“Benditos frutos da fruticultura”. Por Evaristo de Miranda

O Brasil é um gigante das frutas frescas: terceiro produtor mundial.
Em 2023, a produção foi da ordem de 123 milhões de toneladas

Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
(Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel, o Venturoso).

Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, foi o autor do primeiro documento escrito sobre o Brasil. Uma verdadeira certidão de batismo. Ainda assim, cinco séculos depois, Pero Vaz é destratado por gente do agro, e até exposto com ironia por ex dirigente da agricultura, acusando-o de ter dito a frase “nesta terra em se plantando tudo dá”. Para os detratores, ela traz a falsa ideia de que o Brasil tem solos férteis. Não tem mesmo. Ou bastaria plantar e colher. Sem trabalhar. A frase projetaria nos agricultores a imagem da preguiça. Eles
viveriam da exuberância dos solos. Haja narrativa injusta. Na frase original, Pero Vaz nunca creditou aos solos o potencial de produção, e sim às águas: “Dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem”. Quem faz essas acusações nunca leu a Carta de Pero Vaz. E reproduz a frase de uma propaganda antiga de adubos. A Carta é objeto de estudos filológicos, antropológicos, históricos, filosóficos, religiosos e psicológicos por sua precisão e riqueza de detalhes, abrangência, fidelidade a fatos e rigor de análise. E foi redigida em uma semana. Sem editor de texto. Se, ao tomarem conhecimento do original, os expoentes do agro não pedirem perdão à memória do escrivão real, pelo menos que se calem. Aapresentação da Carta na “Workepedia” é do mesmo calã0.

Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel | Foto: Wikimedia Commons

Para Caminha, na Terra de Santa Cruz parecia não haver agricultura significativa “senão desse inhame que aqui há muito”. Nem pecuária. Os índios “não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem nenhum outro animal acostumado a viver
com os homens”. Ele nunca retornou a Portugal. Oito meses depois morreu na Índia, em combate, durante ataque muçulmano à feitoria de Calecute.

No início do século 16, não havia nada a esperar do Brasil referente a ouro, prata ou produtos elaborados, como seda, porcelanas, especiarias ou mesmo pérolas e corais. Para atender às necessidades básicas de alimentação, saúde e vestimenta, durante séculos, os portugueses
introduziram em terras brasileiras tudo de possível interesse, sobretudo a partir da Ásia e da Europa.

Pero Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral, o Frei Henrique de Coimbra e o mestre João a carta que será enviada ao rei dom Manuel I. Pintura de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1900) | Foto: Domínio Público

Os lusitanos promoveram o aumento da biodiversidade brasileira e a mudança dos hábitos alimentares, com a introdução de grande variedade de vegetais: cana-de-açúcar, manga, banana,
carambola, melão, melancia, arroz, feijão, trigo, aveia, sorgo, inhame, uva, coco, figo, fruta-pão, jaca, laranja, limão, tangerina, tamarindo, café, cravo, canela, pimenta-do-reino, caqui, sapoti, gengibre, romã, amora, maçã, pera, pêssego, pinha, graviola, hortaliças, temperos e ervas medicinais.

A ecologia explica o sucesso das introduções transcontinentais de espécies. Transportadas sem suas principais pragas e doenças, as novas culturas cresceram melhor no Brasil. Bananas asiáticas foram cultivadas e observadas na Madeira, em Portugal, além de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. As melhores mudas, produtivas e sadias, foram levadas ao Brasil. Da mesma forma, seringueira, cacau, mandioca e abacaxi tiveram ótimo desenvolvimento, levados sem pragas e doenças à Ásia e à África, hoje seus maiores produtores.

O processo de introdução de plantas exóticas começou na orla marítima com a introdução e o plantio de coqueirais. Trazido do Oceano Índico, o coco é um exemplo de sucesso na ampla produção de frutas frescas, temperadas e tropicais, em todo o Brasil. Sistemas de produção foram
desenvolvidos ao longo de séculos. Variedades melhoradas ampliaram o calendário das colheitas. A irrigação garante uma produção permanente. Ao longo do ano não faltam laranja, banana, manga, maçã, uva, morango, melão, mamão, abacaxi, abacate, açaí e outras frutas.

Coqueiro em Porto de Galinhas, em Pernambuco (2023) | Foto: Shutterstock/Victor Hugo KF

Intensiva em mão de obra (para viveiro, plantio, poda, raleio, controle biológico, colheita, pós-colheita, empacotamento, embalagens…), a fruticultura lidera a geração de empregos na agropecuária. São cerca de 5,5 milhões de empregos diretos, segundo a Associação Brasileira
dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). Criada em 2014, ela conta com 92 associados e reúne 85% do volume de frutas frescas exportadas.

O Brasil é um gigante das frutas frescas: terceiro produtor mundial. Em 2023, a produção foi da ordem de 123 milhões de toneladas. A China é o primeiro. Tudo consome, nada exporta e ainda é grande importadora de frutas. É como a Índia, o segundo maior produtor de frutas.

Gigante na produção, o Brasil é um anão na exportação de frutas frescas: 4,4 milhões de toneladas. Cai da terceira para a 23ª posição mundial. Sete frutas representam cerca de 80% do mercado internacional: manga, melão, uva, limão, melancia, mamão e maçã.

