Medidas unilaterais podem prejudicar o agro nacional
O Portal SNA vem mostrando como as decisões de países europeus que afetam a produção agropecuária local gerou onda de protestos de produtores. A formulação de políticas públicas que restringem métodos de trabalho no campo, pautadas por um ambientalismo radical, pode prejudicar também outras nações, uma vez que exigências draconianas podem vigorar sobre cadeias produtivas nas quais o Brasil é protagonista e grande exportador. A chamada Lei Antidesmatamento (EUDR), programada para entrar em vigor no final do ano, demandará das empresas a comprovação de que seus produtos não vêm de áreas desmatadas depois de dezembro de 2020.
Com isso, a Comissão Europeia, apesar das fortes pressões internas e externas, obrigará o rastreio e certificação de origem para sete comodities consideradas de maior risco nesse contexto de preservação, seis das quais têm no Brasil um dos principais fornecedores mundiais: soja, carne bovina, madeira, cacau, café e borracha. Além dessas, há o óleo de palma. Autoridades argumentam que pacotes assim trazem embutidos em si uma espécie de protecionismo verde, isto é, a reserva de mercado disfarçada de preocupação ecológica. Esse expediente, diga-se de passagem, também vem sendo usado por outros países que desejam frear a concorrência dos produtos brasileiros, envernizando o bloqueio com boas intenções, para além de requisitos sanitários razoáveis que já são cumpridos.
Em março, o presidente francês Emmanuel Macron visitou seu colega brasileiro, e ambos evitaram abordar a polêmica, ao menos em declarações públicas. Macron também é um notório opositor do acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia. Sem avanços nas negociações diplomáticas, mesmo com o Brasil ocupando a presidência temporária do G20, cuja reunião de cúpula acontece em novembro no Rio de Janeiro, o governo parece não enxergar meios de enfrentar a mudança de legislação e já se prepara para atuar conforme as novas diretrizes. Cabe lembrar que, no escopo do G20, há um grupo de trabalho para assuntos agropecuários e correlatos, com encontros periódicos, justamente para tratar desses tópicos. A SNA detalhou essa dinâmica em outra reportagem.
Fato novo pode surgir do Congresso Nacional
A senadora Tereza Cristina (PP – MS), que foi Ministra da Agricultura, defende que o Brasil saia da postura defensiva e aja o quanto antes para mitigar os efeitos da legislação europeia, quem sabe até convencendo a outra parte a retomar as negociações por termos mais brandos. Isso porque ela é a relatora do PL 2.088/2023, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), conhecido como Lei da Reciprocidade. A proposta diz que só devem ser disponibilizados no mercado brasileiro “bens e produtos originados de países que adotem e cumpram níveis de emissões de gases de efeito estufa iguais ou inferiores aos do Brasil” e que “cumpram padrões de proteção do meio ambiente compatíveis com as estabelecidas pela legislação brasileira”.
Em declaração ao jornal paranaense Gazeta do Povo, Tereza Cristina disse que ainda em maio deve acontecer uma primeira audiência, no Senado, para debater o projeto da Lei da Reciprocidade. A ideia é dar visibilidade ao assunto tanto no Congresso brasileiro quanto perante os formuladores das políticas europeias. Em suas palavras, “Hoje isso está muito unilateral. Eles fizeram uma lei para a Europa e querem descer goela abaixo não só do Brasil, mas de outros países em desenvolvimento. Acho que podemos agregar até outros que pensam como a gente”.
Um dos pontos mais criticados é o duplo padrão da nova lei, que exige menos de seus produtores em detrimento de agricultores dos parceiros comerciais. Os brasileiros protegem entre 20% e 80% das propriedades rurais, dependendo da região e tipo de cultivo. Os europeus fizeram tratoraço por não quererem preservar 4%. Dentro das regras que tratam apenas de políticas agrícolas no bloco, a Comissão Europeia cedeu aos protestos e suspendeu aobrigação do pousio, que é a prática de deixar a terra descansar para recuperar o solo. Também nesse aspecto, não foram feitas concessões a estrangeiros, no sentido de afrouxar metas de antidesmatamento.
Essas contradições escancaram as verdadeiras intenções do pacote, como bem resumiu Tereza Cristina: “Os interesses são de mão dupla. Na área agrícola eles têm medo do Brasil. Eles querem taxar nossos produtos e, pior ainda, querem dizer que os produtos vêm de áreas de desmatamento, colocando tudo no mesmo balaio. O Brasil precisa realmente discutir o que quer e colocar parâmetros para receber os produtos, não só europeus, mas como um espelho para importações de todos os países do mundo”.
Oportunidades para aprofundar o debate e esclarecer disparidades
Esse “espelho” citado pela Senadora incluiria a verificação da pegada ambiental da energia utilizada nos produtos industriais. Enquanto a matriz elétrica brasileira em 2023 foi 93% renovável, na Europa esse índice ficou em 44%, praticamente metade, e ainda assim um recorde por lá. Esse comparativo ajudaria a negociar melhor esses acordos, que precisam refletir concessões proporcionais de todos os envolvidos, além de garantir que os preços não subam em função do emaranhado de certificações, impostos e burocracia.
Esse encarecimento pode prejudicar os próprios europeus, uma vez que os produtores lá e cá repassariam o aumento dos custos ao consumidor final. No Brasil, estudiosos avaliam que cadeias de produção robustas e estabelecidas como café e soja conseguiriam assimilar as novas exigências, mas o impacto recairia sobre os médios e pequenos produtores. No bloco europeu, países membros também demonstram apreensão e dúvidas sobre critérios de incidência, produtos elegíveis e armazenagem. A Comissão Europeia, no entanto, segue sem fazer acenos quanto a possíveis mudanças ou adiamentos.
Além do debate no Congresso Nacional, as atenções se voltam para as eleições do Parlamento Europeu em junho, que pode favorecer uma guinada à direita na distribuição dos assentos. Mesmo que uma coalizão centrista se mantenha ao final, analistas políticos concordam que o pleito pode favorecer um retorno à mesa de negociações com o Brasil e outros países descontentes com os termos da lei antidesmatamento.
Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb 13.9290)