É impossível distorcer a realidade. Se uma trading de produtos agrícolas de fato tem a ambição de ser global, precisa estabelecer bases sólidas no Brasil e, de preferência, em vizinhos-chave do País na América do Sul, como a Argentina. Não por outro motivo, os primeiros passos da Cofco Agri, controlada pela estatal chinesa de alimentos Cofco, já foram marcados por tacadas que procuraram estabelecer um bom ponto de partida no mercado brasileiro.
E essa estratégia será aprofundada nos próximos anos com rapidez e investimentos bilionários, especialmente em logística. Se tudo der certo, o objetivo é abrir o capital antes de 2020, num mercado ainda não definido.
A empresa começou a tomar forma em 2014, quando a Cofco investiu quase US$ 3 bilhões para adquirir 51% das ações da trading holandesa Nidera, que já estava em ascensão, e também da divisão agrícola do grupo asiático Noble, cujo equilíbrio econômico-financeiro já havia sido melhor. Foram as maiores aquisições da história da Cofco e do segmento chinês de grãos e oleaginosas.
Em março passado, o conglomerado concluiu a compra dos 49% que ainda não tinha na Noble, e nos próximos meses sua participação na Nidera chegará a 65%. Estimativas recentes sinalizam que, no total, o valor de mercado da Nidera chega a US$ 4 bilhões.
Paralelamente a esses investimentos, a estatal escolheu a dedo os líderes da nova Cofco Agri. E, entre outras contratações, no ano passado foi buscar na americana ADM dois executivos com larga experiência na área de grãos em geral e no Brasil em particular. O CEO global Matt Jansen, que nasceu nos EUA e que trabalhou na subsidiária brasileira da rival entre 1999 e 2006, e o CEO para a América do Sul Valmor Schaffer, que ocupava a mesma função na concorrente.
Casado com uma brasileira e fluente em português, Jansen recebeu o Valor na semana passada, durante uma de suas recorrentes viagens ao Brasil. Foi tão econômico em números quanto generoso sobre as ambições da empresa que comanda. O foco está na originação de matérias-primas agrícolas, sobretudo grãos, para abastecer principalmente a grande demanda da Cofco na China, mas também outros mercados. Para isso, boa parte dos investimentos será em logística.
“No caso da soja, por exemplo, não temos o compromisso de originar todo o volume processado pelas [seis] unidades de esmagamento da Cofco na China. Se valer a pena, podemos ir ao mercado, até porque temos outros acionistas e a obrigação de gerar retorno, como outra empresa qualquer”, disse Jansen.
Os aportes da Cofco para a aquisição dos controles de Nidera e Noble Agri, que resultaram na Cofco Agri, foram feitos pela holding Cofco International em conjunto com um consórcio de investidores formado por Hopu Investment, Temasek, Standard Chartered Private Equity e IFC (braço do Banco Mundial).
Nesse contexto, Jansen revelou que a Cofco Agri está em negociações avançadas com as estatais chinesas Sinograin e Chinatex para reforçar ainda mais o poder de barganha nas operações de compra de soja. A demanda conjunta do trio por soja chega a 25 milhões de toneladas por ano – “e as três têm capacidade ociosa na China para esmagar”. O volume equivale a um terço da demanda total da China e a cerca de metade das exportações brasileiras do grão.
Na China, já estão sob o guarda-chuva da Cofco Agri quatro unidades de processamento de soja. Há outra no Brasil, localizada em Rondonópolis (MT) – onde também há produção de biodiesel -, uma na Argentina e outra na África do Sul. Em geral, ativos que eram da Noble Agri, que também incluem operações portuárias no Brasil (Santos), na Argentina, na Ucrânia e na Austrália, as duas últimas gerenciadas por meio de joint ventures.
No total, a aquisição da Noble Agri agregou à Cofco Agri um faturamento anual de US$ 15 bilhões. No caso da Nidera, apenas no Brasil sua receita líquida foi de R$ 8.4 bilhões em 2015. Da Noble também vieram as quatro usinas sucroalcooleiras que a Cofco Agri tem no Brasil, com capacidade conjunta de moagem de cana de 15 milhões de toneladas por safra e foco em açúcar, outra commodity agrícola com boa demanda na China. A empresa controla outras duas usinas, uma na China e outra na Austrália. Como uma trading típica, a companhia também atua com milho, café e algodão.
Fonte: Valor Econômico