Nas cadeias produtivas do agro, para não dizer da atividade humana, existe sempre o fenômeno da concentração. Em 2023, do total de frutas, cerca de 40% foram produzidos em São Paulo; 8,5%, na Bahia; e 7%, em Minas Gerais e no Pará. São Paulo e Bahia concentram quase metade
do volume das frutas frescas. Exceção amazônica, o Pará reúne quase toda a produção nacional de açaí e abacaxi. Os outros Estados amazônicos são insignificantes. Nenhum deles contribui com 1% na fruticultura. O Amapá, com apenas 0,08%. Os “4 Ms” (melão, melancia, mamão e manga) alavancam a fruticultura no Rio Grande do Norte.

Prateleira com variedade de frutas no Mercado Municipal de São Paulo (15/11/2015) | Foto: Shutterstock/Rafael Tomazi

A concentração em 2023 também esteve nas espécies cultivadas. Cinco frutas representam 70% do total: laranja (50 milhões de toneladas), banana (20 milhões de toneladas), melancia (6,2 milhões de toneladas), coco (5,1 milhões de toneladas) e, empatados em quinto lugar, açaí e abacaxi (4,7 milhões de toneladas). A lista segue com o melão (1,9 milhão de toneladas) e outras. O conceito de frutas é amplo. A rigor fariam parte da fruticultura o café, o tomate e o cacau, por exemplo.

O valor estimado pela Abrafrutas da fruticultura nacional em 2023 foi da ordem de R$ 156 bilhões. A laranja responde por cerca de 24% desse valor. Segue a banana, com 20%. E na terceira posição? Pouca gente sabe. Não é manga, uva ou maçã. É o açaí, com 10% do valor da
fruticultura. A produção brasileira de frutas é sobretudo destinada ao mercado interno.

Gigante na produção, o Brasil é um anão na exportação de frutas frescas: 4,4 milhões de toneladas. Cai da terceira para a 23ª posição mundial. Sete frutas representam cerca de 80% do mercado internacional: manga, melão, uva, limão, melancia, mamão e maçã. Segundo dados da Abrafrutas, o principal destino em 2023 foi a Europa, com cerca de 71% do volume: Holanda (1,6 milhão de toneladas), Reino Unido (712 mil toneladas), Espanha (537 mil toneladas), Portugal (106 mil toneladas), Alemanha (56 mil toneladas), Itália (50 mil toneladas), Irlanda (32 mil toneladas) e França (31 mil toneladas). O Brasil exportou aos Estados Unidos (357 mil toneladas), Canadá (90 mil toneladas), Rússia (66 mil toneladas) e Suíça (7 mil toneladas).

Navio com destino à Europa, carregado com frutas tropicais, em Natal, no Rio Grande do Norte (1º/1/2019) | Foto: Shutterstock/Ievgenii Bakhvalov

Esses exigentes mercados atestam a qualidade e a ausência de resíduos de agroquímicos nos produtos brasileiros. As frutas exportadas possuem certificações internacionais, como Global Gap, Rainforest Alliance, Global GAP-Grasp, Fairtrade, Tesco Nurture, BSCI, HACCP e outras.

As exportações brasileiras de frutas frescas para mais de 170 países em 2023 alcançaram receitas de US$ 1,2 bilhão. Foi o melhor desempenho já registrado: aumento de mais de 26,7% em valor e de 6% em volume, em relação a 2022. É o reconhecimento da qualidade dos produtos brasileiros no mercado global. Seguem alguns exemplos.

Manga: lidera as exportações de frutas do Brasil. Em 2023, houve um aumento de 52% em valor e 15% em volume (266 mil toneladas).

Melão: as exportações cresceram 25% em valor, sem aumento no volume (228 mil toneladas). A qualidade excepcional e o sabor do melão produzido ajudam a garantir a posição de segundo produto mais exportado em 2023.

Uva: conquistou novos mercados globais, cresceu 55% em valor e 35% em volume (73,5 mil toneladas), por sua competitividade internacional. Limão: aumento de 12% em valor e 5% em volume (167 mil toneladas), impulsionado pela crescente demanda internacional, por seu sabor único.

Mamão: o Espírito Santo lidera com vários tipos: papaia, formosa e outros. A diversificação permite produzir ao longo do ano e garantir o suprimento constante dos mercados interno e externo. Foram exportadas 37,8 mil toneladas.

Maçã: aumento de 24% em valor e 3% em volume (36 mil toneladas). A diversidade de mercados conquistados ilustra sua qualidade (sabor, crocância e suculência) e competitividade: Índia, Bangladesh, Irlanda, Portugal, Reino Unido, França, Rússia, Espanha, Emirados Árabes Unidos,
Holanda, Suécia, Arábia Saudita, Catar, Colômbia, Honduras e Nicarágua.

Abacate: aumento de 128% em valor e 142% em volume (26 mil
toneladas). Nutritivo, sua qualidade e sabor estão associados à alimentação
saudável.

A abertura de mercados prossegue com apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária e da Apex. Neste ano, inspetores da Malásia vistoriaram áreas produtoras de maçã no Rio Grande do Sul e de melão no Rio Grande do Norte para abertura de mercado.

 

Evaristo de Miranda é doutor em ecologia, ex pesquisador da Embrapa e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA.
Artigo anteriormente publicado na revista Oeste e gentilmente cedido pelo autor para publicação nesse Portal.

 

 

 

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