Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), elaborou um documento que está sendo encaminhado aos presidenciáveis, em que reafirma o compromisso do setor com a preservação e recuperação do meio ambiente, enumera os benefícios ambientais da produção canavieira e destaca que, com o novo Código Florestal, o país tem a oportunidade de colocar em prática um dos maiores programas de preservação e recuperação de vegetação nativa do mundo.
O documento mostra dados atualizados da situação da indústria da cana-de-açúcar e critica a ausência de políticas públicas para enfrentar a conjuntura que vem impactando negativamente o setor desde 2009. Também são sugeridas ações que possam ajudar na reversão desse cenário.
O ex-ministro da Agricultura e presidente do conselho de administração da entidade, Roberto Rodrigues, afirma que eles estão “buscando uma solução que procure harmonizar os interesses dos diferentes setores envolvidos”. “Sem um equilíbrio, ninguém vai sobreviver a longo prazo”, acredita ele. “Levamos quarenta anos para desenvolver essa tecnologia e sermos líderes, mas agora corremos o risco de ficar para trás”, diz.
Para a UNICA, a reversão do cenário atual somente será alcançada a partir de uma política de longo prazo consistente, com a valorização de uma matriz energética diversificada e que reconheça as contribuições ambientais do etanol e da bioeletricidade. A palavra chave, segundo a entidade, é previsibilidade e, entre os elementos fundamentais dessa política, quatro itens são fundamentais: diretriz de longo prazo para a matriz brasileira de combustíveis; diferenciação tributária entre o combustível renovável e seu substituto fóssil; estímulos aos ganhos de eficiência técnica dos veículos; valoração das vantagens da bioeletricidade e, finalmente, preservação e recuperação ambiental.
INVESTIMENTOS
O documento ressalta que o Brasil tem o programa mais bem sucedido de substituição de combustível fóssil por combustível renovável no mundo e que esse resultado só foi possível pela resposta do setor produtivo garantindo o crescimento da oferta de etanol anidro e hidratado. E destaca que “entre 2004 e 2010, mais de 100 novas plantas industriais foram construídas e o número de unidades produtoras em operação superou 400 empresas, promovendo um aumento superior a 60% na capacidade de produção. Esta expansão ocorreu primordialmente sobre terras com pastos degradados, respeitando o zoneamento agroecológico e sem competição com a produção de alimentos”.
Com relação aos investimentos no setor, lembra que apenas os considerados industriais realizados para a ampliação da capacidade produtiva desde 2004 são estimados em mais de US$ 30 bilhões. “Mais de US$ 5 bilhões foram destinados à compra de máquinas e equipamentos para a mecanização da colheita da cana-de-açúcar, atendendo exigências ambientais”. Na área de logística, “apenas nos últimos três anos, mais de US$ 1,5 bilhão foram investidos na otimização da infraestrutura utilizada no escoamento da produção, incluindo ferrovias, terminais, transbordos, armazéns e instalações portuárias. Os investimentos estimados em duto vias e hidrovias para desenvolvimento da logística de distribuição e exportação de etanol devem atingir US$ 3,5 bilhões até 2017”.
CADEIA SUCROENERGÉTICA
Sobre a importância da cadeia sucroenergética para a economia brasileira, a UNICA mostra um levantamento realizado pela Universidade de São Paulo, segundo o qual o valor bruto movimentado pela cadeia sucroenergética na safra 2013/2014 superou US$100 bilhões, com um PIB do setor sucroenergético de aproximadamente US$ 43 bilhões na última safra. A geração de divisas com as exportações de açúcar e de etanol alcançou US$ 14 bilhões em 2013.
Ainda segundo o estudo da USP, apenas o setor produtivo emprega diretamente 1 milhão de trabalhadores e no que diz respeito a empregos indiretos existem mais de 16 mil estabelecimentos vinculados à produção de cana e etanol. De acordo com a USP, o número de produtores rurais de cana-de-açúcar independentes é relevante: cerca de 70 mil fornecedores, o que demonstra que as atividades produtivas do setor têm alto grau de interiorização. “O número de municípios com produtores de cana ou etanol é quase 6 vezes maior do que o número de cidades com presença da indústria de petróleo no Brasil”.
ENERGIA DA CANA-DE-AÇÚCAR
Na área energética, diz o documento da UNICA, o etanol e a bioeletricidade ocupam papel de destaque e promovem benefícios econômicos e ambientais consideráveis. Dentre eles, ressalta, “a cana-de-açúcar é a primeira fonte de energia renovável do Brasil, responsável por 16,1% da matriz nacional. Apenas o uso do etanol e da bioeletricidade seria suficiente para posicionar o País acima da média mundial no uso de energias limpas e renováveis, atualmente em 13%”.
Do lado da produção da cana de açúcar destacam-se os benefícios ambientais associados às boas práticas da produção canavieira e do manejo sustentável. Exemplifica com as propriedades canavieiras de São Paulo, que possuem cerca de 300 mil hectares de áreas de matas ciliares e nascentes conservadas ou em recuperação. “O investimento para a completa recuperação dessas matas, apenas nos canaviais paulistas, demandará pelo menos R$ 2 bilhões”. E lembra que “o emprego do fogo para a despalha da cana está praticamente eliminado nos canaviais do Centro Sul do País. “Em São Paulo, como exemplo, a mecanização da colheita saltou de 34,2% em 2006 para 84% em 2013, sendo que em 2014, quase 100% dos canaviais paulistas mecanizáveis deverão ser colhidos sem fogo”.
