Artigo: ‘Um outro Ministério da Agricultura’, por Roberto Rodrigues

Dentro do novo arranjo administrativo que a equipe de transição do futuro presidente da República está preparando, vem sendo organizado um Ministério da Agricultura (Mapa) muito mais empoderado do que o atual. A mais importante novidade será a incorporação ao Mapa da estrutura que cuidará da agricultura familiar.

De fato, ter mais de um ministério cuidando da agropecuária não fazia sentido. A grande importância da agricultura familiar e as políticas específicas exigidas para este setor não seriam suficientes para a divisão administrativa criada pelo governo FHC.

Seria como se existisse um Ministério da Saúde para cuidar de planos de saúde nos pequenos municípios e outro para as demais responsabilidades inerentes ao tema. Não existem “advogados grandes” e “advogados familiares”: todos os graduados em Direito são advogados, mais conhecidos ou menos notáveis, mas são todos profissionais do mesmo ramo, cada qual com sua especialidade.

Assim são os agricultores, uns pequenos, outros médios, outros grandes, mas sua profissão é sempre a mesma: a produção agropecuária e florestal. Claro que suas demandas são diferentes, suas capacidades de absorção de tecnologias inovadoras são distintas, e as ações de governo devem ser compatíveis com tal diversidade.

Mas a duplicidade ministerial, além de elevar custos para a sociedade, acarretava disputas por poder e por recursos orçamentários e ainda viabilizava uma dicotomia ideológica indesejável. É lógica, portanto, a criação de uma Secretaria de Agricultura Familiar na nova estrutura do Mapa, e ainda mais sendo acoplada ao setor do cooperativismo, instrumento essencial para o desenvolvimento dos pequenos produtores rurais.

Outra ótima notícia é à volta ao Mapa do setor pesqueiro e da aquicultura, que constituíram um ministério específico no governo Lula. É certo que este segmento tem um extraordinário potencial no nosso País, seja por causa de nossos mais de oito mil quilômetros de costa marítima, seja por causa de nossos “farturosos” rios e lagos no interior.

Podemos produzir peixes de água doce em profusão, e já estamos fazendo isso, ou montar uma poderosa frota pesqueira no mar, mas isso não seria razão para um ministério exclusivo. Se fosse, por que não ter um ministério para a soja, outro para as culturas permanentes, outro para carnes e até outro para mandioca, reverenciada no governo anterior?

Uma novidade muito boa é a criação de uma Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, que tratará de regularização fundiária (inclusive na Amazônia), do cadastramento das propriedades rurais, e do reordenamento agrário.

Terá grande importância, e o tema da reforma agrária já fez parte do Mapa no passado não tão distante (até os anos 80 do século passado), e de lá saiu por razões políticas. Esta separação foi ruim, até porque os organismos que cuidavam dos assuntos fundiários nem sempre se alinhavam à política agrícola.

Será criada uma Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, destinada a apoiar avanços tecnológicos com ênfase na sustentabilidade, e que dará atenção ao semiárido. Super justo cuidar desse imenso território do Nordeste, muito populoso, e que tem ficado à margem de políticas sistêmicas de desenvolvimento, em que aspectos técnicos como a irrigação ganharão grande incremento.

As demais secretarias, como a de Defesa Sanitária (que cuida de um dos principais gargalos de nossa produção), a de Política Agrícola (responsável pela definição dos instrumentos de apoio do governo ao campo) e a de Relações Internacionais (que se soma ao Itamaraty nas disputas comerciais, inclusive com o trabalho eficiente de nossos adidos agrícolas a embaixadas selecionadas) serão mantidas e fortalecidas.

E toda a área estratégica ficará diretamente ligada ao gabinete da futura ministra.

São boas novas. E podemos acreditar que outras instituições como a Funai, o Ibama e a Anvisa, nem sempre afinadas com a visão do Mapa, também se alinhem a ele, sob a orientação do futuro presidente da República.

 

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios

da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

 

Fonte: O Estado de S. Paulo

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