regras que sejam aplicadas a todo o mercado. O problema, na visão de Resano, é que os “regramentos” da agência vêm sendo questionados pelos regulados (as empresas). Fonte próxima da Antaq afirmou que a agência produziu norma “moderna” e regulação eficiente, privilegiando as empresas que atuam e investem no setor.
As empresas de navegação também têm receio em relação a eventuais efeitos do calendário eleitoral de 2018. Isso porque o debate eleitoral tende a estimular argumentos a favor do fim da proteção da bandeira brasileira na cabotagem. A navegação entre os portos do país é reservada preferencialmente às empresas de bandeira brasileira, mas com frequência surgem argumentos para derrubar essa proteção.
Fonte: Valor