Isso evitou, diz o documento, somente em São Paulo, a emissão de 4,4 milhões de toneladas de CO2eq3 (gases causadores de efeitos estufa) desde 2007. “Os investimentos na mecanização da colheita superaram R$ 5 bilhões. A palha não queimada tem grande potencial energético (energia elétrica e etanol 2G), mas que depende de políticas públicas e de pesquisa e desenvolvimento para viabilizar economicamente seu uso”.
AMBIENTE E SAÚDE PÚBLICA
Em relação à conservação de recursos hídricos, as indústrias sucroenergéticas reduziram o consumo de água no processo industrial de uma média de 5 metros cúbicos por tonelada de cana nos anos 90 para um consumo médio próximo de 1 metro cúbico. Esse número, garante a UNICA, vem declinando ano após ano. “No centro de tudo está a produção da cana-de-açúcar, com base em um manejo sustentável do solo, promovendo a recuperação de terras degradadas”.
O documento mostra, também, que o consumo de etanol pelos veículos flex, combinado à mistura obrigatória do produto na gasolina, reduziu a emissão de gases de efeito estufa em mais de 240 milhões de toneladas de CO2eq desde março de 2003, data do lançamento dos
automóveis flex no Brasil. “Um estudo conduzido por um pesquisador da Unicamp indica que o custo do consumo da gasolina, em função dos danos estimados pela emissão de gases de efeito estufa, é da ordem de US$ 0,12/litro. Com base neste valor, e considerando que, desde o início do Proálcool, houve uma substituição de cerca de 350 bilhões de litros de gasolina- equivalente pelo uso do etanol, pode-se estimar uma economia de cerca de US$ 42 bilhões, ou R$ 93 bilhões.
Já com relação aos benefícios associados à saúde pública, a UNICA exemplifica com o trabalho desenvolvido por equipe de médicos e especialistas da Universidade de São Paulo, que concluiu que “o uso do etanol combustível nas oito principais regiões metropolitanas do Brasil tem sido responsável pela redução de quase 1.400 mortes e mais de 9.000 internações anuais ocasionadas por problemas respiratórios e cardiovasculares associados somente ao uso de combustíveis fósseis. Trata-se de uma economia de R$ 430 milhões por ano para o sistema de saúde pública e privada”.
Destaca, ainda, a importância estratégica da bioeletricidade: “O potencial de produção de eletricidade a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar é estimado pela Empresa de Pesquisa Energética, entidade vinculada ao Ministério de Minas e Energia, em 22 GW médios até 2022. Isso equivale a quase cinco usinas de Belo Monte em produção de energia”.
A MAIOR CRISE DA HISTÓRIA DO SETOR
Para a UNICA, a perda de competitividade do etanol promoveu uma reversão no ciclo virtuoso de investimento e crescimento desta indústria, gerando uma crise sem precedentes. Desde a crise financeira mundial em 2008, até 2013, mais de 70 usinas já fecharam as portas no Brasil e, somente em 2014, na região Centro-Sul outras 12 unidades devem encerrar suas atividades. São 66 unidades produtoras em recuperação judicial, considerando as unidades em operação e aquelas inativas.
A dívida líquida média das empresas do setor sucroenergético, segundo a entidade, supera seu faturamento bruto anual e quase 15% da receita está comprometida com o pagamento de juros. Para 20% das usinas ativas, aponta o documento, essa situação é ainda mais preocupante: um quarto da receita é utilizada para o pagamento do serviço da dívida. “Apenas nos últimos dois anos, esse movimento levou à perda de mais de 60 mil empregos diretos no setor produtivo. Empresas de bens de capital voltadas para a indústria canavieira registram, desde 2010, queda de 50% no faturamento, com o corte de milhares de postos de trabalho”.
Outros fatos preocupantes, diz o documento entregue à candidata Marina Silva, referem-se aos municípios canavieiros, que “estão enfrentando queda acentuada de arrecadação, com forte deterioração nos segmentos de comércio e serviços, bem como companhias de grande porte, que efetuaram altos investimentos na atividade sucroenergética nos últimos anos, sinalizam a disposição de deixar o setor”.
Do ponto de vista da segurança energética, a UNICA realça que a crise do setor e a consequente redução do crescimento da oferta do etanol levaram o País a importar nos últimos três anos quase 9 bilhões de litros de gasolina, representando um total de 6,8 bilhões de dólares em divisas. E destaca que no Estado de São Paulo, responsável por cerca de 60% da produção nacional de cana-de-açúcar e mais de 50% do consumo de etanol hidratado, os efeitos da crise são evidentes. “Dos 645 municípios do Estado, mais de 450 cultivam cana-de-açúcar e a maior parte das empresas que compõem a indústria de base voltada à cadeia da cana-de-açúcar está localizada em São Paulo. Do total de unidades produtoras desativadas desde 2008, mais de 35 se localizam no Estado”, finaliza.
Por equipe SNA/SP