A indústria de alimentos orgânicos dos Estados Unidos, de US$ 35 bilhões, quase triplicou de tamanho ao longo dos últimos dez anos, desafiando a habilidade do Departamento de Agricultura americano (USDA) de monitorar mais de 25 mil fazendas e outras organizações que vendem animais de criação e produtos orgânicos.
Atualmente existem 81 “agentes certificadores” credenciados, ou grupos que chancelam os alimentos como orgânicos nos EUA. Mas dos 37 que passaram por uma completa avaliação este ano, 23 falharam na aplicação correta das exigências de certificação nas fazendas auditadas, de acordo com um relatório interno do USDA. As 23 firmas não conduziram de forma adequada inspeções nos locais ou não avaliaram de forma correta as solicitações de certificação orgânica, entre outras coisas, segundo o relatório.
Uma investigação à parte, conduzida pelo “The Wall Street Journal” em registros do USDA desde 2005, verificou que 38 dos 81 agentes certificadores falharam em pelo menos uma ocasião no cumprimento das regras do Departamento de Agricultura.
Nesse período, 40% desses 81 certificadores foram advertidos pelo USDA por conduzirem inspeções incompletas; 16% deles falharam na indicação do risco potencial de fazendas orgânicas usarem pesticidas e antibióticos proibidos; e 5% não preveniram sobre a possibilidade de se misturar produtos orgânicos e não orgânicos, conforme a investigação do WSJ.
Os agentes certificadores – entidades autorizadas pelo USDA para inspecionar e certificar fazendas orgânicas e fornecedores – incluem pequenos grupos sem fins lucrativos, agências estatais e grandes multinacionais. Todos são pagos pelas fazendas ou firmas que eles certificam.
O USDA afirmou que exige que os certificadores cumpram inúmeras exigências e que os problemas encontrados pelo WSJ e o relatório interno da agência refletem “um processo de credenciamento muito rigoroso que exige o cumprimento integral [dos padrões] e a correção de questões identificadas”. Os que não cumprem as regras de conformidade, como os 23 citados neste ano, têm a chance de resolver o problema, mas correm o risco de serem excluídos do programa de certificação se o problema não for resolvido.
O USDA acrescentou que seus certificadores estavam de acordo com 97% dos seus regulamentos.
Os produtos orgânicos podem custar até o dobro dos produzidos de forma convencional, mas, exceto pelas etiquetas que os identificam, os consumidores não têm como avaliar se são de fato orgânicos. As pessoas têm que confiar na garantia dada pelas empresas e pelos grupos sem fins lucrativos de que o alimento foi produzido em conformidade com as regulamentações federais.
“Toda a configuração do sistema precisa ser melhorada”, diz Chenglin Liu, professor de direito da Universidade St. Mary, em San Antonio, no Texas, que estudou o sistema de certificação de orgânicos e levantou preocupações sobre o rigor dos agentes certificadores e a ausência de checagens frequentes por parte do Departamento de Agricultura desses certificadores. “Isso deixa muito espaço para erros.”
Três agentes foram excluídos do setor de certificação pelo USDA entre os 100 que foram aprovados para operar como certificadores desde o início do programa, em 2002, de acordo com um porta-voz do USDA. “Nós usamos todas as ferramentas de execução que temos disponíveis, enquanto também trabalhamos com os parâmetros legais do sistema de direito administrativo”, afirmou o porta-voz do USDA. “Qualquer questão de descumprimento, mesmo mínima, é corrigida.”
O Whole Foods Market Inc., principal cadeia de supermercados de produtos orgânicos, acredita que o selo orgânico aumenta o nível de “integridade” para os varejistas e consumidores, diz Joe Dickson, coordenador sênior global de padrões de qualidade da empresa. Dickson, que também integra o conselho nacional de padrões orgânicos do USDA, diz que o sistema vai melhorar quando a agência adotar um banco de dados em tempo real de operações orgânicas certificadas.
O USDA não possui atualmente um banco de dados centralizado das fazendas que foram suspensas. O USDA informou que está trabalhando para “ampliar a atualização e a precisão da nossa lista de operações certificadas” e que está desenvolvendo um novo sistema que vai “servir como uma lista modernizada de operações certificadas”. Esse sistema, segundo a agência, vai “fechar todas as brechas existentes geradas pelas restrições do banco de dados atual”.
Algumas fazendas identificadas por estarem violando as regras do USDA foram autorizadas a se candidatarem novamente para participar do programa com penas reduzidas.
Em 2008, Ryan Fehr foi suspenso pelo seu certificador por falhar na manutenção de registros adequados na sua fazenda no Estado de Iowa, de acordo com documentos de apelação do USDA. Segundo esses documentos, ele foi readmitido em 2012, mas suspenso novamente no ano passado, depois de descobrirem que ele vendeu produtos como orgânicos em 2010, período em que estava descredenciado. O USDA fechou um acordo com o produtor em 2013, permitindo que ele se candidatasse novamente ao programa após o pagamento de uma multa de US$ 500. Fehr não retornou os telefonemas da reportagem pedindo para comentar.
A agência tem adotado esse tipo de acordo com certa frequência. Nos nove meses encerrados em fevereiro de 2014, o número de acordos foi cinco vezes maior do que na média do período desde 2005, segundo análise do WSJ com base nos documentos do USDA. O porta-voz do USDA disse que esses acordos permitem que as agências “resolvam questões de conformidade de um modo que leva as empresas para o cumprimento das regras sem procedimentos administrativos caros e prolongados”.
O caso de Fehr seguiu “o processo padrão exigido para operações suspensas serem analisadas para uma nova certificação”, afirmou o porta-voz do USDA.
Alguns certificadores foram pegos violando as regras das agências governamentais. Em 2012, o USDA informou em uma auditoria que a empresa Quality Assurance International Inc., da Califórnia, o quarto maior agente certificador americano em número de operações certificadas, não conseguiu fornecer resultados de testes de pesticida para o Departamento de Agricultura.
Após o USDA ter repreendido o agente certificador, ele entregou os resultados, que mostraram que um cominho orgânico de uma operação certificada pela QAI estava contaminado com vários pesticidas, incluindo o carbamato, um inseticida cujo uso foi proibido em 2009 pela Agência de Proteção Ambiental americana em qualquer tipo de alimento.
A QAI informou que o incidente foi uma “exceção” única, que a certificadora apresentou os resultados ao Food and Drug Administration, ou FDA, a agência americana que controla alimentos e medicamentos, e ao Programa Nacional de Orgânicos e que as vendas desse produtor de cominho foram suspensas “até que medidas corretivas fossem adotadas”.
O USDA informou que a firma “recebeu a notificação de não conformidade e adotou medidas corretivas para resolver a questão”.
Fonte: Valor Econômico