Por Fernanda Geraldini Palmieri*
Durante a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19, o consumidor brasileiro passou por mudanças, moldadas especialmente por preocupações relacionadas à saúde, segurança e a finanças. E algumas das transformações ocorridas nesse período podem continuar no pós-isolamento, especialmente no tocante à alimentação.
As principais mudanças verificadas durante a quarentena são o aumento das refeições feitas no lar (que, consequentemente, concentra as compras de alimentos no varejo tradicional), a busca por refeições rápidas e por praticidade (o que beneficia os deliveries, tanto do varejo quanto de alimentos prontos) e também a procura por alimentos indulgentes (que trazem prazer), como “recompensa” ao estresse trazido pelo isolamento.
Estas mudanças impactam diretamente o mercado de frutas e hortaliças, beneficiando as vendas desses produtos no varejo, mas limitando a comercialização no food service – já que este segmento teve sua comercialização reduzida, além de ter a maioria das vendas focada em fast foods.
Segundo dados da Nielsen, as vendas de HFs (hortifrútis) no varejo cresceram no primeiro semestre de 2020 frente ao mesmo período de 2019.
Os destaques são as vendas de saladas e vegetais, que tiveram expressivo aumento de 211%. No caso das frutas, a elevação foi de 9,2%, ao passo que a comercialização de tubérculos e raízes caiu 43,5% na mesma comparação.
Quanto a restaurantes e bares, apesar de não haver dados específicos relacionados a HFs, o faturamento total caiu, em média, 60,4%, quando comparado o período de março a julho frente à fase pré-pandemia.
O principal impacto da queda do food service no setor de HF é com relação aos restaurantes por quilo, visto que são os que têm maior diversidade e quantidade, principalmente de hortaliças – as frutas também costumam ser ofertadas em sobremesas e sucos, mas com menos opções.
Esses tipos de restaurantes, inclusive, devem ter as maiores dificuldades de retomada das atividades no pós-quarentena, visto que a higienização dos utensílios precisará ser constante, caso não optem por alocar um funcionário adicional somente para servir.
Além destas mudanças, é importante lembrar que as restrições econômicas também impactam o setor de HFs. Conforme o Boletim Focus de 21 de agosto de 2020, a estimativa é de que o PIB per capita em 2020 tenha retração de 5,5%, e levando-se em conta os dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-18), a cada 1% de queda na renda do brasileiro, o consumo geral de frutas e hortaliças recua 0,573% (dados calculados por Vaz e Hoffmann em 2019, com base na elasticidade-renda).
Assim, estima-se que, se a renda do consumidor cair, em média, 5,5% em 2020, o consumo médio de frutas e hortaliças no lar tende a recuar cerca de 3%.
É claro que nem todos os brasileiros foram impactados da mesma forma. A Nielsen divide consumidores em dois perfis principais: os relativamente não afetados e os que tiveram renda e despesas reduzidas. Enquanto o primeiro grupo consegue manter seu padrão de compra (buscando, inclusive, reproduzir suas experiências de alimentação em restaurantes dentro do lar), o segundo tem mais dificuldades, com necessidade de priorizar gastos mais essenciais.
No setor de HFs, é nítida essa diferença. As redes de hortifrútis premium registram aumento no faturamento com frutas e hortaliças frescas. Ao mesmo tempo, observa-se queda nas vendas das Ceasas, que têm supermercados de pequeno e médio portes, sacolões, feiras livres e restaurantes como clientes principais.
Nesse sentido, cautela deve continuar sendo a palavra-chave dos consumidores nos próximos meses, tanto em relação à saúde quanto à economia. O período de isolamento praticamente passou e, agora, inicia-se a consolidação do distanciamento social, com maior flexibilização e programação para reabertura de bares e restaurantes.
Porém, mesmo após o fim da quarentena mais rígida, brasileiros pretendem manter alguns hábitos enquanto a pandemia persistir: alimentação dentro do lar com maior frequência, compras mais cautelosas e seletivas, retomada lenta do food service e de hotéis (importantes consumidores de algumas frutas, como mamão e melão, não só no Brasil como no exterior) e manutenção das compras online, priorizando uma alimentação mais saudável.
De modo geral, todas as pesquisas indicam que a consciência de hábitos mais saudáveis está relacionada ao consumo regular de frutas e hortaliças. O grande desafio do setor é transformar em vendas essa consciência de que frutas e hortaliças fazem bem.
* Fernanda Geraldini Palmieri é pesquisadora da área de HF do Cepea.
Cepea