Por Roberto Rodrigues*
Certa vez um importante homem público brasileiro disse que a política era como as nuvens no céu: a gente olha, e elas estão organizadas de um determinado jeito; dez minutos depois estão dispostas de maneira completamente diferente.
Sem querer parodiar esse grande político, na atividade rural acontece a mesma coisa: se existem nuvens que trazem chuvas abundantes e bem distribuídas, as safras são expressivas, e todo mundo se beneficia disso. Mas, se as nuvens não se apresentam por um longo período para cumprir seu papel irrigante, a seca reduz ou destrói as colheitas, e todo mundo perde.
A safra recorde de grãos prevista para este ano já não acontecerá mais. A chuva demorou a chegar na época do plantio do ano passado, atrasando-o. Isso diminuiu a janela para o plantio da segunda safra de milho, que hoje representa mais de 70% do volume de produção do precioso cereal, e que é semeado após a colheita da soja, no começo do ano.
Mas pior do que isso foi a estiagem prolongada, de março a junho, que aconteceu em várias regiões produtoras, quebrando de forma espetacular o volume do milho. Para uma estimativa inicial de 110 milhões de toneladas, a Abramilho já calcula uma colheita ao redor de 90 milhões. Uma diferença de 20 milhões de toneladas.
Fila
Para se ter uma ideia, se cada caminhão bitrem transportar 70 toneladas, seriam necessários 286 mil caminhões para carregar esse volume. Postos um atrás do outro, seria possível formar uma fila de 8.570 quilômetros. Daria para ir de Porto Alegre a Manaus e voltar. Este é o tamanho da perda.
As culturas perenes e as semipermanentes também sofreram. A quebra da produção da cana-de-açúcar será em torno de 10%, quase 60 milhões de toneladas a menos em relação à safra passada, conforme a Canaplan. Mais 545 mil caminhões, fila de 16 mil quilômetros do que não vamos colher.
Café e laranja
A safra de café, além da seca, sofre a questão da bienalidade (um ano de muita produção e outro de baixa), quebra de 22% em relação ao ano passado, ou 15 milhões de sacas de 60 quilos.
A colheita de laranja deverá alcançar 294 milhões de caixas de 40,8 quilos, 10% abaixo da média dos últimos dez anos, segundo a Fundecitrus. Ainda tem os pastos secando mais cedo…
Balanço
Por outro lado, os números do primeiro trimestre foram muito favoráveis à agropecuária. Em relação ao primeiro trimestre do ano passado, o PIB do setor cresceu 5,2%, enquanto o do País cresceu 1,0%. Na comparação com o último trimestre de 2020, imediatamente anterior ao estudado, o aumento do PIB do agro foi de 5,7%, ante 1,2% do brasileiro.
No período de janeiro a abril deste ano, as exportações do agronegócio aumentaram 19,8%, representando 45,1% de tudo o que o país exportou.
A numerologia da seca tem reflexos possíveis para os produtores e para os consumidores. Para os produtores, redução de faturamento. Para os consumidores, possível aumento de preços.
Câmbio
Alguns fatores podem mitigar esse cenário, entre eles o câmbio: com a desvalorização do dólar, será possível importar grãos para suprir a quebra de produção, o que beneficiaria os consumidores, e para os produtores poderia haver uma redução dos custos de produção pela diminuição dos preços dos insumos importados. Mas esse efeito seria pequeno porque a maioria dos agricultores já comprou seus insumos quando vendeu a safra.
Resta um segmento no meio do caminho, a indústria de transformação: pagou mais caro pela sua matéria-prima e não conseguiu repassar esses custos ao consumidor em função da situação gerada pela pandemia, com milhões de desempregados com poder aquisitivo reduzido.
Otimismo
Mesmo assim, analistas mais otimistas apostam num crescimento do PIB brasileiro acima de 4,5% em 2021, o que é alvissareiro e se conecta ao crescimento global da economia. Se o crescimento for muito maior do que essa expectativa, a seca poderia ter outra consequência ruim: o baixo nível das represas pode complicar a oferta de energia. As autoridades ainda estão tranquilas quanto a esse assunto.
Em resumo, devemos todos torcer para nuvens carregadas nos céus do Brasil, desde que não sejam as da política.
*Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas.
Fonte: Estado de S. Paulo
Equipe SNA