Apesar de a Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e Receita Federal apontarem risco de crime de responsabilidade e restrições orçamentárias nas contas do governo, o presidente Jair Bolsonaro decidiu mandar para o Congresso um projeto de lei para anistiar parte das dívidas bilionárias contraídas pelas empresas do agronegócio com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
O presidente vem sendo muito pressionado por deputados da bancada ruralista e por produtores, que planejam reunir 50.000 pessoas em protesto em Brasília, no mês que vem, para cobrar seu compromisso de campanha feito com o setor, que o apoiou em peso nas eleições do ano passado.
Na terça-feira, Bolsonaro avisou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que enviará um novo projeto de lei em regime de urgência sobre o assunto. A conversa se deu durante a marcha dos prefeitos na capital federal, disse Maia ao Valor.
Com a urgência, a Câmara terá 45 dias para votar a proposta ou ela passará a impedir a votação de outros projetos em plenário. Uma fonte do alto escalão do governo confirmou a intenção de enviar um novo projeto de lei.
No dia anterior, Maia havia revelado publicamente que Bolsonaro pediu no fim do ano a aprovação do projeto 9.252/2017, do deputado ruralista Jerônimo Goergen (PP-RS), que concede anistia total às dívidas, mas o presidente da Câmara recomendou que o governo aguardasse para ter todos os dados porque o custo giraria em torno de R$ 30 bilhões à época, segundo estimativas da equipe econômica.
“Eu disse: presidente, aguarda o Ministro (da Economia) Paulo Guedes assumir e vamos discutir isso no começo do seu governo. O impacto é muito grande”, contou Maia, para justificar que o Legislativo terá responsabilidade fiscal.
Também há resistências na equipe econômica. Quando esteve no Ministério da Agricultura em fevereiro para tentar acalmar a ira do setor agropecuário com o fim das tarifas antidumping ao leite em pó europeu, Guedes disse pessoalmente para a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ser totalmente contra a concessão de perdão das dívidas do Funrural, conforme apurou o Valor.
Tereza sempre se opôs a anistias e foi a principal articuladora da lei que criou um Refis para renegociar os débitos do Funrural, mas que até hoje arrecadou apenas R$ 35 milhões diante da baixa adesão dos produtores. Muitos apostaram no perdão das dívidas após o compromisso de campanha de Bolsonaro.
Agora, órgãos técnicos de governo passaram a alertar sobre os riscos de um projeto de anistia ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe qualquer renúncia fiscal sem que o governo indique receita equivalente para cobrir o eventual rombo. E recomendam que, caso o Congresso aprove uma proposta nesse sentido, Bolsonaro poderia incorrer em crime de responsabilidade fiscal ao sancioná-la, sob o risco de sofrer um impeachment.
Por ordem de Bolsonaro, segundo apurou o Valor, o governo trabalha num projeto para reduzir o impacto orçamentário, calculado hoje pelo governo em R$ 11 bilhões. Uma alternativa em debate é um teto para as dívidas que seriam anistiadas, deixando de fora muitos devedores.
“A Casa terá de ouvir os órgãos técnicos quanto ao impacto orçamentário, mas havendo decisão política de se regulamentar essa cobrança, há um espaço muito grande para se construir um PL e trabalhar essas questões”, disse o diretor da AGU Vanir Fridriczewski em audiência pública anteontem sobre o Funrural.
Há outros focos de resistência. O procurador-adjunto da Dívida Ativa da União e FGTS da PGFN, Cristiano Neuenschwander, argumentou na mesma audiência que a atual Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) veda a concessão de qualquer tipo de benefício fiscal em 2019.
E o auditor fiscal da Receita Marco Hubner afirmou que a proposta de uma anistia de dívidas do Funrural “entraria em choque” com a própria reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, cujo texto atual proíbe remissões e anistias a contribuições sociais.
Para acelerar mais, a bancada ruralista defende aprovar um substitutivo ao projeto de Goergen. “Seria o melhor. Existe uma ansiedade muito grande porque o fato de o presidente declarar na campanha que ia ter anistia fez muitos produtores esperarem e agora estão no limbo”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDBRS).
Valor Econômico